>> Juan Gelman: uma oração de comover as entranhas, por Leonardo Boff

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Juan Gelman: uma oração de comover as entranhas
Por: Leonardo Boff
Fonte: Brasil de Fato 17/01/2014

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Sua poesia é de grande leveza, lirismo e especialmente cheia da verdade humana, feita de dores, alegrias, buscas, encontros e muita fé. Para ele o encontro com São João da Cruz e com Santa Tereza d’Avila no exílio conferiram-lhe uma aura nova à existiencia

Aos 83 anos morreu um dos maiores poetas argentinos Juan Gelman que vivia há muitos anos no México. Sofreu todas as tribulações de tantos sob a terrível ditadura militar argentina. Sequestraram-lhe os filhos Nora Eva e Marcelo Ariel junto com sua nora María Claudia que estava grávida de sete meses. O filho e a nova desapareceram. Durante anos esteve à procura da neta Maria Macarena e no ano 2000 finalmente a identificou no Uruguai.

Sua poesia é de grande leveza, lirismo e especialmente cheia da verdade humana, feita de dores, alegrias, buscas, encontros e muita fé. Para ele o encontro com São João da Cruz e com Santa Tereza d’Avila no exílio conferiram-lhe uma aura nova à existiencia.

Transcrevo aqui um poemaa “A oração de um desocupado” que eu coloquei no meu livro “O Pai Nosso: a oração da libertação integral” na parte que fala do “Pai Nosso que estais no céu”. É profunda e sentida. Como nos salmos apresenta suas lamúrias diretamente a Deus, como que desafiando-o para que desça e venha ver o que fizeram com sua criatura que passa fome e está absolutamente abandonada. Não entende mais nada, mas grita: “Pai, desce se estás…desce!”

“Pai,

desce dos céus, esqueci

as orações que me ensinou minha avó,

pobrezinha, ela agora repousa,

não tem mais que lavar, limpar, não tem mais que preocupar-se,

andando o dia todo atrás de roupa,

Não tem mais que velar de noite,

penosamente,

rezar, pedir -te coisas, resmugando docemente

Desce dos céus, se estás, desce então

pois morro de fome nesta esquina,

não sei para que serve haver nascido

olho as mãos inchadas,

não tem trabalho, não tem,

desce um pouco, contempla isto que sou, este sapato roto

essa angústia, este estômago vazio,

esta cidade sem pão para meus dentes,

a febre, cavando-me a carne

este dormir assim,

sob a chuva, castigado pelo frio, perseguido.

Te digo que não entendo, Pai, desce!

Toca-me a alma, olha-me o coração,

eu não roubei, nem assassinei, fui criança

e em troca me golpeiam e golpeiam,

te digo que não entendo, Pai, desce,

se estás, pois busco

resignação em mim e não tenho

e vou esconder-me de raiva e afilar-me

para brigar e vou girtar

até estourar o pescoço de sangue,

porque não posso mais, tenho rins

eu sou um homem,

desce! Que fizeram de tua criatura, Pai?

Um animal furioso

que mastiga a pedra da rua?”

Transcrição e tradução de L.Boff

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