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Viver não significa apenas existir

Por: Silvano Agosti

Transcrição traduzida: Mario S. Mieli

Via: Crepa nel muro

As três gaiolas do ser humano

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O ser humano vem ao mundo e a primeira coisa que faz ao chegar é lançar um olhar maravilhado sobre essa realidade, e daí passa a amá-la imediatamente. Depois, o que acontece, vai sabê-lo, infelizmente, desde a infância. O que acontecerá é que ele será negado, como essa grande obra prima da natureza, esse imbatível mistério que é o ser humano… será inexoravelmente, ferozmente, desmantelado e reduzido a um papel, tornando-se um contador, um aluno, um marido, um funcionário, um Papa, um Presidente, etc., na procissão dos papéis que mantém prisioneiros todos os seres humanos. É preciso dizer logo que, por isso, o ser humano ainda não conseguiu realmente habitar neste planeta.
É fundamental que todos saibamos quais são as gaiolas mortais que cada forma de poder pôs em ato para conseguir demolir esse colosso de mistério que é o ser humano.

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A primeira gaiola consiste em criá-lo em um espaço pequeno, um pequeno cárcere que é o apartamento, a casa.

A segunda gaiola é constringi-lo, quando ele só precisa correr, brincar, ser ele mesmo, e forçá-lo a ficar sentado para aprender, nada menos, que a escrever; por que? Por que se é obrigado a aprender a escrever aos 5/6 anos? Normalmente, o ser humano aprenderia de modo verdadeiramente perfeito a escrever se o fizesse chegando sozinho a sentir essa necessidade, com o desejo, por volta dos 11/12 anos, mas o que conta é bloqueá-lo, não permitir que ele brinque, corra, porque se ele brincasse, corresse até os 18 anos, depois seria impossível fazê-lo parar, pelo resto da vida… de brincar, de criar, de demonstrar sua própria unicidade, porque cada ser que vem ao mundo é único e irrepetível, como se sabe, não só quanto ao DNA, não só quanto às impressões digitais, mas em uma criatividade que, se pudesse exercitá-la, daria cada vez uma versão nova, fascinante, imortal da realidade…

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A terceira gaiola, talvez a mais letal, é o trabalho. A obsessão do trabalho já começa por volta dos 13 anos, quando o rapazinho diz “Mas eu não gosto da escola, não quero ir…”, então lhe dizemos: “Olha que se você não conseguir o diploma, depois você não achará trabalho… olha que se depois não frequentar a universidade, será difícil achar trabalho”, mas o que significa “achar trabalho”? O ser humano não precisa trabalhar, precisa é de boa comida, de um lugar seco para dormir. É possível dar uma casa de presente a 7 bilhões de pessoas com 1/5 daquilo que se gasta a cada ano com os exércitos, as despesas militares, para não falar das coisas magníficas que poderiam ser feitas com todos os investimentos feitos com droga, com prostitutas, com hospitais –aqueles inúteis-, com penitenciárias. Essa gaiola do trabalho, aos poucos, convence, infelizmente, a todos, que se não trabalharem 8/9 horas por dia, não poderão ficar neste planeta, e quem trabalha 8/9 horas por dia sabe muito bem que pode existir, mas certamente não viver! A coisa interessante é que os aparatos de poder que forçam os seres humanos a essa convicção absolutamente demencial – que seja inevitável trabalhar 8/9 horas por dia – até hoje em dia, com as máquinas substituindo em todo canto a fadiga e que permitiriam que o ser humano pudesse expressar-se, finalmente, no trabalho, sobretudo porque, desde sempre, quem trabalha 3 horas por dia e tem 21 horas para viver, é muito mais produtivo de quem é forçado a trabalhar 8/9 horas por dia todos os dias; portanto em 3 horas é possível produzir de modo fantástico aquilo que lhe compete.

