>> Guerra humanitária: uma erupção súbita, inesperada e violenta de bondade? por Marc Lafontan


Guerra humanitária: uma erupção súbita, inesperada e violenta de bondade?

Por: Marc Lafontan
Fonte: Centpapiers 12/9/2012
Tradução: Mario S. Mieli


Em todo conflito, é sobretudo o agressor que recorre à mentira. Por quê? Porque o agressor quer a guerra e procurará motivos para fazê-la, ou então inventá-los. Na realidade, o agressor é praticamente obrigado a inventá-los. Por quê? Porque as justificativas para uma guerra de agressão – segundo o Tribunal de Nuremberg e conforme o direito internacional – têm números de apenas um dígito, muito muito próximos de zero. E quando a lei não é conveniente, não há trinta e seis soluções: é preciso respeitá-la, modificá-la ou violá-la. O Ocidente, em particular, é um adepto da terceira.

Sim, eu sei: há a “guerra humanitária”. Estaríamos fazendo guerras “humanitárias”. Da mesma forma que outras pessoas praticariam a “tortura terapêutica”? Risível, naturalmente, mas em nome da beleza do debate, admitamos por um instante esse conceito de “guerra humanitária”.


Em consequência: existiria um espaço-tempo (aqui e agora, aparentemente), onde os poderes políticos seriam “forçados” pelos acontecimentos “particularmente trágicos” a fazer uma guerra “por razões humanitárias”. A cavalaria ligeira voando em socorro da viúva e do órfão. A criança no fundo de mim gosta muito dessa ideia. Já o adulto levanta uma sobrancelha esperando que os responsáveis políticos atuais estejam prontos a cometer o “maior crime de todos os crimes” (sempre segundo Nuremberg e o direito internacional) para vir ao socorro de uma população (“estrangeira”, ainda por cima), com qual, até o presente, não se importavam minimamente.

Estranha “mudança emocional” e “aplicação de princípios” por parte dos dirigentes políticos que são, por outro lado, incapazes de tomar a menor medida “humanitária”, quando se trata de imigrantes ilegais, de palestinos, de idosos, de quem quer que seja. Ainda que essas pessoas estejam lá ou bem perto, podendo ser vistos das janelas desses políticos. Esses mesmos responsáveis políticos que poderiam salvar, por razões “humanitárias”, as 10.000 crianças que morrem de fome a cada dia, e por um preço inferior a um só míssil de cruzeiro. Ah, muito complicado. Melhor bombardear um país para mostrar toda a extensão de nossa “bondade”.

Resumindo, os bastardos que nos governam teriam crises de humanitarismo tão fortes que se os tornariam capazes de tudo, inclusive cometer o irreparável, para fazer o bem. Essa determinação é muito estranha – tão repentina, tão inesperada, uma verdadeira revelação – que só aparece quando se trata de fazer a guerra, longe de preferência, numa relação de forças totalmente desequilibrada, de preferência (porque há limites da parte deles, o mesmo sendo para os princípios), lá, onde ninguém pode controlar verdadeiramente o que se passa, e onde nunca podem ser encontrados em tempos de paz…

Sim, de repente, eis que encontramos os “bons”, e “atenciosos”, e “inflexíveis”, e “preocupados” com uma população. Tão preocupados que se um membro da população aparece na fronteira em busca de um pedaço de pão, eles o mandarão de volta com essas palavras de encorajamento: “Volte para sua terra que em breve enviaremos socorro”. (pela goela).

Sim, de repente, em todas as tribunas, as palavras “intoleráveis” e “inadmissíveis” saem de suas bocas, como pombos das mangas de um prestidigitador.

Sim, uma verdadeira metamorfose. Mas que não dura, infelizmente, além do período de uma guerra. E que desaparece, como que por encantamento, uma vez que a besta esteja saciada. Toda a postura deles sendo criada e mantida somente para a circunstância.

Meu Deus, que língua a minha!

Tudo por pessoas que explicarão com o tom mais sério do mundo, e com a mão no coração – de preferência durante um jantar, regado a um bom vinho – o quanto elas são contrárias à pena de morte, criticando os países que ainda a aplicam (até aí, tudo bem), mas que logo encadeiam a necessidade de fazer uma guerra, ou seja, aplicar a pena de morte em escala industrial, mas dessa vez sem processo, sem julgamentos, sem discriminação, contra uma população majoritariamente inocente de qualquer crime.

Meu Deus, quanto sou polêmico!

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