A importância da banalização para cimentar o controle social
Por: Colin Todhunter
Fonte: Global Research de 3/10/2012
Tradução: Mario S. Mieli
Nas sociedades modernas, o conhecimento se expandiu até o ponto em que a especialização e sub-especializações se tornam a norma. É simplesmente impossível que uma única pessoa tenha um conhecimento profundo de todas as disciplinas. Precisamos recorrer a outras pessoas para superar essa falta de conhecimento, geralmente em termos relativamente simplistas. A maioria de nós é obrigada a aceitar como verdade muitas ideias e conceitos com que somos bombardeados nessa era de comunicação instantânea de massa e de sobrecarga de informações.
As pessoas tendem a gostar da simplicidade. Em muitos casos, não possuem suficiente experiência com a matéria, solicitando-a, portanto. As pessoas requerem pacotes de conhecimento fáceis de gerenciar, e esses pacotes são considerados como estoques de conhecimento ‘de bom senso’ que permitem que as pessoas possam se virar, ainda que esse ‘conhecimento’ possa ser errado ou mal representado.
Os políticos e a mídia também sabem da necessidade de simplicidade das pessoas. E aqui está o problema, especialmente em um mundo sempre mais complexo e confuso. Com o objetivo de fazer convergir as massas no sentido de certas ideias e fazer com que as coisas pareçam ‘simples’ para elas, tanto os políticos como a mídia têm partido do pressuposto formulado por Edward Bernays, o pai da propaganda, publicidade e relações públicas. E é aí que simplicidade se transforma em manipulação.
Bernays sabia como manipular grupos de pessoas e como atrair as massas aos produtos e mensagens da sociedade moderna. Agora, estamos todos sujeitos a esse tipo de manipulação, a cada dia e todos os dias, com o bombardeio incessante de comerciais.
Foi o acadêmico estadunidense Rick Roderick que notou como a tendência para a banalidade, a simplificação e a trivialização propostas pelas indústrias e áreas de excelência da propaganda, seja agora prolífica em toda a sociedade. Ele se referiu ao fenômeno crescente dos problemas e questões importantes reduzidas a uma espécie de moda, através da contínua repetição. Por exemplo, debates políticos em aparente situação de parálise, como os direitos homossexuais ou o aborto, tornaram-se um debate praticamente inútil. Passam com tanta frequência a girar em torno dos mesmos poucos argumentos que se tornaram quase um modismo. Isso não significa que as questões não sejam importantes por si mesmas, significa que foram reduzidas sempre aos mesmos refrões e papagaiadas.
Pode-se chegar ao ponto em que as pessoas simplesmente parem de se importar com a questão. Diante de tantos e tão diferentes movimentos, todos fechados em debates infinitos, pode facilmente ocorrer que se difunda na população uma espécie de apatia e inatividade.
Efetivamente, muitas questões foram reduzidas a slogans apetecíveis para a mídia. Por exemplo, dezenas de anos de sérias publicações sobre o feminismo foram ultrapassadas pelas Spice Girls que gritam o slogan ‘girl power’ em cada ocasião. Uma questão séria usada como estratagema comercial para vender música. Mas o que queria dizer ‘girl power’? O que importa, basta gritar as palavras e pronto.
Barak Obama recitava o mantra ‘esperança e mudança’ que quer dizer tudo e nada, ao mesmo tempo. Ainda que, em certos casos, os slogans papagaiadas possam, na verdade, querer expressar algo sério, são repetidos um milhão de vezes, a ponto de se tornarem mera retórica sem qualquer significado mais profundo.
E há ainda todos aqueles spots nos canais em língua inglesa da Índia, onde para vender reduzem tudo ao mínimo denominador comum ‘o branco está na moda, o preto não’ (por qual motivo uma frase pertinente à cor da pele não é considerada racista na Índia?), ‘porque você vale’ (senso da autoestima reduzido ao fato de usar um esmalte para unhas ou batom), ‘é muito, muito sexy’ (a natureza da sexualidade reduzida aos efeitos de um desodorante). Questões complexas se tornam modos cômodos de dizer e são reduzidas a identidades de marca pré-confeccionadas para serem vendidas no mercado.
