Dar voz aos oprimidos é possível. Reflexões fora do coro, Fulvio Grimaldi entrevistado por Hamza Biondo

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Dar voz aos oprimidos é possível. Reflexões fora do coro, Fulvio Grimaldi

entrevistado por Hamza Biondo

DESINFORMAÇÃO, ESTADOS ELIMINADOS, EMIGRAÇÕES E INSTRUMENTALIZAÇÕES: um representante do Islã xiita entrevista Fulvio Grimaldi

Via: https://cambiailmondo.org/2018/04/28/dare-voce-agli-oppressi-e-possibile-riflessioni-fuori-dal-coro-con-fulvio-grimaldi/

Entrevista publicada em: http://islamshia.org/dare-voce-agli-oppressi-e-possibile-riflessioni-fuori-dal-coro-con-fulvio-grimaldi-di-hamza-biondo/

Tradução: Mario S. Mieli

Contar a realidade é o trabalho dele, e faz isso desde os vinte anos; começou a escrever num caderno com uma caneta, agora usa máquina de filmar e computador, mas a paixão é a mesma. Fulvio Grimaldi viajou o mundo, esteve presente nos lugares e momentos cruciais para documentar crises e contar histórias de homens, injustiças, esperanças. A profissão de repórter ele a aprendeu no campo, longe dos hotéis confortáveis para jornalistas enquistados e sem depender muito das confortáveis escamotagens oferecidas pela técnica. Uma profissão maldita, em vias de extinção, Grimaldi defendeu a necessidade moral de “ir ao local”.

Um hábito compartilhado com escritores famosos que, nas vestes de repórter, tinham o hábito de frequentar os campos de batalha, descrevendo-os, e depois retornando a seus romances. Os países que Grimaldi visitou são muitos, é uma lista que lembra os atlas do passado, quando na escola se estudava geografia e os mapas destacavam os estados com cores brilhantes. Correspondente na Irlanda do Norte em 1972, testemunha em Derry no dia do Bloody Sunday (Domingo Sangrento), na Palestina durante a Guerra dos Seis Dias, em seguida, ao longo dos anos podemos encontrá-lo no Iêmen, Eritreia, Iugoslávia, Iraque. Entre tudo isso, tanta África e América Central. Se ele tivesse tido a possibilidade, teríamos visto ele em Little Big Horn, para colher a versão dos nativos americanos e… também a de Custer. Ele colaborou com muitos meios de comunicação televisivos e impressos, incluindo BBC, Rai, Nouvel Observeateur, ABC, Panorama, Paese Sera e Liberazione. Relações de trabalho e compromisso político que muitas vezes estiveram interligados e, por vezes, em conflito, porque documentar a realidade tem um preço e algumas redações sofriam do que ele chama de “a traição dos clérigos”. Alérgico aos entrismos e suéteres de cachemira da esquerda caviar, Grimaldi também esteve presente em outras artes e ofícios. Ele documenta crimes ambientais, escreve livros, teve experiências teatrais e uma pequena aparição em um filme que o escritor considera cult: “Investigação de um cidadão acima de qualquer suspeita” de Elio Petri. Caso você ainda não tenha entendido, teríamos gostado de ter conversado com ele sobre muitas coisas. Por agora, ficamos satisfeitos de fazer algumas perguntas.

Alexis de Tocqueville costumava dizer: “A democracia é o poder de um povo informado”. Qual é a realidade italiana?

FG. O povo italiano vive, como um peixinho vermelho, numa bolha político-cultural de nada, contida num vaso aquário de mentiras. Ocasionalmente, respeito a questões menores, compatíveis com os arranjos de poder (sempre determinados por forças externas), permite-se que eles conheçam verdades inócuas, algumas falhas da oligarquia dominante, alguns erros. Assim que se entra na realidade geopolítica, que é o que conta, o vaso se torna um espelho deformador.

Estamos testemunhando uma revolução da linguagem, se antes a narração de vídeo tinha primazia sobre o texto escrito, este é o momento da comunicação digital que encurta distâncias e sintaxe. Mas uma conferência de imprensa pode ser substituída por um tweet? O mundo pode ser contado com um hashtag?

FG. A elite usa novas tecnologias, não apenas para condicionar, monitorar, controlar e manipular. É necessário destruir a linguagem, suas articulações, sua complexidade. Ela é contaminada por expressões estrangeiras, principalmente inglesas, a maioria mal entendida porque elas se separam do contexto sintático, mas acima de tudo com a redução da comunicação à simplificação mais básica. Precisamente o tweet, o sms, o chat. Mais simples e elementar a linguagem, mais simples e elementar e, portanto, inerme e manipulável é o pensamento.

A falsificação da História é construída gradualmente, utilizando-se também desinformação e censura. Setenta anos depois da “Nakba”, uma palavra que indica o início do genocídio dos palestinos, o consenso agora ignora as responsabilidades históricas e confunde perpetradores com vítimas ….

