>> Da soberania alimentar perdida à escravidão, por Gianni Tirelli

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Da soberania alimentar perdida à escravidão

Por: Gianni Tirelli
Fonte: oltrelacoltre de 29/12/2013
Tradução: Mario S. Mieli

“Há quatrocentos anos, antes da chegada do capitalismo, os seres humanos se nutriam com mais de 500 espécies diferentes de plantas. Cem anos atrás, com a hegemonia da revolução industrial, foram reduzidas a 100 as espécies diferentes de alimentos que depois da lavragem passavam aos processos industriais. Há trinta anos, depois da hegemonia do capital financeiro, a base de toda a alimentação da humanidade é representa em 80% por soja, milho, arroz, feijão, cevada e mandioca. O mundo se tornou um grande supermercado, único. As pessoas, independentemente de onde vivam, se nutrem da mesma dieta de base, fornecida pelas mesmas empresas, como se fôssemos suínos de uma grande pocilga que esperam, passivos e dominados, a distribuição da mesma ração quotidiana.

Houve uma enorme concentração da propriedade da terra, dos bens da natureza e dos alimentos. Qual é a solução? Em primeiro lugar, precisamos renegociar em todo o planeta, o princípio de que o alimento não pode ser uma mercadoria. O alimento é a energia da natureza (sol mais terra, mais água, mais vento) que move os seres humanos, produzidos em harmonia e colaboração com os outros seres vivos que formam a imensa biodiversidade. Todos dependemos de todos, nessa sinergia coletiva de sobrevivência e reprodução. O alimento é um direito de sobrevivência. E, portanto, cada indivíduo da terra deveria ter acesso a essa energia para se reproduzir, de modo igualitário e sem qualquer vínculo. Nós apoiamos o conceito de soberania alimentar, que é a necessidade e o direito que, em cada território, haja um vilarejo, uma tribo, um assentamento, uma cidade, um estado e também um país, que cada povo tenha o direito e o dever de produzir os próprios alimentos.” [João Pedro Stédile]

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A poluição produzida pelo capital/liberalismo fez tabula rasa de cada forma de vida. Assim não há mais nada para pescar, caçar, uma horta para cultivar, em resumo, a possibilidade de obter alimentos com o objetivo de satisfazer as necessidades primárias das pessoas. Fomos impedidos de semear, sendo forçados a comprar no Mercado do Grande Malfeitor, sementes geneticamente modificadas, hortaliças e animais domésticos clonados e bombados, e aquela longa lista de substâncias químicas cancerígenas que devastam os corpos dos nossos filhos, dispensando dor e medo na cidadania. O objetivo de tudo isso é controlar a cadeia alimentar global para que nos tornemos escravos, e dependentes de sua ensanguentada mercadoria – nada mais que esterco do diabo.

Isso não tem nada a ver com a ideia de alimentar o mundo. O verdadeiro escopo é aumentar os lucros das grandes corporações* da indústria química, e cancelar cada um de nossos recursos, capacidades e vontade – tornando-nos inofensivos, em poucas palavras, para depois sermos esmagados como um punhado de moscas que zumbem irritantemente. Nós, as inconscientes cobaias de laboratório, de um projeto de experimentação de cunho nazista, de dimensões planetárias, que terminará com a “solução final”. Um extermínio, esse, cientificamente programado, que se insere num projeto de exploração integral de cada recurso energético e dos indivíduos, subjugados e escravizados por causa de sua (alegada) inferioridade, incapacidade e inutilidade. Seres não humanos, nem animais, que não pertencem a nenhuma raça, espécie e forma de vida, mas meras engrenagens de um Sistema necrófilo, e clientes classificáveis exclusivamente com base em seu poder de compra.

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Eu, a partir desse exato momento, apresento impugnação contra o Estado, o meu direito de nascimento – natural, mandatório e inalienável – em virtude do qual a cada homem pertence um pedaço de terra para cultivar, o acesso à água, e um abrigo. Além disso, requeiro e pretendo compensação por todos os danos causados ao meio-ambiente (além de sua imediata recuperação), e devido aos quais determinou-se um tal nível de contaminação, que tornou impossível qualquer condição de autonomia e autossuficiência que, desde o início dos tempos, constituía a base de toda sociedade que se definia “civil” e livre. Assim, fomos roubados de toda a soberania e foi pisoteado o mais natural de todos os direitos do ser humano: o direito à felicidade.

Mas eu estou fora disso! Nós estamos fora disso! A partir deste exato momento, se faz necessária e prioritária a todo o resto, uma declaração de guerra contra todos os estados que não têm a intenção de respeitar os direitos naturais, intangíveis e irrenunciáveis do indivíduo, desde o dia de sua concepção nesta terra.

E quando, em breve, o desemprego atingirá níveis inimagináveis, e a qualidade de vida em queda livre forçará centenas de milhões de indivíduos do mundo ocidental à mendigagem e a todo tipo de aberração, então compreenderemos o valor incomensurável da Mãe Terra e do seu infinito poder – a Terra, o único patrão ao qual teríamos tido que nos submeter, sujeitar e obedecer, respeitando suas regras ancestrais, sem nos tornarmos escravos e servos, mas por meio dela, reencontrar o autêntico e primeiro significado de liberdade. E quando tudo será óbvio e nós, queiramos ou não, ignorantes e inteligentes, teremos por força e necessidade, tomar consciência de quais eram as reais finalidades do Sistema Besta e do seu diabólico plano de homologação, naquele ponto seremos todos escravos.

Para cada ser humano, repito, cabe um pedaço de terra, o acesso à água, uma moradia, e a possibilidade inderrogável de poder satisfazer suas necessidades primárias através da força de seus braços, e através daquela paixão que vivifica e salva, que nasce da relação simbiótica de mútua troca que desde sempre foi estabelecida entre homem e natureza.

Mas hoje esse direito foi espezinhado e tornado ridículo.

Daí nasce a necessidade de atribuir os bens da natureza (terra, água, energia) repartindo-os entre todos os indivíduos da terra.

Até o momento em que forem restaurados esses direitos e as condições necessárias adequadas à epocal e radical mudança de reconversão, os governos de todas as nações deverão arcar com o ônus e a obrigação de providenciar à subsistência dos cidadãos (renda de cidadania), em virtude de uma soma coerente mensal para cada um deles. Num segundo tempo, é preciso implementar um plano de expropriação contra os grandes proprietários de extensões terras, grandes detentores de patrimônios, latifundiários, multinacionais do setor agroalimentar e do setor químico, para dar início a uma justa distribuição do solo, na onda de um novo e luminoso renascimento.
As sociedades poderão ser definidas como democráticas e civis, somente se garantirão aos cidadãos o direito à sobrevivência e à autonomia, tendo acesso aos alimentos-energia necessários.

*Monsanto, Syngenta, DuPont, Dow, Bayer e Basf –

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CHICO BUARQUE ” MORTE E VIDA SEVERINA ” de João Cabral de Mello Neto, publicado em 1966

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