Junto a tudo isso, vão de mãos dadas o cinismo e a ridicularização, ou seja, se os argumentos sérios não se tornam banais através da repetição, passam a ser objeto de brincadeiras e piadas.
Rick Roderick gostava de lembrar de um velho show na TV dos EUA para demonstrar como a sociedade encoraja o ridículo, o trivial e a aceitação das coisas como elas são (e não como deveriam ser). ‘Laverne and Shirley’ foi ao ar de 1976 a 1983. Roderick lembrava que Laverne e Shirley trabalhavam numa fábrica de cerveja em Milwaukee. Poderia ter sido um filme realista socialista, mas pelo contrário, era um sitcom. Todos os problemas que a classe trabalhadora encontra, com frequência, eram reduzidos a banalidades, ao ‘mal comum’ da trivialidade e a pequenas brincadeiras sem profundidade.
Hoje pode-se observar um fenômeno similar na Grã-Bretanha, através da demonização dos segmentos mais pobres da classe trabalhadora inglesa, por parte dos principais meios de comunicação e pelos vários comentaristas sociais. Chamados de ‘chavs’ (mal-humorados, aborrecidos), a vida deles é estigmatizada, ridicularizada e banalizada.
Roderick discute também a noção de que John F Kennedy (JFK) tenha sido assassinado por meio de um golpe de estado, e desde então o governo dos EUA agiria secretamente. Isso pode ser verdade ou não, mas a partir do momento em que tivemos disponíveis centenas de livros e muitos filmes sobre JFK, as pessoas tendem a apagar a tevê, sacudir os ombros e dizer que isso pode ser ou não, mas quem se importa com isso? Tornou-se banal. Para Roderick, esse é apenas um outro exemplo de como é possível tomar questões de vital importância humana e torná-las uma banalidade.
É exatamente isso que se quer: banalidade e embuste, que encontra sua expressão última no cinismo, na apatia e no aceitar e conformar-se ao status quo.
Em vista dos maiores desafios que devemos enfrentar, da guerra nuclear ao desastre ecológico, aquilo de que precisamos é justamente investir em reformas sociais e econômicas, e em grandes ideias. Mas será que também as ideias do passado, que poderiam ser inspiração para as causas de hoje, não terão sido reduzidas e medíocres banalidades? Não seriam apenas forragem para o mercado? Por acaso não são ironizadas e ridicularizadas por uma população forçada à depressão, que considera a apatia e o cinismo como um imperativo da condição humana?
Poderia haver um modo melhor para controlar a população que induzi-la à apatia e à banalidade, encorajando a banalização de causas, ideias e dos dramas de certos estratos da sociedade? Haveria um modo melhor para controlar a dissidência que ridicularizar os dissidentes, ou, se isso não funcionar, como no caso do governo indiano, acusar de comportamento sedicioso 7.000 legítimos manifestantes anti-nucleares em Kudankulam – gente do campo e simples pescadores?
Será que deveríamos ignorar tudo isso e ficarmos sentados, satisfeitos com uma cultura que dedica mais colunas de tintas à história de Simon Cowell, que se bota placenta no rosto para parecem mais jovem, que à morte de um dos maiores historiadores do século vinte, Eric Hobbsbawn? Vamos voltar a sentar e compraremos o xampu porque caímos na mentira do ‘eu mereço’. Porque se for assim, não estão em perigo somente os 7.000 manifestantes legítimos de Kundakulam (http://www.countercurrents.org/ctw300912.htm) e outros que estão enfrentando problemas parecidos de maus tratos – mas estamos nós todos também!
“O sinal positivo de uma sociedade inteligente é a possibilidade de fazer perguntas. Se tenho uma dúvida, tenho o direito de fazer perguntas. Aqui, o simples ato de fazer perguntas é tratado como comportamento sedicioso.” Aruna Roy (político indiano e ativista social).
Originário do noroeste da Inglaterra, Colin Todhunter viveu muitos anos na Índia e escreveu para várias publicações. Seu site East by Northwest: http://colintodhunter.blogspot.com