Por: Vandana Shiva
Fonte: Asian Age
Tradução: Mario S. Mieli
Os OGMs têm sido empregados para privatizar o conhecimento e as sementes, por meio de patentes. Isso bloqueia a pesquisa pública sobre a melhoria do cultivo das plantas e nega aos cultivadores o direito de conservar sementes, compartilhar conhecimento e continuar a evolução da semente.
“Quando a mente não tem medo e a cabeça está erguida… Quando o conhecimento é livre… ”
Rabindranath Tagore
A liberdade de conhecimento é a liberdade de pensar livremente, sem a influência de interesses poderosos. É a liberdade de desenvolver a própria compreensão de uma realidade em evolução de modo a melhorar o bem estar de todos.
Nós, como sociedade, nos tornamos indiferentes quanto à poluição material — produzindo o crescimento de montanhas de lixo, rios poluídos, inclusive os sagrados Ganges e Yamuna que agora parecem “nalas” (esgotos), e o ar poluído que respiramos. Mas há uma poluição ainda mais séria e invisível — que afeta nossas mentes.
A intensificada brutalidade e a frequência da violência contra as mulheres é um sintoma; um estrelado Saifai Mahostav, enquanto as vítimas das rebeliões de Muzaffarnagar congelam na onda de frio, é outro sintoma.
De modo similar, a imposição de utilizar organismos geneticamente modificados está poluindo nossas sementes e nossos alimentos, nossa ciência e democracia. A liberdade do conhecimento e a soberania do conhecimento está ameaçada pelos OGMs em múltiplos níveis. Primeiro, o conhecimento é “livre”, quando pode ser compartido livremente, quando o o conhecimento é um bem intelectual comum.
Os OGMs têm sido utilizados para privatizar o conhecimento e as sementes através dos Direitos de Propriedade Intelectual (Intellectual Property Rights, ou IPRs), o que inclui patentes e copyrights. Se por um lado isso está impedindo a pesquisa pública relativa à melhoria no cultivo das plantas, por outro lado nega aos cultivadores o direito de conservar sementes e compartilhar conhecimento e de continuar o processo de evolução da semente. Os IPRs também negam a inovação coletiva e cumulativa das culturas indígenas e promovem a biopirataria. Por exemplo, vejamos o caso da patente do nim, concedida pelo Departamento de Agricultura dos EUA à multinacional WR Grace. A Índia ganhou a batalha que durou 10 anos junto ao Instituto Europeu de Patentes (European Patent Office, ou EPO) contra a patente concedida para um produto antifúngico derivado do nim. O EPO tinha concedido a patente ao Departamento de Agricultura dos EUA e à WR Grace em 1995, mas o governo da Índia argumentou com êxito que a planta medicinal do nim é parte do conhecimento tradicional indiano.
Segundo, o paradigma do reducionismo genético e determinismo genético (a crença de que os genes, em certas condições ambientais determinam os fenótipos morfológicos e comportamentais) — nos quais se baseia a engenharia genética — é uma violação da soberania do conhecimento. É um modelo artificial de como a vida funciona, pressupondo que os genes são “moléculas dominantes”, dando direção ao RNA (ácido ribonucleico) e às proteínas. Nas palavras da geneticista Dra. Mae Wan Ho: “Em vez do fluxo de informação linear e unidirecional estipulado pelo dogma central, do DNA ao RNA e às proteínas e à função biológica ‘de cima para baixo’, há uma intricada ‘conversa cruzada’ entre o organismo e o seu meio-ambiente, em todos os níveis, com ciclos de ‘feed-forward’ (alimentação para frente) e feedback (retroalimentação) nas redes epigenéticas e metabólicas das interações moleculares que marcam e modificam os genes, enquanto o organismo continua com sua função de vida… O organismo está fazendo sua própria modificação genética com grande fineza, uma dança molecular da vida que é necessária à sobrevivência. Infelizmente, os engenheiros genéticos não conhecem os passos ou o ritmo e a música da dança”.
A soberania do conhecimento na ciência da vida vai passo a passo com a consciência da soberania e a auto-organização dos sistemas vivos, das células até os organismos, aos ecossistemas, ao planeta vivo.
A terceira violação contra a soberania do conhecimento é o ataque contra os cientistas independentes que empreendem pesquisas e investigações científicas independentemente dos interesses corporativos.
