Mobilizando-nos para o clima – o mercado do ar sujo
Por: Giovanna Tinè
Fonte: Daily Storm de 16/10/2012
Tradução: Mario S. Mieli
O que você responderia a alguém que lhe fizesse a proposta de compensar as infidelidades que você cometeu contra o seu/sua parceiro/a, simplesmente pagando uma terceira pessoa que ficaria no seu lugar, comportando-se como companheiro/a fiel, para “neutralizar” as traições? É a provocação que dois rapazes britânicos lançaram através de seu site cheatneutral.com (ver vídeo do grupo anexado abaixo) para denunciar o absurdo dos mecanismos de compensação das emissões de CO2 que, a partir de 2005, não produziram absolutamente nada em termos de luta contra as mudanças climáticas, mas que fizeram com que muito dinheiro acabasse nos bolsos de especuladores e empresas poluidoras.
Os chamados “mecanismos flexíveis”, que não são mais que pseudo-soluções de mercado para a crise climática, foram introduzidos pela primeira vez no protocolo de Kyoto e giram em torno do esquema definido como cap & trade. Esse esquema prevê que os governos de países sujeitos à obrigação de redução das emissões distribuam às próprias empresas (as quais fazem amplo uso de combustíveis fósseis), um certo número de “indulgências”, ou seja, permissões de emissão (N. do T.: os chamados “créditos de carbono compensatórios), de modo a manter a quantidade total nacional sob um certo limite estabelecido (“cap”, ou seja, tampa). Depois disso, as empresa podem vender qualquer permissão naquele que é definido como o mercado das emissões (trade, comércio).
Retomando a metáfora do grupo cheatneutral, as empresas menos virtuosas podem adquirir de outras mais virtuosas essas permissões ou créditos, e ter a consciência limpa, por assim dizer. Isso deveria servir para desincentivar o uso de combustíveis fósseis e levar as empresas a adotar soluções “verdes”.
Pena que isso tudo apresente aspectos críticos macroscópicos. Antes de mais nada, seja na União Europeia – abre-alas desse sistema – que, sucessivamente, nos EUA, esses certificados foram inicialmente dados com amplíssima profusão e de forma gratuita. Assim, as empresas com uma enorme responsabilidade em termos de poluição, antes receberam doações, em vez de sanções, e depois lucraram mais uma vez vendendo os certificados recebidos gratuitamente.
Em segundo lugar, alguns dos setores que mais produzem CO2 não foram incluídos em nenhuma regulamentação (por exemplo, as companhias aéreas, inseridas no regulamento da UE sobre emissões somente em 1 de janeiro de 2012). A isso tudo, acrescenta-se a possibilidade que têm as empresas dos países industrializados de obter esses certificados (créditos de carbono compensatórios) de poluição em seus próprios países, se realizarem projetos que, pelo menos no papel, favoreçam a redução das emissões nos países do Sul do mundo (CDM, Clean Development Mechanism), ou seja, mecanismo de desenvolvimento limpo.
Uma possibilidade análoga no Sul do mundo, de privatizar inteiras florestas com o nobre propósito de salvá-las do desmatamento, obtendo em troca, nesse caso também, permissões de emissão nos países industrializados – para utilizar, ou melhor, revender – e, portanto, privando de seu próprio território de origem inteiras comunidades indígenas (mecanismo REDD+). Neocolonialismo, em poucas palavras. Dois exemplos dentre muitos: o projeto “Program for Belize” e os massacres realizados na Indonésia pela Sinar Mas, multinacional do papel e do azeite de óleo de palma. Justamente sobre esta última acena a ativista estadunidense Annie Leonard em um ótimo vídeo (A História do Cap & Trade, vídeo anexado abaixo), no qual também ilustra em termos muito claros a farsa do mercado de emissões.
Enfim, o fato de que o teto das emissões, a “tampa”, colocado na UE pelo mecanismo do tap & trade era, já no começo, muito alto e absolutamente inadequado a respeito do objetivo mínimo necessário de redução das emissões. Tanto que, segundo os próprios originadores e defensores do sistema, ele não produziu, em sua primeira fase (2005-2007), nenhuma redução. E nem na segunda (2008-2012). E atualmente parece que o “colapso” do mercado de carbono preocupe muito. Certamente preocupa aqueles que até agora o defenderam e tiraram proveito dele, conforme publicado recentemente documentado pelo quotidiano britânico The Guardian.
Um dos absurdos fundamentais desse sistema está bem expresso na abertura do filme de Annie Leonard e é um ponto que esta coluna considera fundamental: “não podemos resolver um problema usando a mesma mentalidade com a qual foi criado”. Uma economia de tipo capitalista, ainda mais em sua versão neoliberal, está impossibilitada por definição de dar soluções reais para a crise ambiental (já a tínhamos comparado em nosso primeiro artigo, com aquele “hamster impossível” que quer crescer ao infinito em um planeta de recursos finitos).
O outro absurdo básico é aquele também típico do mercado, de querer dar um valor de troca também aos bens comuns não monetizáveis, como os recursos naturais de base: o ar, a água, as florestas, segundo a fábula já contradita pelos fatos de que a privatização dos bens equivalareia à salvaguarda dos mesmos.
Os únicos que tiram vantagem desses mecanismos, que junto com a Annie Leonard não hesitamos em incluir na categoria das “armas de distração de massa” dos nossos tempos, são as empresas que poluem e ganham com as trocas de certificados-lixo de papel e aqueles que conduzem essas transações financeiras. Não por acaso são muitas pessoas a prever que será justamente neste campo que a próxima bolha financeira explodirá.
VÍDEOS ANEXOS:
Vídeo do grupo Cheat Neutral
A História do Cap & Trade, por Annie Leonard (com legendas em português)
Ver também:
>>A injustiça dos créditos de carbono compensatórios, por Vandana Shiva
http://imediata.org/?p=84???