Fonte: The New Statesman de 26 de julho de 2008
Tradução: Agência Imediata
Entrevistei uma mulher que perdeu oito membros de sua família, inclusive seis crianças, todos mortos por uma bomba dos EUA – mas assassinatos em massa no Afeganistão não fazem notícia.
No dia 12 de julho, o Times dedicou duas páginas ao Afeganistão. Tratava-se, sobretudo, de uma reclamação quanto ao calor. O repórter queixoso, Magnus Linklater, descreveu detalhadamente seu desconforto e como precisou ser borrifado com água gelada. Ele também descreveu o “alto drama” e “a rotina meticulosamente praticada” de evacuação de outro jornalista super-aquecido. Para os seus salvadores, da Marinha dos EUA, Linklater escreveu: “salvar uma vida tomou a precedência sobre a segurança (deles)”. Juntamente a isso, havia um relatório cujo parágrafo final oferecia a única menção de que “47 civis, a maioria deles mulheres e crianças, foram mortos quando uma aeronave dos EUA bombardeou uma festa de casamento no leste do Afeganistão, no domingo”.
Massacres dessa escala são comuns e, em sua grande maioria, ficam desconhecidos do público britânico. Entrevistei uma mulher que tinha perdido oito membros de sua família, inclusive seis crianças. Uma bomba Mk82 de 500 libras dos EUA foi lançada sobre sua casa de barro, pedras e palha. Não havia nenhum “inimigo” nas redondezas. Entrevistei um diretor de escola cuja casa desapareceu numa bola de fogo causada por outra bomba “de precisão”. Dentro da mesma, havia nove pessoas – sua mulher, seus quatro filhos, seu irmão com a esposa, sua irmã com o marido. Nenhuma dessas matanças em massa constituíram notícia. Como Harold Pinter escreveu, referindo-se a tais crimes: “Nada jamais aconteceu. Mesmo enquanto estava acontecendo, isso nunca aconteceu. Não importava. Não era de qualquer interesse”.
Um total de 64 civis foram mortos nos bombardeios, enquanto o homem do Times se queixava de desconforto. A maioria dessas pessoas eram convidadas a uma festa de casamento. Festas de casamento são uma especialidade da “coalizão”. Pelo menos quatro delas tiveram seus membros aniquilados – em Mazar e nas províncias de Khost, Uruzgan e Nangarhar. Muitos dos detalhes, inclusive o nome das vítimas, têm sido compilados por um professor de New Hampshire, Marc Herold, cujo Projeto Memorial das Vítimas do Afeganistão é um trabalho meticuloso de jornalismo de envergonhar aqueles que são pagos para manter o registro em dia e reportar quase tudo sobre a Guerra Afegã, através das instalações de relações públicas dos militares estadunidenses e britânicos.
Os EUA e seus aliados estão despejando bombas em número recorde no Afeganistão. Isso não é notícia. Na primeira metade deste ano, 1853 bombas foram atiradas: mais que todas as bombas lançadas em 2006 e durante a maior parte de 2007. “As bombas utilizadas com mais freqüência”, reporta o Air Force Times, “são as de 500 libras e as de 2.000 libras guiadas por satélite…” Sem essa chacina unilateral, o reaparecimento dos talibãs, é claro, poderia não ter acontecido. Até Hamid Karzai, o fantoche dos EUA e da Grã-Bretanha, afirmou isso. A presença e a agressão dos estrangeiros só conseguiram unir a resistência que, agora, inclui prévios senhores da guerra antes na folha de pagamento da CIA.
Esse escânadlo seria manchete nos jornais, se não fosse por aquilo que Scott McClellan, prévio porta-voz de George W Bush, chamou de “facilitadores cúmplices” – jornalistas que servem de amplificadores oficiais. Tenho declarado que a guerra do Afeganistão é uma “boa guerra”, os facilitadores cúmplices estão, agora, consagrando Barack Obama, enquanto ele faz um tour pelos festivais de sangue do Afeganistão e do Iraque. O que eles não dizem nunca é que o Obama é um bombardeador.
No New York Times de 14 de julho, em um artigo cuja intenção era fazer parecer que ele está terminando a guerra no Iraque, Obama requisitou mais guerra no Afeganistão e, efetivamente, um invasão do Paquistão. Ele quer mais tropas de combate, mais helicópteros, mais bombas. O Bush pode estar no fim do seu mandato mas os republicanos construíram uma máquina ideológica que transcende a perda do poder eleitoral – porque os seus colaboradores são, como o escritor estadunidense Mike Whitney colocou, de forma sucinta, os democratas do estilo “vou te fisgar com isso para acabar te vendendo aquilo”, de que Obama é o príncipe.
