>> ‘Big Brother Burgers’ contraposto a ‘Lento’, artigo de Alberto Capatti

‘Big Brother Burgers’ contraposto a ‘Lento’, artigo de Alberto Capatti

1984: Big Brother Burgers
Fonte: puppetgov.com
1984: Big Brother Burgers

Lento

Por: Alberto Capatti
Fonte: alfapiù, etc. 2 de 14 de maio de 2012
Tradução: Mario S. Mieli




A lentidão é um valor moral. A nenhum italiano ocorreria fazer milhares de quilômetros em trens regionais para chegar no local de suas férias, assim como nenhum milanês iria para uma reunião de trabalho em Turim de bicicleta. Todos os serviços estão excluídos dessa ordem de medida, e a espera de uma hora para se receber o primeiro prato num restaurante não o qualifica como lento, mas como infrequentável. É verdade que existe a questão dos TAV, ou trens de alta velocidade, mas diz respeito a culturas que têm ritmos e velocidades próprias, excluídas das linhas que servem estações e cidades no exterior: no Val di Susa, motocicletas, automóveis e ônibus garantem os deslocamentos rápidos. Quando se fala de lentidão não estamos aludindo nem aos transportes nem aos serviços e até na igreja, uma missa de três horas deixaria consternados e faria fugir os fieis.

O que significa, então, “slow”, termo que circula com referência ao meio-ambiente, ao tempo e à alimentação? Não é sinônimo de sonolento, entorpecido, pesado. O termo foi lançado há vinte anos pela associação ‘Slow Food’, como antífrase de ‘fastfood’, aludindo a culinárias e refeições que precisam de tempo para serem preparadas, e estendido a um modo de observar a vida. Lentos são o crescimento de uma planta, a colheita das ervas selvagens ou dos cogumelos, e o cozimento de um minestrone, ou melhor, lenta é a imagem que fazemos dessas coisas. Preferir uma sopa com cozimento lento significa valorizar não somente a minuciosa preparação dos ingredientes ou a fonte de calor fornecendo baixas temperaturas que permitem uma ebulição contínua, mas a paciência e a dedicação da cozinheira, elogiadas pelos comensais que, em poucos minutos, esvaziarão o prato. Esses exemplos revelam um duplo registro de valor: rapidez e lentidão coexistem, mas no campo alimentar não são designados aos objetos alimentares em si.

Quantos minutos requer o cozimento de um filé “mal passado”? Pouquíssimos, e não por isso se trata de carne ‘fastfood’. Não pode ser só devido à comida ‘preparada pronta’, ‘para ser comida’, que nasce esta filosofia. ‘Lento’ adquire um significado particular se relacionado com o meio-ambiente, as plantas, a maturação de um fruto colhido depois de uma espera prolongada. Face às contradições do sistema culinário, lento é sinônimo de natural, aliás é uma acepção desse termo, estendida a valores como a estação (das hortaliças), o crescimento (dos animais), o envelhecimento (dos queijos ou dos vinhos). São todas práticas humanas, mas qualificando-as como naturais se reconhece o respeito para com aquela outra concepção do tempo que tem, uma planta ou uma ovelha, antes de sua respectiva morte.

A lentidão é um valor moral, depois de uma iniciação, em nome de alguns princípios. Como em qualquer religião natural, o camponês, a cozinheira, o degustador estão impregnados dela. Por esse motivo, não há contraste entre se chegar de carro à própria horta e passar um dia inteiro a cultivá-la: o tempo consagrado a Deus e aquele dedicado ao próprio trabalho não se medem com a mesma escala, e fazem parte de um registro de variáveis múltiplas. Mas nunca acontecerá que um ‘verde-lento’, ‘green’ e ‘slow’, se reconheça simplesmente como algo pio e devoto a algum culto campestre ou sativo, dedicado a Pã ou pastoril; arroga-se, em vez disso, um sentido prático, mais sábio, uma função polêmica estendida do fastfood ao supermercado, aos congelados, à própria diminuta cozinha. Quando alguém semeia uma horta ou uma caixa no balcão de casa, milita contra o agroalimentar e a grande distribuição. Nas formas de religiosidade de nossa época, praticam-se o culto e crítica simultaneamente, com os cenários alternados de declínio e renascimento.

Na oratória de associações como a Slowfood, o apelo ao ‘slow’ funciona como palavra de ordem, como enunciado poliglota, e é uma daquelas formas de autocomprazimento que, para o orador, dão valor à vida e à natureza. “Sigam esta via” – uma pausa, um sorriso paternal – “mas, cuidado, façam-no de um modo slow… devagar…”. Como cada adjetivo tem seus próprios contrários, dele se resvala mentalmente para o exame do mundo, uma diabólica máquina genética, enlouquecida. ‘Slow’ entrou num código cujos axiomas estamos comentando: sustentabilidade, quilômetro zero, decrescimento… Com a inverossimilhança que os pensadores e os funcionários associativos tomam cuidado para não evidenciar. Só os teólogos montam e desmontam os princípios divinos, muitos padres se contentam com as orações.


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