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ECOGUERREIROS, LEVANTEM-SE! por VANDANA SHIVA – CHAMADA GLOBAL PARA A RIO+20 – A NECESSIDADE DE MUDANÇA DE PARADIGMA

Por: Vandana Shiva
Fonte: Asian Age de 1 de junho de 2012
Tradução: Mario S. Mieli






Em junho de 2012, movimentos e líderes se reunirão no Rio para a Rio+20, duas décadas depois que a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ocorreu, em 1992, para discutir urgentes desafios ecológicos, como a extinção de espécies, a erosão da biodiversidade e a mudança climática. A Conferência nos forneceu duas leis ambientais significativas: a Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção sobre Mudança do Clima, na estrutura das Nações Unidas. Deu-nos também os princípios do Rio, inclusive o Princípio Precaucionário e o Princípio segundo o qual Quem Polui Paga.

O mundo mudou radicalmente desde 1992 e, infelizmente, não para melhor. A sustentabilidade ecológica tem sido sistematicamente sacrificada em prol de um modelo de economia que está, ele mesmo, em crise. Em 1995, criou um deslocamento tectônico quanto aos valores que guiam nossas decisões, e quanto a quem toma essas decisões. A Conferência do Rio estava baseada em valores de sustentabilidade ecológica, justiça social e equidade econômica – seja em vários países que ao interior desses vários países. Ela foi configurada por movimentos ecológicos, ciência ecológica e governos soberanos. O ‘establishment’ da OMC (Organização Mundial do Comércio), e o paradigma do comando corporativo global, imprecisamente chamado de “livre mercado” (mais acuradamente descrito como globalização corporativa) mudou os valores e as estruturas da governança e do processo de tomada de decisão.

A conservação dos recursos da Terra e a partilha justa desses recursos foram substituídos pela ganância, pelo apoderamento e pela privatização de recursos (1). Economias e sociedades sustentáveis foram substituídas por sistema de produção não sustentáveis e um movimento incansável em espalhar o vírus do consumismo. A tomada de decisão passou às mãos de corporações globais, tanto direta quanto indiretamente. Assim, não surpreende que, ao nos reunirmos na Rio+20, a crise ecológica está mais profunda que na época da Conferência de ‘92, e a determinação e a capacidade dos governos estão mais fracas (2).

Enquanto as corporações escreviam as regras da OMC e do livre comércio global, elas também subvertiam as regras ambientais que deveriam regular suas atividades comerciais para garantir a sustentabilidade. Essas empresas mudaram as leis relativas ao meio-ambiente que deveriam regular o comércio através de leis para a comercialização e a mercantilização dos recursos da terra e das funções ecológicas.

Lucrando com a poluição

As corporações subverteram o Tratado do Clima e a Convenção para a Biodiversidade. Em vez dos poluidores pagarem e serem regulados em âmbito nacional e internacional para parar a poluição, os maiores poluidores atmosféricos, que mais contribuíram para a mudança climática, estão ditando as regras de como lidar com a mudança climática. O setor biotecnológico, que causou a poluição genética, espalhando organismos geneticamente modificados no ambiente, está ditando as regras de como gerenciar a biodiversidade e como governar a Biossegurança. Um exemplo disso é a introdução da BRAI (Biotechnology Regulatory Authority, ou Autoridade Regulatória em Biotecnologia), na Índia.

O objetivo original do Tratado do Clima era estabelecer alvos de redução de emissões legalmente obrigatórios, que no período pré-globalização estavam concentrados no Norte industrial rico. O tratado foi destruído na Conferência sobre o Clima em Copenhague (3), por uma tentativa de substitui-lo com o Acordo de Copenhague não compulsório. O Protocolo de Kyoto introduziu a comercialização das emissões, o que significou, efetivamente, que o poluidor é pago, e não punido. Os grandes poluidores industriais são pagos, primeiro, com a permissão de terem direitos privados sobre a nossa atmosfera comum. Depois, são pagos através dos lucros da comercialização do carbono.



Os lucros aumentaram e as emissões aumentaram. O caos climático está pior hoje que em 1992. E os poluidores estão buscando novas formas de fazer dinheiro e se apoderarem de recursos. Agora querem transformar em mercadoria as funções e os serviços ecológicos que a natureza fornece. Esse será o grande debate Climático na Rio+20.

O objetivo original da Convenção sobre a Diversidade Biológica era a conservação da biodiversidade e seu uso sustentável e justo (4). Este objetivo foi subvertido e está sendo crescentemente substituído por objetivos de comércio em recursos genéticos, lucros e privatização. O Protocolo de Nagoya sobre Acesso e Partilha dos Benefícios restringe o acesso a somente protagonistas globais, ignorando o acesso de comunidades locais. Trata como utilização, somente a utilização para pesquisa e comércio – ignorando as necessidades de sobrevivência das comunidades locais. Na realidade, trata-se de Biopirataria legalizada, porque permite a transferência da riqueza genética das comunidades locais para a as corporações globais e destrói as economias e culturas baseadas na biodiversidade, que conservaram essa biodiversidades, e que são necessárias para conservá-la para o futuro.

‘Sabemos que podemos mudar isso’

Tanto no Tratado do Clima quanto na Convenção sobre a Biodiversidade os negócios e o comércio estão substituindo a conservação e o bem comum. Os Direitos das Corporações estão substituindo os Direitos da Natureza e dos Cidadãos.

