O “Império Latino” contra a hegemonia alemã
por Giorgio Agamben
Fonte: Libération
Tradução: Mario S. Mieli
No imediato pós-guerra, o filósofo francês Alexandre Kojève tinha sugerido a criação de uma união dos países mediterrâneos, acomunados pela cultura e pelos interesses. À luz da problemática ascensão da Alemanha como potência continental, essa ideia poderia se tornar atual.
Alexandre Kojève
Em 1947, um filósofo, que era também um alto funcionário do governo francês, Alexandre Kojève, publicou um texto com o título “O Império Latino”; é conveniente refletirmos hoje sobre a atualidade do mesmo. Com singular previdência, o autor afirmava que a Alemanha se teria tornado em poucos anos a principal potência econômica europeia, reduzindo a França à condição de uma potência secundária ao interior da Europa continental. Kojève via com clareza o fim dos estados-nações que tinham marcado a história da Europa: como a idade moderna tinha significado o declínio das formações políticas feudais para a vantagem dos estados nacionais, assim, agora, os estados-nações precisavam dar lugar a formações políticas que superavam as fronteiras das nações e que ele designava com o nome de “impérios”.
Na base desses impérios não poderia estar, porém, segundo Kojève, uma unidade abstrata, que prescindisse da relação real de cultura, de língua, de modos de vida e de religião: os impérios – como aqueles que ele via já formados diante de seus olhos, o império anglo-saxônico (Estados Unidos e Inglaterra) e aquele soviético, deviam ser “unidades políticas transnacionais, mas formadas por nações aparentadas”. Por isso, ele propunha à França de se colocar à frente de um “império latino”, que teria unido economicamente e politicamente as três grandes nações latinas (junto com a França, a Espanha e a Itália), em acordo com a Igreja Católica, de onde teriam colhido a tradição e, juntas, abrindo-se ao Mediterrâneo.
A Alemanha protestante, argumentava ele, que em breve se tornaria, como de fato se tornou, a nação mais rica e potente da Europa, teria sido atraída inexoravelmente pela sua vocação extra-europeia em direção das formas do império anglo-saxônico. Mas a França e as nações latinas teriam ficado, nessa perspectiva, um corpo mais ou menos estranho, reduzido necessariamente ao papel periférico de um satélite.
Justamente hoje, que a União Europeia se formou ignorando as concretas relações culturais, pode ser útil e urgente refletir sobre a proposta de Kojève. O que ele tinha previsto ocorreu pontualmente. Uma Europa que pretende existir sobre uma base exclusivamente econômica, deixando de lado as relações reais de forma de vida, de cultura e de religião, mostra no presente toda a sua fragilidade, justamente e sobretudo no plano econômico.
Aqui, a pretensa unidade, pelo contrário, acentuou as diferenças e todos podemos ver ao que ela se reduz: impor a uma maioria mais pobre os interesses de uma minoria mais rica, que coincidem com frequência com aqueles de uma só nação, que no âmbito de sua história recente nada indica podermos considerar exemplar. Não só não faz sentido pretender que um grego ou um italiano vivam como um alemão; mas ainda que isso fosse possível, significaria a perda daquele patrimônio cultural que é feito, sobretudo, de formas de vida. E uma política que pretende ignorar as formas de vida não só não está destinada a durar, mas, como a Europa mostra eloquentemente, não consegue nem se constituir como tal.
Se não quisermos que a Europa se desagregue, como muitos sinais deixam prever, é aconselhável pensar sobre como a constituição europeia (que, do ponto de vista do direito público é um acordo entre estados e que, como tal, não foi submetido ao voto popular e, onde esse voto ocorreu, como na França, foi clamorosamente rejeitado) poderia ser rearticulada, provando restabelecer uma realidade política a algo similar àquilo que Kojève chamava o “Império Latino”.