FG. A opinião pública, felizmente não toda, é narcotizada pela mensagem publicitária, tanto política quanto histórica. O poder sabe disso e pratica o martelar do pensamento único, da versão única, há alguns milênios. A opinião pública é a vítima do colapso de um pensamento e de uma comunicação alternativos, antagônicos. A unificação das informações, após a experiência do Vietnã, onde a pluralidade de notícias e versões contribuiu para determinar a falência colonialista da França e dos EUA, o desaparecimento do editor puro e a concentração dos meios de comunicação nas mãos dos detentores de interesses e de poder econômico, militar e cultural, determinou esta situação. Que agora é aperfeiçoada com a caça às chamadas fake news, que em essência não são nada além de informações indesejadas pelo establishment. Especificamente a respeito da Nakba, a tragédia e o genocídio dos palestinos nas mãos dos usurpadores e de seus padrinhos, foi efetivamente obscurecida por duas grandes operações publicitárias: a perene re-proposição do Holocausto, apresentado anti-historicamente como crime único e máximo, a ameaça de antissemitismo que é frequentemente associado ao terrorismo.

Com bombardeios contra povos indefesos, eles devastaram a Síria, a Líbia e o Iraque. Com as ocupações militares, arruinaram sociedades e modelos de convivência antiquíssimos, destruíram mundos que não ressurgirão novamente. Quem será a próxima vítima? Quais são as responsabilidades do sistema político europeu?

FG. Da ininterrupta demonização propagandística de árabes, do islamismo, do Irã e da Rússia, não parece difícil deduzir quais são os objetivos a que se propõe de lançar o belicismo imperialista. Haverá outros, um pouco de cada vez, na África e na América Latina. É a marcha da globalização, a estratégia para uma dominação totalitária única do mundo pelo capital financeiro-militarista ocidental. A União Europeia nasceu para desempenhar um papel auxiliar neste projeto. É submetida a uma contínua chantagem econômica, militar, propagandística, para evitar que se aparte dessa conspiração ocidental e perceba que seus interesses e a capacidade de seus povos para escolher de forma independente o seu próprio caminho coloque o continente em outro contexto geopolítico.

Vamos tentar analisar o fenômeno da emigração fora do politicamente correto e da exploração

FG. Desse fenômeno histórico, eu me dediquei com esforço especial, dada a enorme carga de mistificação, no sinal hipócrita de fazer o bem e da solidariedade, que não deve esconder os verdadeiros objetivos. Basta pensar que um milhão de jovens sírios foram retirados da defesa e do desenvolvimento de seu país para fornecer mão-de-obra barata para as exportações alemãs, um país cúmplice da destruição da Síria. Basta pensar nos 60 mil agricultores que viviam na Etiópia, ao longo do rio Omo, que lhes garantia o cultivo, produção e subsistência, e que por causa uma mega diga italiana foram privados de seu rio e, portanto, de seu futuro. Para onde acreditamos que eles emigraram? Aqueles que advogam obsessivamente a acolhida incondicional de imigrantes, falando de que fogem das ditaduras, da fome, dos desastres climáticos, mas deixando de mencionar os responsáveis. Mas, acima de tudo, procuram que não possamos entender que as migrações são um fenômeno manobrado pelos mesmos poderes que destruíram tantos países. O primeiro passo da cadeia da migração, para a qual existem ONGs financiadas pelas mesmas forças do globalismo, é a ruína dos países de emigração com os instrumentos de guerra e saques nas mãos das multinacionais. Ruína que força as pessoas a deixarem a própria comunidade, as raízes, a cultura, o próprio futuro. Quase sempre para encontrar um destino pior do que aquele deixado para trás. Nos países de origem existem também estruturas da chamada solidariedade, ONGs, associações, organizações ligadas ao colonialismo, que oferecem aos jovens falsas oportunidades de trabalho e bem-estar na Europa. Então eles se encontram novamente no mar, a caminho da Sicília. Ao imperialismo-colonialismo, servem países para serem saqueados e, portanto, esvaziados das gerações mais jovens e assim a civilização e a identidade são dispersas. Serve também uma força de trabalho com as menores exigências possíveis para reduzir o custo do trabalho nos países avançados e causar desestabilização. Acredito que integração e assimilação são conceitos colonialistas que implicam pressupostos de superioridade racial e cultural.

Alguém dizia a respeito da vida que “ou você a vive ou a escreve”. Você tem sido um profissional da informação há anos, viaja e escreve muito, parece contradizer esta afirmação…

FG. O que eu posso dizer? Desde que pensei em fazer este trabalho, por volta dos dez anos, pensei nisso como o conteúdo e o sentido da minha vida confrontados com os conteúdos e significados oferecidos pela realidade. Logo vislumbrei o poder de fogo dos mistificadores da comunicação. E logo, a partir da Guerra dos Seis Dias na Palestina, para onde fui enviado, eu entendi quem estava manobrando e para quê esses mistificadores serviam. Mas também experimentei a possibilidade de impedir a roda de girar. A semente da verdade, que é o que os povos oprimidos, perseguidos, sofredores e resistentes nos oferecem, é muitas vezes esmagada e dispersa, mas quando caem em solo fértil explodem em um florescer que muda a paisagem. O jornalista deve tentar agir como pólen, sol e chuva.

Para mais matérias de Fulvio Grimaldi, visitar seu “controblog” MONDOCANE:

http://fulviogrimaldi.blogspot.com.br/

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