Como o crescimento econômico virou anti-vida
Por: Vandana Shiva
Fonte: The Guardian
Tradução: Mario S. Mieli
A obsessão com o crescimento eclipsou nossa preocupação com sustentabilidade, justiça e dignidade humana. Mas as pessoas não são descartáveis – o valor da vida encontra-se fora do desenvolvimento econômico.
O crescimento ilimitado é a fantasia dos economistas, negócios e políticos. Ele é visto como uma medida do progresso. Em consequência disso, o produto nacional bruto (PNB), que deveria medir a riqueza das nações, emerge tanto como o número quanto como o conceito mais poderosos em nossa era. Entretanto, o crescimento econômico esconde a pobreza que cria, através da destruição da natureza, a qual, por sua vez, leva a comunidades destituídas da capacidade de suprirem a si mesmas.
O conceito de crescimento foi colocado como uma medida da capacidade de mobilizar recursos durante a Segunda Guerra Mundial. O PNB se baseia em criar limites artificiais e fictícios, pressupondo que se você produz o que consome, você não produz. De fato, o “crescimento” mede a conversão da natureza em dinheiro líquido, e os bens comuns em commodities.
Dessa forma, os impressionantes ciclos da natureza de renovação da água e dos nutrientes são definidos como não-produção. Os camponeses do mundo, que fornecem 72% dos alimentos, não produzem; as mulheres que praticam a agricultura ou que fazem a maior parte do trabalho doméstico também não se enquadram neste paradigma do crescimento. Uma floresta viva não contribui ao crescimento, mas quando as árvores são cortadas e vendidas como madeira, daí temos crescimento. Sociedades e comunidades sadias não contribuem ao crescimento, mas doenças criam crescimento por meio de, por exemplo, venda de remédios patenteados.
A água disponível como bem comum, compartilhada livremente e protegida por todos abastece a todos. Todavia, ela não cria crescimento. Mas quando a Coca-Cola abre uma fábrica, explora a água e enche garrafas plásticas de água, a economia cresce. Mas esse crescimento está baseado na criação de pobreza – seja para a natureza que para as comunidades locais. A água extraída além da capacidade da natureza de renovar e reabastecer gera uma fome de água. As mulheres são forçadas a andar distâncias mais longas em busca de água potável. No vilarejo de Plachimada, em Kerala, quando a marcha por água chegou a 10 km, as mulheres tribais locais, as Mamylamma disseram: Agora chega. Não podemos andar mais que isso; a fábrica da Coca-Cola precisa fechar. O movimento que as mulheres começaram eventualmente levou ao fechamento da fábrica.
Da mesma forma, a evolução nos agraciou com as sementes. Os cultivadores têm selecionado, procriado e diversificado as sementes – essa é a base da produção de alimentos. Uma semente que se renova e se multiplica produz sementes para a próxima estação, assim como alimentos. Entretanto, as sementes criadas e preservadas pelos cultivadores não são consideradas como fator que contribui ao crescimento. Elas criam e renovam a vida, mas não dão lucros. O crescimento começa quando as sementes são modificadas, patenteadas e geneticamente trancadas, levando os cultivadores a ter que comprar cada vez mais, a cada estação.
A natureza se empobrece, a biodiversidade se erode e um recurso que é livre e aberto é transformado numa commodity patenteada. Comprar sementes a cada ano é uma receita para o endividamento dos cultivadores pobres da Índia. E desde que os monopólios sobre as sementes foram estabelecidos, a dívida dos cultivadores tem crescido. Mais de 270.000 cultivadores que caíram na armadilha da dívida na Índia cometeram suicídio desde 1995.
A pobreza se alastra ainda mais quando os sistemas públicos são privatizados. A privatização da água, da eletricidade, da saúde e da educação não gera crescimento através de lucros. Mas também gera pobreza ao forçar as pessoas a gastarem grandes quantidades de dinheiro para aquilo que estava disponível a custos economicamente acessíveis, quando era um bem comum. Quando todos os aspectos da vida são comercializados e commoditificados, torna-se mais caro viver, e a população fica mais pobre.
Tanto a ecologia quanto a economia emergiram do mesmo vocábulo – “oikos”, a palavra grega que significa “casa”. Enquanto a economia estava focada na casa, ela reconhecia e respeitava sua base nos recursos naturais e os limites da renovação ecológica. Ela se concentrava em providenciar as necessidades humanas básicas dentro desses limites. A economia baseada na casa era também centrada na mulher. Hoje, a economia está seja separada do seja oposta aos processos ecológicos e às necessidades básicas. Embora a destruição da natureza tenha sido justificada em termos da criação de crescimento, a pobreza e desapropriação têm aumentado. Além de não-sustentável, é também economicamente injusta.
O modelo dominante de desenvolvimento econômico efetivamente se tornou anti-vida. Quando se medem as economias apenas em termos do fluxo de dinheiro, os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres. E os ricos podem ser ricos em termos monetários – mas eles também ficam mais pobres no contexto mais amplo do que significa um ser humano.
Enquanto isso, as demandas do modelo corrente da economia estão levando a guerras por recursos, guerras por petróleo, guerras pela água, guerras por alimentos. Há três níveis de violência envolvidos no desenvolvimento não-sustentável. O primeiro é a violência contra a terra, expressa como crise ecológica. O segundo é a violência contra as pessoas, expresso como pobreza, desapropriação e deslocamento. O terceiro é a violência da guerra e do conflito, como a poderosa obtenção de recursos que se encontram em outras comunidades e outros países, devido aos apetites ilimitados.
O aumento do fluxo monetário por meio do PNB se dissociou do valor real, mas aqueles que acumulam recursos financeiros podem reivindicar participação nos recursos reais das pessoas – sua terra e água, suas florestas e sementes. Essa avidez os leva à predação da última gota d’água e ao último centímetro de terra do planeta. Isso não é um fim da pobreza. É o fim dos direitos e da justiça humanos.
Joseph Stiglitz e Amartya Sen, economistas agraciados com o prêmio Nobel, admitiram que o PNB não captura a condição humana e insistiram na criação de instrumentos diferentes para medir o bem estar das nações. É por isso que países como o Butão adotaram o índice de Felicidade Nacional Bruta, em vez do produto nacional bruto, para calcular o progresso. Precisamos criar outras medidas que não o PNB, e economias outras que não o supermercado global, para rejuvenescer a riqueza real. Precisamos lembrar de que a moeda corrente da vida é, na realidade, a própria vida.