>> Despertarmos do capitalismo? (comentário sobre Marx Reloaded)

Despertarmos do capitalismo?

Por: Valerio Coladonato
Fonte: alfapiù, cinema, società · 4
de 7 abril de 2012 ·
Tradução: Mario S. Mieli


Marx Reloaded Trailer

Karl Marx não descansa em paz. O pensador que saia derrotado do século passado foi arrastado com toda força para o novo milênio. O mundo editorial anglo-saxão parece ter percebido: em 2011, saíram, entre outros, “How to Change the World: Tales of Marx and Marxism” de Eric Hobsbawm e “Why Marx Was Right”, de Terry Eagleton. Por outro lado, é refeita a saga de “Matrix” dos irmãos Wachowski, o documentário dirigido por Jason Barker e produzido por Arte e ZDF, com o título Marx Reloaded. O filósofo alemão assume o papel de Neo, e o capitalismo é a matriz que envolve as vidas dos seres humanos.

Em menos de uma hora, é contada a atualidade das ideias de Karl Marx no cenário da recente crise econômica. Embora permaneça engessado nos cânones de documentário informativo, o filme intercepta um fenômeno importante. As entrevistas com Michael Hardt, Toni Negri, Jacques Rancière, Slavoj Žižek passam em resenha conceitos que nos reconduzem a Marx e fecundos ainda hoje, em formas revistas e atualizadas. No sistema atual, cujo motor é a circulação de bens imateriais, o proletariado é dificilmente identificável ou isolável, e as lutas se tornam bem mais compostas respeito aos esquemas de classe. A nova forma de desemprego generalizada derrubou de forma irônica o sentido de alguns conflitos sociais no mundo ocidental. Segundo Žižek, aquilo que hoje com frequência se reivindica é ter um trabalho para ser “explorado de maneira normal”.


Mas de onde vem, então, a “força mística” que o sistema ainda exercita em quem dele faz parte? Retorna à mente a reflexão sobre o fetichismo da mercadoria, considerada uma das intuições mais brilhantes do pensamento marxista. Como já foi dito, os bens materiais em sua forma tradicional perderam sua centralidade: a questão do fetichismo parece então investir não tanto em mercadorias, mas no funcionamento da ideologia. Esta não é uma “falsa consciência” que impede o acesso a algo de mais verdadeiro: o engano tem raízes profundas e dele não se pode escapar, pois estrutura a própria “realidade”. É aqui que a metáfora da matriz, utilizada pelo documentário, mostra os seus limites. A ideologia, efetivamente, continua a operar mesmo na presença de um sujeito cínico. Um destacamento de montagem colhe bem essa relação fetichista, segundo a fórmula ‘je sais bien, mais quand même’. Antes, Žižek afirma que a consciência é o bem anticapitalista por excelência, dada a sua propensão à partilha; logo depois, é enquadrado enquanto autografa os seus livros como uma celebridade: se trata de uma mercadoria, afinal.

Também emerge no filme o duplo olhar de Marx: aquele analítico do “detetive” e aquele a longo prazo do “libertador”, como o definiu Ernst Bloch. Contudo, observando a parte final de “Marx Reloaded” – um velho debate sobre as possibilidades de um comunismo hoje – o elegante exegeta parece mais atual que o agitador político. De fato, Marx parece ter compreendido alguma coisa sobre o “funcionamento oculto do capitalismo” que nem seus defensores entenderam, como sugere o título de uma antologia de seus escritos publicada em 2007 – ano da crise dos subprimes. A frenética sucessão de falências bancárias, resgates, recessões, reformas, vértices internacionais, lembra o espetáculo de uma equipe médica que não sabe o que está afligindo o paciente e procede às apalpadelas. O caráter intrinsecamente irracional do capital do modo em que se reproduz foi focalizado por Marx bem antes do alcance tão difuso das finanças.

Parece cada vez mais claro que a crise não assinalará o começo da fim, mas sobretudo uma ocasião para concentrar novamente o capital. O paradoxo é que conseguimos imaginar mais facilmente o fim do mundo que o fim do capitalismo, lembra-nos Nina Power em “Marx Reloaded”. O legado de Marx, então, não seria o espectro do comunismo que vagueia pela Europa, mas o fantasma do capitalismo. Ou seja, o fato de ter fornecido uma primeira, rudimentar mas influente descrição daquela fantasia que estrutura as trocas entre os sujeitos e seus desejos, daquele suporte fantasmático da ideologia sem a qual o mundo assim como o conhecemos perderia consistência. Neo tem uma grande vantagem sobre Marx: não nos faz despertar do capitalismo.

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