E esta mudança de valores, da conservação e partilha para a exploração e a privatização, é justificada em nome do progresso e do crescimento econômicos. Apesar disso, o paradigma econômico pelo qual a Terra e a Sociedade estão sendo saqueadas e destruídas, está ele mesmo em profunda crise. Basta ver os suicídios de agricultores e a crise de fome e subnutrição da Índia. Basta ver os protestos na Grécia, na Espanha, no movimento Occupy dos 99% nos EUA.

Como os indignados espanhóis disseram:

“ Não compreendemos porque deveríamos pagar os custos da crise, enquanto seus instigadores continuam a ter lucros recordes”. Estamos cansados de uma injustiça depois da outra. Queremos de volta a dignidade humana. Esse não é o tipo de mundo em que queremos viver, e somos nós que devemos decidir que mundo queremos. Sabemos que podemos mudá-lo e estamos curtindo muito fazer isso.”

É extremamente necessária uma mudança de paradigma. E essa mudança não virá daquelas pessoas que criaram a crise, e que estão procurando novos modos de prolongar o ciclo de vida da economia da Ganância, tornando tudo uma mercadoria e privatizando todas as formas de vida da Terra. Eles virão à Rio+20 para pintar de verde a Economia da Ganância, e chamá-la de Economia Verde. E eles terão governos poderosos do seu lado.

Movimentos para a sustentabilidade ecológica, justiça social e profunda democracia virão à Rio+20 com um outro paradigma, centrado nos Direitos da Mãe Terra, os direitos das gerações futuras, das mulheres, das comunidades indígenas e dos agricultores.

É esta disputa épica entre um paradigma destrutivo, ultrapassado e moribundo e o paradigma emergente de valorização da vida que será o aspecto mais significativo da Rio+20. O resultado dessa disputa determinará o futuro da humanidade. Este paradigma não entrará nas negociações, que podem resultar somente no mínimo denominador comum, dentro do contexto corrente da influência corporativa. Mas ele fornecerá a energia para a Cúpula dos Povos, e de muitas iniciativas governamentais no Rio Centro. Essa disputa continuará além do Rio, em cada país, em cada cidade e vilarejo, em cada fazenda e local de trabalho, em cada rua e em cada casa.

Nenhum de nós está imune à crise, ou à resposta dada a ela. Nenhum de nós é um mero espectador. Estamos todos imersos em processos que estão ameaçando o planeta e nosso próprio futuro, ou achando modos criativos de forjar um futuro justo e sustentável. Cada dia é uma Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em nossas vidas. E cada um de nós está negociando o nosso destino coletivo na Terra.

© 2012 The Asian Age



Notas:
(1) http://www.guardian.co.uk/sustainable-business/climate-change-business-action-investors
(2) http://www.huffingtonpost.com/2012/05/11/united-nations-rio20_n_1509908.html
(3) http://www.nytimes.com/2009/12/14/business/energy-environment/14iht-green14.html?_r=2&pagewanted=all
(4) http://www.guardian.co.uk/global-development/2012/may/24/rio-20-sustainable-agriculture-caroline-spelman


Alguns sites para acompanhar os eventos da Rio+20:

http://rio20.net/pt-br/

http://cupuladospovos.org.br/

http://www.rio20.gov.br/

http://www.rio20.info/2012/

VEJA TAMBÉM OS SEGUINTES ARTIGOS DE VANDANA SHIVA DISPONÍVEIS NA IMEDIATA:

>> Além dos paradigmas fossilizados: a futura economia alimentar, por Vandana Shiva
http://imediata.org/?p=1456

>> Bioimperialismo, controle total da vida na Terra, espalhar a cultura da ignorância – Vandana Shiva em entrevista
http://imediata.org/?p=1134

>> Cinco minutos com Vandana Shiva – “Não há limites para o que podemos criar.”
?http://imediata.org/?p=674

VANDANA SHIVA: ABAIXO A DITADURA ALIMENTAR!!!
http://imediata.org/?p=470

Está na hora de acabar com a Guerra contra a Terra
http://imediata.org/?p=365

Os campos de extermínio das corporações multinacionais; os pesticidas, poluição e economias de genocídio
http://imediata.org/?p=356

A injustiça dos créditos de carbono compensatórios
http://imediata.org/?p=84

Consulte também os vários artigos anteriores no
Arquivo Imediata: portais Lance de Dados e Biodiversidade:

ÁGUAS SAGRADAS
http://imediata.org/biodiv/shiva_aguassagradas.html

A privatização e as guerras da água
http://imediata.org/biodiv/shiva_guerrasagua.html

Terrorismo, Agricultura e a Cooperação Índia-EUA
http://imediata.org/lancededados/VANDANASHIVA/vandana_terroragricultura.html

O mundo polarizado da globalização (Uma resposta à hipótese da terra plana de Tom Friedman)
http://imediata.org/lancededados/VANDANASHIVA/vandana_mundopolarizado.html

“Moldando hoje o futuro no qual queremos viver” – uma hora com Vandana Shiva
http://imediata.org/lancededados/VANDANASHIVA/futuro.html

“A libertação é vida com dignidade”
Fergus Nicoll entrevista Vandana Shiva no programa Agenda da BBC.

http://imediata.org/lancededados/VANDANASHIVA/vandana_entrevistaBBC.html

Em louvor aos excrementos das vacas
http://imediata.org/lancededados/VANDANASHIVA/vandana_excrementos.html

Desconstruindo o acesso ao mercado; mercado de quem, acesso de quem?
http://imediata.org/lancededados/VANDANASHIVA/desconstruindo.html

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