PoeMário vasculhado 9 – “L’Albatros” de Charles Baudelaire
Os pássaros sempre inspiraram os poetas. Talvez pela evidente analogia do voo e do canto, por pairarem “acima” da muvuca terráquea, por terem uma visão de “helicóptero”, conceito que os profissionais de “recursos humanos” adoram usar para descrever os candidatos que conseguem aceder à visão horizontal mais ampla, mas também capazes de verticalizarem-se no específico, como relâmpago, quando preciso. Entre os pássaros, o albatroz mereceu tributo de muitos poetas. Um dos mais belos, e seguramente um de meus poemas preferidos é o “albatroz” de Baudelaire.
Por várias razões: o poeta é sempre um exilado num espaço exíguo e condenado à incompreensão da parte de seus contemporâneos (Baudelaire era e é considerado um dos poetas malditos), pela sonoridade, pela simplicidade, pela força das imagens evocadas, etc…
Houve várias traduções para o português, algumas poderão até ser muito boas, mas nunca me tocaram como o original francês – elas não refletem o “meu albatroz” de Baudelaire. Por isso quis fazer a minha versão, a meu modo, do jeito como Baudelaire me diz… “Vira-e-mexe” a modifico, a remexo, a altero, compulsivamente, como todo tradutor nunca satisfeito completamente com sua versão – sobretudo quando se trata de um dos poemas de que mais gosta – sendo que muitas vezes volta à sua forma original, no todo ou em partes.
Por isso, em minha última versão, troquei os “muitas vezes”, os “com frequência”, os “amiúdes” por “vira-e-mexe”, logo no começo, que é, no fundo, o que a poesia descreve que se faz ao albatroz e ao poeta pela sociedade bárbara, que prefere revirá-los e remexê-los, por ódio, ressentimento, inveja, vingança, cultivo do estado de negação da realidade, etc. ao invés de encarar, enfrentar e aprender a voar com asas próprias.
O poema faz parte de “Spleen et idéal”, na segunda parte do intenso “Les Fleurs du Mal”.
Que ‘Beau de l’air’… poeta e/ou pássaro, sejam generosos e não me julguem muito pretensioso… nesta breve mas recorrente decolada em português…
Mario
O Albatroz de CHARLES BAUDELAIRE
Tradução: Mario S. Mieli
Vira-e-mexe, por diversão, os homens de equipagem
caçam albatrozes, grandes pássaros do mar
Que seguem, indolentes companheiros de viagem
O navio deslizante sobre abismos de amargar.
Assim que os estendem a bordo sobre as pranchas
Esses reis do azul, sem graça e envergonhados
Arrastam a duras penas suas grandes asas brancas
Como fossem remos, um de cada lado, atirados.
Esse viajante alado, como é risível e nulo!
Ele, antes tão belo, quão grotesco e ridículo!
Um lhe cutuca com um cachimbo o bico além da dor
Outro o imita, mancando, o enfermo voador!
O poeta é como o príncipe das nuvens em si
Que habita a tempestade e do arqueiro se ri
Exilado no solo, num escarcéu de danar
Suas asas de gigante impedem-no de andar.
En français:
L’albatros
Souvent, pour s’amuser, les hommes d’équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.
A peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l’azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à coté d’eux.
Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu’il est comique et laid!
L’un agace son bec avec un brûle-gueule,
L’autre mime, en boitant, l’infirme qui volait!
Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l’archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l’empêchent de marcher.
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Interpretações diversas que merecem ser vistas/ouvidas:
L’albatros de Charles Baudelaire
L’albatros . Baudelaire . ( LEO FERRE )
Michel Orion : L’albatros ( Charles Baudelaire – Léo Ferré )
Sylvie Vartan L’Albatros
L’Albatros de Baudelaire par Ana-Maria Bell
L’albatros (La Quinte sauvage – en 2010)