>> “Séculos de conquistas no lixo” BBC entrevista Eduardo Galeano + Galeano apresenta seu “Los hijos de los días”


“Séculos de conquistas no lixo” BBC entrevista Eduardo Galeano + Galeano apresenta seu “Los hijos de los días”



Séculos de conquistas no lixo
Entrevista de: Eduardo Galeano a Paula Vilella (BBC)
Fonte: BBC 23/7/2012
Tradução: Mario S. Mieli


O escritor uruguaio, historiador literário de seu continente através de obras como “As veias abertas da América Latina” e a trilogia “Memórias do Fogo”, falou com a BBC Mundo sobre os últimos acontecimentos da América Latina e a crise capitalista mundial.
De sua mesa de sempre, no central Café Brasileiro, deixando para trás da janela o frio do inverno austral, insiste que “a grandeza humana está nas coisas pequeninas que se fazem quotidianamente, dia após dia, por anônimos que não sabem que as fazem”.
Por isso, alterna as respostas com episódios de seu último livro, “Los hijos de los días” (Os filhos dos dias), em que agrupa 366 histórias reais, uma para cada dia do ano, que contêm mais verdade que falar do prêmio de risco.

A crise europeia está sendo manipulada pelos líderes políticos através de um discurso de sacrifício por parte da população.

É igual ao discurso dos oficiais quando mandam morrer os reclutas, com menos odor de pólvora, mas não menos violento.

Este é uma plano sistemático a nível mundial para jogar no lixo dois séculos de conquistas operárias, para que a humanidade retroceda em nome da recuperação nacional.

Este é um mundo organizado e especializado no extermínio do próximo.

E então passam a condenar a violência do pobre, dos mortos de fome; a outra é aplaudida, merece condecorações.


A ‘austeridade’ está sendo apresentada como a única saída?

De quem? Se os banqueiros que produziram este desastre foram e continuam sendo os principais assaltantes de bancos e são recompensados com milhões de euros que lhes são pagos como indenização…

É um mundo muito mentiroso e muito violento. O da austeridade é um velho discurso na América Latina. Estamos assistindo a uma peça de teatro que foi lançada aqui e que já conhecemos.

Sabemos tudo: as fórmulas, as receitas mágicas, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial…


Considera que o empobrecimento da população está mais violento?

Se a luta contra o terrorismo fosse verdadeira e não um álibi para outros fins, teríamos que empapelar o mundo com cartazes que diriam “procuram-se os sequestradores de países, os exterminadores de salários, os assassinos do emprego, os traficantes do medo”, que são os mais perigosos porque te condenam à paralisação.

Este é um mundo que te domestica para que desconfies do próximo, para que ele seja uma ameaça e nunca uma promessa.

É alguém que vai te causar danos e para isso é necessário defender-se.

Assim se justifica a indústria militar, nome poético da indústria criminal.

Esse é um exemplo claríssimo de violência.

Passando à política latino-americana, o México continua nas ruas protestando contra os resultados oficiais das eleições…

A diferença de votos não foi tão grande e talvez seja difícil demonstrar que tenha havido fraude.

Todavia, há outra fraude mais profunda, mais fina e que é mais daninha à democracia: o que cometem os políticos que prometem todo o contrário daquilo que depois fazem a partir do poder. Assim, estão atuando contra a fé na democracia das novas gerações.

A respeito da destituição de Fernando Lugo no Paraguai, pode-se falar de golpe de Estado se foi baseado nas leis do país?

Seguramente que o do Paraguai é clara e plenamente um golpe de Estado.

Golpearam o governo do ‘cura progre’ não pelo que ele havia feito, mas pelo que ele poderia fazer.

Não tinha feito grande coisa, mas como se propunha a uma reforma agrária, num país que tem o grau de concentração de poder de terra mais alto em toda a América Latina, e em consequência, a desigualdade mais injusta, tinha tido algumas atitudes de dignidade nacional contra algumas empresas internacionais todo-poderosas como a Monsanto e proibido a entrada de algumas sementes transgênicas…

Foi um golpe de estado preventivo, ‘no caso em que’, não pelo que era, mas por aquilo que poderia chegar a fazer.


Você se surpreende que essas situações continuem ocorrendo?

O mundo atual é muito surpreendente.

A maioria dos países europeus, que pareciam estar vacinados contra os golpes de Estado, são agora governos governados a dedo pelo Goldman & Sachs e outras empresas financeiras que não foram eleitas por ninguém.

Até a linguagem o reflete: os países, que se supõe serem soberanos e independentes, têm que fazer bem seus deveres como se fossem crianças com tendência à má conduta e os professores são os tecnocratas que vem te dar uma puxada de orelhas.

Eduardo Galeano apresentando seu último livro ‘Los hijos de los días’, dia 24/5/2012/

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