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Ivan Illich: para que servem as crises?

Por: Paolo Cacciari
Fonte: www.democraziakmzero.org
Tradução: Mario S. Mieli




Proponho uma releitura de Ivan Illich do longínquo 1978 (Desemprego criativo, reeditado pela Boroli, 2005): “O vocábulo crise – escrevia – indica hoje o momento em que médicos, diplomatas, banqueiros e técnicos sociais de vários tipos assumem o timão e ficam suspensas as liberdades. Como os doentes, os Países se tornam casos críticos. Crise, palavra grega que em todas as línguas modernas quis dizer ‘escolha’ ou ‘ponto de transformação’, agora significa: ‘Vai com tudo!’. Ou seja, evoca uma ameaça sinistra, mas passível de ser contida mediante um excedente de dinheiro, de mão-de-obra ou de técnica gerencial”.

Como não ver que é mesmo assim? Criar uma emergência, provocar um perigo catastrófico (a falência, o desemprego, a Grécia) para anular os direitos, reivindicar o domínio da razão econômica da iniciativa e intensificar as formas de exploração, concentrar o poder econômico-financeiro. São justamente as mesmas pessoas que antes criaram a crise, a partir de seus postos de comando nas instituições bancárias privadas que agora são chamadas para “colocar em ordem” as contas públicas. O verdadeiro objetivo deles: apossarem-se também das caixas econômicas dos estados, dos fluxos fiscais, do patrimônio público.

Quando o mundo está dominado por uma montanha de dívidas periclitantes, aqueles que manobram o dinheiro se tornam sempre mais poderosos e temidos. Os tecnocratas à guia do sistema financeiro podem jogar à vontade, por meio de algum telefonema entre amigos, com os spreads, as taxas de juros, o câmbio… subjugando antes um, e depois o outro governo. O objetivo é garantir que, de todo jeito, os capitais sejam pagos suficientemente. Todo o resto – os níveis de emprego e dos salários, o funcionamento dos serviços públicos e as pessoas – não interessa nada. Os detentores dos títulos de dívida são a nova classe que manda.

Ainda Illich: “A crise como necessidade de aceleração não só confere mais potência à disposição do condutor, e faz apertar ainda mais o cinto de segurança dos passageiros; mas justifica também o roubo do espaço, do tempo e dos recursos”.

O crescimento é o novo falso mito. Todos sabem em seu âmago que não poderá mais haver (pelo menos nesta parte do mundo e nas medidas prometidas) mas funciona como fator social disciplinante: se você não trabalhar mais e mais barato e com menos tutelas você será um inimigo do “interesse geral”. O “crescimento” é o novo patriotismo que deveria mobilizar as massas na guerra competitiva entre as diversas áreas econômicas do planeta globalizado pelo capital financeiro. Eles (os “investidores”, os possessores dos títulos de crédito) podem se mover e fazer negócios onde acharem melhor, enquanto os trabalhadores territorializados são postos a competir entre si. Chamam-no “multiculturalismo”, leia-se “áreas especiais de desenvolvimento”, acordos de livre comércio, pactos interbancários, etc…

O “crescimento” é a nova falsa religião. O novo nome da velha ideologia hegemônica do produtivismo e do desenvolvimentismo. Não importa saber o que deveria crescer, quais produções para responder a quais necessidades humanas. O importante é constringir as pessoas, através da chantagem das demissões selvagens, a trabalhar sob quaisquer condições.

“Entendida assim, a crise sempre avantaja os administradores e comissários (…) uma corrida íngreme em direção à “escalada do controle”, mas Illich também escrevia: “’Crise’ pode também indicar o momento da escolha, aquele momento maravilhoso no qual as pessoas, de improviso, se dão conta das jaulas em que se trancaram e das possibilidades de viver de uma maneira diferente”.

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