Aqueles que escrevem de Obama que “quando se trata de assuntos internacionais, ele representará uma grande melhora se comparado a Bush”, demonstram a mesma teimosa ingenuidade que deu suporte ao “vou te fisgar com isso para acabar te vendendo aquilo” de Bill Clinton – e de Tony Blair. A respeito de Blair, o falecido Hugo Young escreveu em 1997: “a ideologia sucumbiu completamente aos ‘valores’… não há vacas sagradas [e] nem limites fossilizados sob o solo sobre os quais a mente pode vaguear em busca de uma Bretanha melhor…”
Onze anos e cinco guerras depois, pelo menos um milhão de pessoas estão mortas. Barack Obama é o Blair estadunidense. É irrelevante que ele seja negro e um operador agradável de ouvir… Ele pertence a um sistema duradouro e desenfreado cujos principais tambores e esquadrões de aclamação nunca vêem, ou querem ver, as conseqüências de bombas de 500 libras atiradas imperturbavelmente em casas de barro, pedras e palha.
John Pilger é jornalista investigativo e diretor de documentários.
© 2008 The New Statesman
Original English:
Published on Saturday, July 26, 2008 by The New Statesman
Obama, The Prince of Bait-and-Switch
by John Pilger
I interviewed a woman who had lost eight members of her family, including six children to a US bomb – but mass murder in Afghanistan isn’t news.
On 12 July, the Times devoted two pages to Afghanistan. It was mostly a complaint about the heat. The reporter, Magnus Linklater, described in detail his discomfort and how he had needed to be sprayed with iced water. He also described the “high drama” and “meticulously practised routine” of evacuating another overheated journalist. For her US Marine rescuers, wrote Linklater, “saving a life took precedence over [their] security”. Alongside this was a report whose final paragraph offered the only mention that “47 civilians, most of them women and children, were killed when a US aircraft bombed a wedding party in eastern Afghanistan on Sunday”.
Slaughters on this scale are common, and mostly unknown to the British public. I interviewed a woman who had lost eight members of her family, including six children. A 500lb US Mk82 bomb was dropped on her mud, stone and straw house. There was no “enemy” nearby. I interviewed a headmaster whose house disappeared in a fireball caused by another “precision” bomb. Inside were nine people – his wife, his four sons, his brother and his wife, and his sister and her husband. Neither of these mass murders was news. As Harold Pinter wrote of such crimes: “Nothing ever happened. Even while it was happening it wasn’t happening. It didn’t matter. It was of no interest.”
A total of 64 civilians were bombed to death while the Times man was discomforted. Most were guests at a wedding party. Wedding parties are a “coalition” speciality. At least four of them have been obliterated – at Mazar and in Khost, Uruzgan and Nangarhar provinces. Many of the details, including the names of victims, have been compiled by a New Hampshire professor, Marc Herold, whose Afghan Victim Memorial Project is a meticulous work of journalism that shames those who are paid to keep the record straight and report almost everything about the Afghan War through the public relations facilities of the British and American military.
The US and its allies are dropping record numbers of bombs on Afghanistan. This is not news. In the first half of this year, 1,853 bombs were dropped: more than all the bombs of 2006 and most of 2007. “The most frequently used bombs,” the Air Force Times reports, “are the 500lb and 2,000lb satellite-guided . . .” Without this one-sided onslaught, the resurgence of the Taliban, it is clear, might not have happened. Even Hamid Karzai, America’s and Britain’s puppet, has said so. The presence and the aggression of foreigners have all but united a resistance that now includes former warlords once on the CIA’s payroll.
The scandal of this would be headline news, were it not for what George W Bush’s former spokesman Scott McClellan has called “complicit enablers” – journalists who serve as little more than official amplifiers. Having declared Afghanistan a “good war”, the complicit enablers are now anointing Barack Obama as he tours the bloodfests in Afghanistan and Iraq. What they never say is that Obama is a bomber.
In the New York Times on 14 July, in an article spun to appear as if he is ending the war in Iraq, Obama demanded more war in Afghan istan and, in effect, an invasion of Pakistan. He wants more combat troops, more helicopters, more bombs. Bush may be on his way out, but the Republicans have built an ideological machine that transcends the loss of electoral power – because their collaborators are, as the American writer Mike Whitney put it succinctly, “bait-and-switch” Democrats, of whom Obama is the prince.
Those who write of Obama that “when it comes to international affairs, he will be a huge improvement on Bush” demonstrate the same wilful naivety that backed the bait-and-switch of Bill Clinton – and Tony Blair. Of Blair, wrote the late Hugo Young in 1997, “ideology has surrendered entirely to ‘values’ . . . there are no sacred cows [and] no fossilised limits to the ground over which the mind might range in search of a better Britain . . .”
Eleven years and five wars later, at least a million people lie dead. Barack Obama is the American Blair. That he is a smooth operator and a black man is irrelevant. He is of an enduring, rampant system whose drum majors and cheer squads never see, or want to see, the consequences of 500lb bombs dropped unerringly on mud, stone and straw houses.
John Pilger is an investigative journalist and documentary film-maker.
© 2008 The New Statesman