cristo

A incompatibilidade entre Cristo e o capitalismo, por Diego Fusaro

Transcrição traduzida: Mario S. Mieli

Pergunta:

Uma última pergunta, inspirada parcialmente na leitura de Minima Mercatalia (no livro do Diego Fusaro sobre Filosofia e Capitalismo, de 2013). Nos Evangelhos, Jesus Cristo explica que para salvar a própria alma, para alcançar o Paraíso, é preciso voltar a ser como crianças.

A filosofia do capitalismo, o pós-modernismo diz, pelo contrário, que é preciso abandonar toda fidelidade e mudança e virarmos logo adultos. Se um mestre espiritual, por um lado, diz que é preciso voltar a ser criança, enquanto o capitalismo nos “convida” a virarmos adultos o quanto antes, onde o capitalismo quer levar a nossa alma?

Resposta:

Isso é muito interessante, efetivamente. A figura de Cristo é absolutamente decisiva para compreender tantos aspectos do atual capitalismo. Um capitalismo que deve lançar à morte não só Atenas e os gregos, assim como a cruz e Cristo. O capitalismo é hoje o niilismo plenamente realizado e, portanto, não pode aceitar nem a verdade racional e filosófica – Aristóteles e Platão, nem a ideia de uma verdade revelada conforme o modelo crístico. Mas sobretudo não pode aceitar nem a ideia de justa medida, o Metron grego, nem a ideia do Reino dos Céus na Terra, o Cristo,.

Cristo, além das leituras que demais frequentemente são dadas, é um pensador absolutamente revolucionário, cujo objetivo teórico e prático principal consistia, como nos é referido pelos textos sagrados, na realização, na Terra, do Reino dos Céus.

A figura de Cristo é uma figura incompatível com o atual espírito do capitalismo, porque Cristo teoriza sobre o dia em que não existirão dívidas. O dia em que haverá a restituição das terras e, poderíamos dizer, a abolição da escravidão. E Cristo, sobretudo, é o que luta contra os mercantes do templo. O único momento em que, segundo as Escrituras, ele perde a paciência, é quando confronta os mercadores do templo. E também quando coloca o tema de uma justa comunidade ética segundo as relações entre (seres) livres e iguais. O famoso episódio das multiplicação dos pães e dos peixes não é uma magia ontológica de criação, do nada, de novos pães e novos peixes, mas é a magia da justa distribuição daquilo que já existe, permitindo a todos os membros da comunidade de matarem a fome. Esse é o ponto fundamental. Portanto, a figura do Cristo é fundamental. Como disse também Ernst Bloch em seu livro “Ateísmo no Cristianismo”: uma figura absolutamente decisiva.

Mas é preciso voltar a ser como criança em que sentido? Pelo menos eu interpreto a passagem, como a necessidade de VOLTAR A ENCANTAR O MUNDO. A ter grandes esperanças. Lá onde o capitalismo faz a retórica da exortação a virar logo adulto. Uma das imagens mais eficazes, creio, é aquela usada por MAX WEBER em “A Ciência como Profissão”, de 1917-1918, em que diz que a nossa é uma época SEM DEUSES NEM PROFETAS. Uma época em que é necessário suportar virilmente, como homens adultos, apesar do velado sexismo dessa formulação, suportar virilmente o próprio tempo. Cresçam depressa! Abandonem as quimeras próprias das crianças. Cresçam! Adorno também diz isso, na Minima Moralia. O capitalismo quer que todos virem adultos o mais depressa possível. Que se pule a fase da adolescência. Que se percam logo todas as ilusões.

Eu acho o contrário. Acho que precisaremos voltar a ser como crianças. Voltar a encantar o mundo. E fazer resplandescer o espírito da Utopia (como dizia Bloch).

Isso será possível se nos reapropriarmos simbolicamente de Atenas e simbolicamente de Cristo e sua visão da comunidade humana e de Deus como metáfora da comunidade humana. Não esqueçamos que a figura de Deus, nos Evangelhos e na filosofia medieval, é sempre, poderíamos dizer também, a metáfora da comunidade humana, da justa comunidade solidária. E isso é o bem comum.

Na SUMA de Tomás de Aquino encontramos continuamente trechos sobre Deus e sobre o BEM COMUM, que se alternam. A ideia de que a comunidade é a TOTALITAS ANTE PARTES. A totalidade que vem antes de cada indivíduo. Assim como Deus é a totalidade que vem antes das criaturas. Assim, há um duplo canal simbólico quanto a essa vertente.

É interessante como pensadores aberta, descarada e vulgarmente ateus como Difredi e Scalfari não entendam que hoje, ateísmo não é sintoma de CIENTIFICIDADE. Hoje o ateísmo é a correlação simbólica (superestrutural, como teria dito MAX) do INDIVIDUALISMO.

Ou seja, hoje não tem mais Deus. Deus morreu. Porque morreu o ideal e a comunidade. Os dois grandes ausentes: o ideal da ulterioridade que mobiliza e a relação horizontal entre indivíduos livres e équos. Hoje há só o indivíduo absolutizado e sem ideais. O último homem, como dizia Nietzsche. Que sabe que Deus morreu e, portanto, tudo é possível. O gozo ilimitado ao interior das grades de aço….

Portanto temos que RETOMAR nosso próprio passado, se quisermos recuperar um futuro hoje…

Vídeo com a entrevista original, em italiano:

DIEGO FUSARO: L’incompatibilità tra Cristo e il capitalismo

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