Tiro-te o sol
para dar-te o símbolo do sol.
Esta é a visão
que os cidadãos da poluída cidade de
Pequim/Beijing na China podem ter de um por do sol.
O seu símbolo artificial.
Através de telas gigantescas que,
ironicamente,
reproduzem o que se poderia ver
se não estivéssemos completamente
atolados na cegueira
do industrialismo desenfreado,
do consumismo descontrolado,
dos falsos valores descomedidos,
da matriz perversa desembestada.
A visão do que seria o por do sol num
mundo menos imundo.
Consolo ou tapa na cara?
Talvez seja simplesmente
melhor resgatar um poeta
falando de símbolos.
Fernando Pessoa
Ah, tudo é símbolo e analogia!
Ah, tudo é símbolo e analogia!
O vento que passa, a noite que esfria
São outra cousa que a noite e o vento —
Sombras de vida e de pensamento.
Tudo que vemos é outra cousa.
A maré vasta, a maré ansiosa,
É o eco de outra maré que está
Onde é real o mundo que há.
Tudo que temos é esquecimento.
A noite fria, o passar do vento
São sombras de mãos cujos gestos são
A ilusão mãe desta ilusão.
9-11-1932
“Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos . Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966). – 76.
Fonte: http://arquivopessoa.net/textos/1641
Álvaro de Campos
Símbolos? Estou farto de símbolos…
Símbolos? Estou farto de símbolos…
Mas dizem-me que tudo é símbolo.
Todos me dizem nada.
Quais símbolos? Sonhos.—
Que o sol seja um símbolo, está bem…
Que a lua seja um símbolo, está bem…
Que a terra seja um símbolo, está bem…
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa,
E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas
Para o azul do céu?
Mas quem repara na lua senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos montes.
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra…
Bem, vá, que tudo isso seja símbolo…
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas neste poente precoce e azulando-se
O sol entre farrapos finos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina
Onde demorava outrora com o namorado que a deixou?
Símbolos? Não quero símbolos…
Queria — pobre figura de miséria e desamparo! —
Que o namorado voltasse para a costureira.
18-12-1934
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). – 67.
Fonte: http://arquivopessoa.net/textos/275
Psiquetipia (ou Psicotipia)
Símbolos. Tudo símbolos…
Se calhar, tudo é símbolos…
Serás tu um símbolo também?
Olho, desterrado de ti, as tuas mãos brancas
Postas, com boas maneiras inglesas, sobre a toalha da mesa.
Pessoas independentes de ti…
Olho-as: também serão símbolos?
Então todo o mundo é símbolo e magia?
Se calhar é…
E por que não há de ser?
Símbolos…
Estou cansado de pensar…
Ergo finalmente os olhos para os teus olhos que me olham.
Sorris, sabendo bem em que eu estava pensando…
Meu Deus! e não sabes…
Eu pensava nos símbolos…
Respondo fielmente à tua conversa por cima da mesa…
“It was very strange, wasn’t it?”
“Awfully strange. And how did it end?”
“Well, it didn’t end. It never does, you know.”
Sim, you know…Eu sei…
Sim, eu sei…
É o mal dos símbolos, you know.
Yes, I know.
Conversa perfeitamente natural…Mas os símbolos?
Não tiro os olhos de tuas mãos…Quem são elas?
Meu Deus! Os símbolos…Os símbolos…
Álvaro de Campos, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa
(1888-1935)
Fonte: http://leaoramos.blogspot.com/2009/04/simbolos-tudo-simbolos-se-calhar-tudo-e.html