O primeiro exemplo de um cientista que foi atacado foi o Dr. Arpad Putzai, bioquímico e nutricionista húngaro que foi solicitado pelo governo do Reino Unido para estudar a segurança dos OGMs. Em 1998, o Dr. Pusztai anunciou que os resultados de sua pesquisa mostraram que alimentar ratos com batatas geneticamente modificadas tinha um efeito negativo no revestimento de seu estômago e no sistema imunitário. Apesar de ser um especialista de fama internacional em lectinas vegetais, sendo o autor de 270 artigos especializados e três livros sobre o assunto, ele foi removido de seu laboratório no Rowett Research Institute, em Aberdeen, Escócia, onde tinha dedicado 36 anos. Foi-lhe imposta uma ordem de silêncio, impedindo-o de falar de seus resultados. Mais recentemente, em 2012, foi publicado um artigo no the Journal of Food and Chemical Toxicology pelo Dr. Seralini, da França, o qual tinha conduzido um estudo durante dois anos sobre a segurança dos OGMs. Quando foi pedido que a publicação retirasse o artigo, os editores recusaram, afirmando que o artigo tinha sido revisto por colegas especializados e avaliado. Daí a Monsanto indicou seu próprio editor de biotecnologia, o Dr. Goodman, que fez retirar o artigo.
Na Índia, dois ministros para o meio-ambiente que tentaram prosseguir com o trabalho de biossegurança, conforme sacramentado nas Regras para Organismos Geneticamente Modificados (Rules for Genetically Engineered Organisms) estipuladas pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (US Environmental Protection Agency), foram sacrificados para tentar abrir caminho aos OGMs. O novo ministro para o meio-ambiente da Índia, Veerappa Moily, indicou que procurará derrubar o impedimento de cultivo de OGMs instituído por seus predecessores.
Espera-se que o apoio do Sr. Moily abrirá o caminho para que o governo submeta uma declaração junto à Corte Suprema de Justiça, consentindo testes no campo de alimentos GMs numa base condicional. Essa é uma tentativa de subverter a comissão de especialistas técnicos, estabelecida pela Corte Suprema, a qual solicitou uma moratória sobre os testes de campo de 10 anos, até que seja criada uma robusta infraestrutura de biossegurança para a avaliação e a regulamentação. Há também uma tentativa de substituir as regras do EPA com desregulamentação e aprovação rápida para os OGMs, através da criação de uma Lei para a Entidade Reguladora de Biotecnologia (Biotechnology Regulatory Authority Act).
A quarta violação da liberdade do conhecimento e soberania do conhecimento é impedir a evolução do conhecimento público sobre como funciona a vida, como podemos produzir alimentos em maior quantidade e de melhor qualidade ecologicamente, o que é feito por meio do controle de publicações científicas assim como da mídia, de modo a promover um paradigma obsoleto de reducionismo genético e ciência mecanicista, e de se fazer falsas declarações de supostos milagres da engenharia genética.
Há uma adequada evidência de que os OGMs não aumentam a produção e não tratam da fome. Os “milagres” de biofortificação através da engenharia genética, como o do Golden Rice (arroz dourado) por remover a deficiência em vitamina A, e a banana GM por remover a deficiência em ferro, são menos evidentes do que as alternativas disponíveis pelo conhecimento e biodiversidade indígenas. Além disso, ao invés de controlar pragas e ervas daninhas, os OGMs levaram ao aparecimento de superpragas e de ervas super daninhas. O imperador dos OGMs está nu, mas a influência do setor da biotecnologia sobre a ciência, a mídia e as políticas públicas afetou todos aqueles cujas mentes estão submetidas, enquanto aplaudem esperando que novas roupas sejam dadas ao imperador.
A quinta violação da liberdade do conhecimento nega aos cidadãos seu direito de saber o que estão comendo. O setor de biotecnologia e alimentar gastou 40 milhões de dólares para influenciar e minar as iniciativas a favor de etiquetagem nos estados da Califórnia e Washington, e esse zé um exemplo de poluição do conhecimento que erode a democracia alimentar.
A ironia é que os OGMs estão sendo promovidos me nome da ciência, enquanto ciência e conhecimento estão sendo sacrificados diariamente em nome de inverdades para alimentar a máquina de ganância e não as pessoas. Sem soberania do conhecimento não há soberania alimentar. Sem liberdade de conhecimento não há nem liberdade nem democracia.