Finanças, é roubo
Por Laurent Joffrin
Diretor do Nouvel Observateur
Fonte: Nouvel Observateur
Tradução do francês: Mario S. Mieli
E se a delinquência financeira fosse não uma anomalia das finanças globalizadas, mas um de seus componentes naturais?
É comum nos inquietarmos com o aumento da delinquência nas cidades. Uma delas, onde a taxa de criminalidade cresce de maneira alarmante, merece uma atenção particular: a City de Londres. Efetivamente, a justiça acaba de revelar várias dessas ações ilegais que escandalizam as pessoas honestas e mantêm um clima de insegurança propício a todas as perturbações sociais. Trata-se, primeiramente, das transgressões da gangue da Barclays, cujo temido chefe, Bob Diamond, reconheceu ter encorajado durante anos a fio, a manipulação do Libor, a taxa de crédito interbancária, com propóstios de extorsão em banda organizada, no contexto de uma aliança com vários cartéis que agem em âmbito mundial (Royal Bank of Scotland, Citigroup, UBS…)
Espírito de lucro
Em segundo lugar, os padrinhos do clã HSBC, um dos principais bancos do planeta, estão sob forte suspeita de ter feito, com pleno conhecimento de causa, lavagem de dinheiro provindo do tráfico de droga. Questionados pelas autoridades dos EUA, eles incorrem doravante a ira dos tribunais. Esses dois últimos negócios se seguem a um enxame de escândalos que lançam luz sobre os hábitos vigentes no mundo extremamente fechado das finanças internacionais e que nada tem a invejar das práticas que se observam no seio do crime organizado, nos bairros miseráveis das grandes cidades.
Os defensores do sistema dirão que se trata sempre de ovelhas negras cujas ações foram detectadas pela justiça e que tudo voltará ao normal quando as sanções previstas pela lei terão sido pronunciadas. Há contudo um outro modo de interpretar esses fenômenos, que não cessam de se repetir, desde que o dinheiro circula livremente pelo planeta: e se a delinquência financeira fosse não uma anomlia das finanças globalizadas, mas um de seus componentes intrínsecos? E se ela não fosse mais que uma patologia do próprio sistema? O espírito de lucro posto antes de qualquer outra consideração é, efetivamente, a única moral que preside o funcionamento dos mercados monetários.
A riqueza engendra o crime
A ganância foi erigida pelos teóricos do livre mercado, assim como pelos seus praticantes, como máxima universal, empregando o vocabulário de Emmanuel Kant. O respeito, a reputação, o renome estão reservados apenas aos ganhadores da especulação, seja quais forem os métodos empregados, seja quais forem os caminhos tortuosos pelos quais a fortuna tenha sido alcançada. O único valor reconhecido por este meio muito particular, é o valor no bolso. Os outros valores – a coragem, a lisura, a honestidade, a retidão – não são mais que sobrevivências arcaicas do tempo em que havia, além do dinheiro, outros critérios de sucesso individual. Tudo isso, herdado de um tempo irracional e um pouco “escoteiro”, foi afogado, como escrevia Marx, “nas águas frias do cálculo egoísta”.
E se o dinheiro é a medida de todas as coisas, fica fortalecida a tentação de acumulá-lo sem se levar em conta qualquer regra, qualquer moral, qualquer lei. Suprimindo qualquer outra referência além do sucesso financeiro, destruímos todas as resistências contra o roubo, a falcatrua, a fraude, a trapaça. Se ninguém viu, ninguém fez: aquele que engorda sua conta no banco tem sempre razão. Os sociólogos frequentemente estabelecem uma relação entre a taxa de delinquências observadas em determinado setor da sociedade com o nível de vida das pessoas envolvidas. Entende-se que a pobreza, em poucas palavras, encoraja a ilegalidade, à medida que os mais pobres são mais inclinados, para sair de sua miséria, a correr o risco da delinquência. Os pesquisadores devem rever seus raciocínios. No caso dos mercados financeiros, não é a miséria que encoraja o crime; é a riqueza.