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Dizemos produziria porque, atualmente, somos 5 ou 6 em toda a Europa a trabalhar só 3 horas por dia, mas o indivíduo trabalharia de boa vontade 3 horas por dia, descobrindo que nas outras 21 poderiam ser inventadas tantas coisas que renderiam ainda mais produtivas aquelas 3 horas de trabalho, além de se tornar possível conhecer, enfim, os próprios filhos, e depois, finalmente, não se estaria preso à terceira gaiola letal, que é a 3 Bis, ou seja, a convivência: o fato de que um ser humano que encontra uma pessoa que ama seja forçado a conviver na mesma pequena casa ou grande casa –dá no mesmo – não tendo nunca a possibilidade de se alegrar, de ficar um pouco consigo mesmo/a, e descobrir, sobretudo para as mulheres, que ficar com o próprio parceiro não nasce de uma necessidade de afetividade, mas de uma necessidade da construção civil; não têm outra escolha, de modo que ficam ali e isso explica porque se diz que 70% dos homicídios e das violências ocorrem nesta gaiola 3 Bis, que é a da convivência dentro da própria casa.

Não confundam a existência com a vida.

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Vimos há pouco que bastaria reduzir de 1/5 as despesas militares para dar uma casa a 7 bilhões de pessoas, assim como duas refeições quentes por dia; todavia há uma gaiola ainda mais feroz que é aquela de vender barato, sem percebermos, nossa própria criatividade, ou seja, a nossa própria visão do mundo. Alguém dizia: “Mas pra que serve uma visão do mundo?” Como “para que serve”? A humanidade teria 7 bilhões de visões diversas da realidade e, portanto, teria uma imagem poderosíssima, extraordinária, alguém poderia até ousar dizer “divina” da realidade humana. Dito isso eu poderia até não dizer mais nada, mas me interessa fazer compreender que quem trabalha duas ou três horas é realmente tão produtivo que merece um salário maior daquele que recebe trabalhando 9 horas, porque, na grande grande maioria dos casos, o trabalhador recebe 1/30 daquilo que produz, mesmo quando produz mal, um trabalhador que ganha 1.000 euros por mês, na realidade produz, como mínimo, 30.000, então se trataria simplesmente de entender que o destino de 7 bilhões de pessoas está nas mãos de um grupo muito pequeno de pessoas, um grupo, talvez, não sei, mas ouso dizer, que está certamente abaixo de 100, os quais investem os 80% de todos os bens da Terra só para defender os próprios privilégios. E quais são seus privilégios? Brincar com o mundo, decidir as guerras, defender o comércio de armas, de drogas, de prostitutas, sobretudo de informações falsas, preguiçosas, nocivas. Pensem que um rapaz de 21 anos nascido em Nova York terá assistido a 130 mil homicídios na televisão. A pedagogia da morte, porque vocês terão notado que desde o texto nos pacotes de cigarro “este produto mata” até essa obsessiva narração de homicídios na televisão, o interesse central do pequeno núcleo de monstros que gerenciam o mundo é regular a mortalidade, não produzir a vitalidade, mas regular a mortalidade; então, por exemplo, construíram essa válvula pela qual morrem 35 mil crianças de fome, naturalmente poderíamos dizer também, virando a cabeça para não ouvir o fedor dessa nojeira, que só na Itália são destruídas 400 mil toneladas de alimentos por ano, por causa de prazos de validade que vão vencer!

De qualquer maneira, de 1960 até hoje, morreram cerca de 1 bilhão de crianças de fome. Carregamos esse peso em todas as nossas consciências, também sobre a consciência de quem não sabe disso, e se exprime no desconforto profundo, visceral, que quase todo o mundo hoje sente. Foi globalizado sobretudo o desconforto e esse desconforto depende da obrigação de viver em um planeta que é um dos mais extraordinários planetas que existem no universo inteiro. O único que tem aparência azul a partir do cosmos, porque deveria hospedar a vida, e eu desejo a esse planeta e também aos amigos do Beppe Grillo de se recusarem, a partir desse momento e para sempre, seja pela razão que for, de confundir a existência com a vida, viver quer dizer saborear a eternidade dia após dia, nascendo a cada manhã e morrendo no sono de noite, e ressurgindo dia após dia!

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Esse são meus votos, e meus votos têm um veículo fundamental, sem o qual desaparecem. Estão na palavra talvez mais afetada da história da linguagem humana, na palavra “amor”. Construam um território de amor a qualquer custo, mas não uma gaiolinha pequenina com uma arvorezinha parcamente frondosa, mas um território que hospede uma floresta de sentimentos, e então será muito difícil contrabandear o termo vida, enterrando-o na tumba da existência.
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Vídeo com o autor e sua mensagem:
Vivere non significa solo esistere – Silvano Agosti

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