>> Cinco minutos pra “Cazzi vostri” – Vai cuidar da sua vida, porra! (The show must go off!)

>> Cinco minutos pra “Cazzi vostri” – Vai cuidar da sua vida, porra! (The show must go off!)

de Ascanio Celestini, apresentado no programa da TV italiana:

THE SHOW MUST GO OFF
De 2 de abril de 2012
Transcrição traduzida: Mario S. Mieli


The show must go off Ascanio Celestini Cittadini so cazzi vostri

Cidadãos! – permitam que eu os chame assim, embora todos saibamos que vocês são servos, escravos, súditos – porém quero chamá-los cidadãos para não humilhá-los inutilmente. Portanto: cidadãos, nós somos a classe patronal no governo e temos uma grave responsabilidade: devemos dizer-lhes que há uma grandíssima crise – irreversível: não podemos dar-lhes esperanças. Bem, enquanto isso nós mandávamos vocês trabalharem nas minas, enchíamos seus pulmões de bióxido de silício; vocês estrebuchavam, mas suas esposas obtinham a reversibilidade da aposentadoria: mas, hoje, isso não lhes pertence mais. Cidadãos, antigamente nós mandávamos vocês pra fábrica: fazíamos vocês trabalharem quatro, cinco, seis, sete, oito, até nove horas; sabíamos que depois de quatro horas já teriam produzido o quanto bastava para fazer viver dignamente tanto vocês quanto nós; mas nós explorávamos vocês na fábrica e utilizávamos o seu plus-trabalho para obter uma plus-valia que embolsávamos gozando de suas fuças.

Mas lhes dávamos o décimo-terceiro, não é verdade? Com essa grana vocês compravam um televisor, com o qual depois nós doutrinávamos vocês e podíamos trapaceá-los à distância. Mas a televisão é uma coisa bonita, assim como o décimo-terceiro. Bem, hoje vocês podem é sonhar com o décimo-terceiro. Cidadãos, antigamente mandávamos vocês à guerra para obter nossos lucros e vocês pra guerra iam e lá morriam, e nós lhes fazíamos um funeral de estado. Como é lindo o funeral de Estado! Eu, quando vou aos funerais de Estado, vejo todas aquelas bandeiras, o hino – parece até que estou num jogo de futebol: passa o féretro, o morto, e eu fico aí fazendo “alé-ohò”. Bem, hoje se vocês forem estiolar-se na guerra pra gente, não vão conseguir nem um funeral. Cidadãos, antigamente nós sufocávamos vocês, mas de vez em quando lhes permitíamos retomas fôlego. Agora vamos estrangulá-los e pronto. Acabou.

Apesar disso, caros cidadãos, nós que estamos no governo temos a responsabilidade e o dever de escutar os operários: eles dizem que fazem parar suas empresas?, nós as deslocalizamos para a China e eles perdem o trabalho, ou ficam na Itália, porém são eles que se achinesam e perdem todos os direitos. E nós, a esses operários, devemos dizer uma coisa simples, clara, honesta, e vamos dizê-la. Diremos: operário: Vai cuidar da sua vida, porra! Isso mesmo, operários: “cazzi vostri”. Sinceramente, honestamente. Mas eu quero falar também com os precários, aqueles que vinte anos atrás tinham vinte-oito, trinta anos, e estavam certos de que em alguns meses teriam encontrado um trabalho verdadeiro, mas não aconteceu: ficaram entalados naquele pântano que é a precariedade; agora estão com cinquenta a são ainda trabalhadores precários, e vamos dizer isso a eles. Diremos: precário? Vai cuidar da sua vida, porra! Vocês também. Sinceramente: “cazzi vostri”.

Mas quero falar também com os imigrantes, que são a viga mestra desse país; trabalham o triplo, ganham nada e são escravizados. Apesar do instituto de estatísticas dizer que daqui a cinquenta anos um cidadão em cada quatro virá mesmo de uma história de imigração. De modo que quero falar com vocês, imigrantes, e dizer a mesma coisa que digo aos demais cidadãos, porque vocês não são cidadãos de segunda categoria. Direi pra vocês também: emigrado, migrante? Vai cuidar de sua vida, porra! Sobretudo pra vocês. Alguém poderia dizer: por que não fazemos como a Alemanha, a Grã-Bretanha, que pactuaram com a Suíça para taxar o dinheiro alemão e inglês que está nos bancos helvéticos? Claro, e de dinheiro italiano aqueles bancos estão abarrotados. Sabem por que não o taxamos? Porque aquele dinheiro é nosso, de nós, patrões. Estão brincando comigo? E depois, em nosso meio, tem um monte de banqueiros. O que diríamos a eles?

Ou alguém poderia dizer: por que insistir ainda com as grandes obras? Um trem-bala que vai devastar um vale inteiro, no Piemonte, quando a população está contra – até porque já tem um trem que passa ali e nem é muito utilizado. Porque, aqui entre nós, além dos banqueiros, tem também construtores, os donos do cimento, e tem muito lucro a ser feito assim, caros cidadãos. A manobra é “Vai cuidar da sua vida, porra!” e não “o problema é nosso”. Tá brincando comigo? Ou alguém vai nos perguntar simplesmente: F-35? Esse super caça-bombardeiro que nos custará 13, 14, talvez 15 bilhões: por quê? E todos os outros gastos bélicos, que precisam ser adicionados a esse, num país cuja constituição afirma repudiar a guerra? Sabem por que gastaremos todo esse dinheiro? Porque entre nós tem também um monte de generais, além dos construtores, entenderam? Um deles tinha virado até ministro, ora…

Nós somos os poderosos, caros cidadãos. E, por favor, não levantem a crista porque senão… será que vocês estão querendo que voltemos a botar as bombas nas praças, nos trens, nas estações, nos bancos? Ei, cidadão, Vai cuidar de sua vida, porra! Temos nada a ver com isso. Vejam, cidadãos, eu tenho tanta certeza da honestidade de minhas palavras que propus ao governo de chamar essa nova manobra justamente de “Vai cuidar de sua vida, porra!”, porque me parecia uma coisa explícita, clara, que teríamos todos entendido, não? Mas a comunidade internacional nos pede para sermos muito mais filhos da puta, mas também um pouquinho mais elegantes, por isso a chamaremos com algo di tipo “manobra salva-país” ou com um título um pouco mais fílmico, cinematográfico, tipo “como o pepino para o verdureiro” . Vocês verão, cidadãos: o capitalismo é certamente aquele guarda-chuvão que enfiamos em suas bundas todos os dias. Mas não é um guarda-chuva vagabundo, coisa de três ou quatro euros que algum marroquino vende quando começa chover. É um guarda-chuva caro, de grife, talvez de seda, com o cabo de marfim e a ponta de prata. Se vocês não entenderam, caros cidadãos, se vocês ainda acreditam que moram num país democrático, onde contam alguma coisa, nesse caso, caro cidadão, Vai cuidar da sua vida, porra!

(Ascanio Celestini, “Cazzi vostri”; texto da apresentação de Ascanio em 2 de abril de 2012 no programa da TV italiana “The show must go off” no canal La7 e apresentado por Serena Dandini).

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