>> Não tem mais trabalho? Mas que diabo, para que alguém vai querê-lo? por Gianni Tirelli

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Não tem mais trabalho? Mas que diabo, para que alguém vai querê-lo?

Por: Gianni Tirelli

Fonte: Crepa Nel Muro de 28 de junho de 2014

Tradução: Mario S. Mieli

Há um dado objetivo e conclusivo que hoje nos entrega uma verdade/realidade de feições inquietantes, mas ainda invisíveis para grande parte das pessoas. Isso porque os indivíduos das sociedades intelectuais estão divorciados daquela necessária consciência que, de fato, os isenta de qualquer capacidade crítica e de saber interpretar o presente quando, bem no fundo, esperam ainda que alguma coisa mude e que as dificuldades do momento sejam superadas.

Mas nesses tempos, a esperança é o pior investimento que se possa fazer se, paralelamente, não vier acompanhada por uma ação de força e de impulso revolucionário de reconversão que permanecem, em absoluto, as únicas condições capazes de contrastar, pelo menos em parte, os efeitos apocalípticos do colapso do Império liberal.

E estou falando do “Trabalho”, de qualquer trabalho que dependa de terceiros e para o qual sacrificamos a maior parte da nossa vida a cada santo dia, e cujos custos materiais, morais e humanos superaram de muito os ganhos e as supostas vantagens. Um dado que ratifica a derrota e o fim do capitalismo e, portanto, de toda uma época, com todos os seus efeitos direitos e colaterais sobre a humanidade e o ambiente.

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“HOJE TRABALHAR É UM CUSTO, CAIAM FORA…”

O TRABALHO, portanto, NÃO PAGA MAIS! NÃO É MAIS CONVENIENTE! – sob qualquer ponto de vista, seja a saúde, o bem-estar, o futuro ou a felicidade. Melhor ficar em casa e esculpir um pedaço de madeira no calor de uma lareira, enquanto fora a chuva sacia a sede da nossa horta e alimenta o poço. Finalmente ficarmos com nossos filhos, para restituir-lhes o tempo do amor e da atenção – o ‘imprinting’ que lhes vai modelar o caráter e decidirá suas escolhas futuras.

E, depois, bastaria fazermos “as contas da empregada” para entender que, nesses tempos, qualquer tipo de trabalho, é o que de mais estúpido, improdutivo e dispendioso possa haver. Seria muito mais correto definir um tal estado de coisas, “uma escravidão com os pés livres” onde aqueles poucos trocados que sobram, depois de deduzidas as despesas e os sacrifícios, poderiam ter sido tranquilamente ganhados em condições de total autonomia e serenidade entre os quatro muros de uma honesta casinha de campo, liberados de todo tipo de efêmero consumo e dependência.

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UM SER HUMANO QUE NÃO PODE DISPOR DE SEU TEMPO É UM HOMEM MORTO!

Mas se não se é capaz de renunciar àquilo que, na realidade, não serve, homologados dentro de um Sistema que alimentamos quotidianamente em virtude de necessidades induzidas pela propaganda liberal, cada nossa palavra, indignação e protesto, tornam vãs todas as boas intenções.
Se não pararmos de recarregar celulares, de alimentar a Pay TV, de correr atrás da tecnologia, de comprar play stations para os nossos filhotes arrogantes (idiotizados desde o berço), enchendo sua vida de besteiróis diversos (futuros dejetos a serem despejados), então nos tornamos responsáveis por aquele colapso moral, ético e humano que fará de seus respectivos futuros um lixo residual.

Os indivíduos bem diferenciados das sociedades camponesas, justamente em virtude de sua autonomia, dispunham do tempo livre necessário (indispensável e necessário) que dava um sentido à sua existência e era motivo de socialização, tradição, fantasia, pura introspecção e distração. A variabilidade do tempo os obrigava, por longos períodos, a abandonar a fadiga dos campos, podendo assim se conceder longas pausas de descanso regenerador, e em ocupações manuais/artesanais, fonte de criatividade, inspiração e consciência. Hoje, com a moderna cultura liberal, todo remoto vislumbre de dignidade, de felicidade e de bom senso foi cancelado para sempre. Que valor e sentido demos ao nosso viver e com que ânimo enfrentamos, depois, a morte?

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Um homem forçado a trabalhar oito horas por dia (haja chuva ou vento) por quarenta anos de sua vida dentro de uma fábrica malsã, caótica e ensurdecedora, por miseráveis mil euros por mês, não só é um irresponsável mas (sem qualquer dúvida de ser desmentido), um psicopata. Isso vale também para as oito horas queimadas na frente de um computador ou na direção de um trem de alta velocidade, ou no caixa de um supermercado.

Essa não é a vida ou a extrema condição de sobrevivência, mas o estado vegetativo. O tempo e a qualidade da nossa existência são os bens mais preciosos que temos, e precisamos protegê-los zelosamente; e ninguém pode roubá-los de nós; muito menos por um preço tão alto.

Que valor e sentido teremos dado ao nosso viver e com qual ânimo enfrentaremos a morte?

Aquele processo de simplificação, que transladou o homem de um passado industrioso a um presente industrial, faliu miseravelmente: a autonomia de antigamente, fonte de liberdade e dignidade, degenerou em dependência do Sistema, e a salutar e satisfatória fadiga do homem do campo, em trabalho mecânico, frustrante e sem dignidade. Por esses motivos, o indivíduo humano, consciente e responsável de outras eras, involuiu em humanoide robotizado; um autômato que se atém às regras estereotipadas de uma cartilha de instruções que o Sistema lhe entrega no momento do seu nascimento. A um homem assim lhe é negada a felicidade.

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O homem razoável morre como um homem, para que a memória de suas ações seja reconfortante a todos aqueles que o amaram. O homem razoável busca a autonomia e a liberdade, em uma condição de autenticidade, e de qualidade de vida. Diversamente, melhor seria para ele viver de expedientes e achar um abrigo, no frio de uma barracão de zinco e cartão, e que fosse a caridade a satisfazer suas necessidades, e as noites estreladas, os seus sonhos.

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O homem dessa época insensata deve se rebelar e se reapropriar da única coisa capaz de produzir milagres, e capaz de desenterrar antigas paixões e verdadeiras motivações: a Terra. A Terra é o verdadeiro poder! O único poder ao qual podemos serenamente nos submeter sabendo que, amanhã, para nós, será um outro dia. Um dia novo, cheio de expectativas e de esperanças, de sadia fadiga, sereno repouso e felicidade.


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