Na praia, 2017 – Sinalizando a Guerra Nuclear
Por John Pilger
Tradução: Mario S. Mieli
Fonte: http://www.informationclearinghouse.info/47563.htm
7 de agosto de 2017 “Information Clearing House” – O capitão do submarino dos EUA diz: “Todos nós morreremos um dia, alguns mais cedo, outros mais tarde. O problema sempre foi que você nunca está pronto, porque você não sabe quando está chegando. Bem, agora sabemos e não há nada a ser feito quanto a isso.”
Ele diz que estará morto até setembro. Vai demorar cerca de uma semana para morrer, embora ninguém possa ter certeza. Os animais são os que vivem mais tempo.
A guerra terminou em um mês. Os Estados Unidos, a Rússia e a China foram os protagonistas. Não está claro se foi iniciado por acidente ou erro. Não houve vencedor. O hemisfério norte está contaminado e sem vida agora.
Uma cortina de radioatividade está se movendo para o sul, em direção à Austrália e Nova Zelândia, África do Sul e América do Sul. Em setembro, as últimas cidades, vilarejos e aldeias vão sucumbir. Como no norte, a maioria dos edifícios permanecerá intocada, alguns iluminados pelas últimas cintilações de luz elétrica.
É desse modo que o mundo acaba
Não com um estrondo, mas um gemido
Estas linhas do poema de T.S. Eliot, The Hollow Men (O homem oco), aparece no início do romance de Nevil Shute, On the Beach (Na praia), que me deixou próximo a verter lágrimas. Os endossos na capa diziam o mesmo.
Publicado em 1957, no auge da Guerra Fria, quando escritores demais ficaram calados ou intimidados, é uma obra-prima. No início, o idioma sugere uma relíquia gentil; no entanto, nada do que eu li sobre guerra nuclear é tão implacável em seu aviso. Nenhum livro é mais urgente.
Alguns leitores vão se lembrar do filme em branco-e-preto de Hollywood, estrelado por Gregory Peck como o comandante da Marinha dos Estados Unidos que leva seu submarino à Austrália para aguardar o espectro silencioso e sem forma descendo no último do mundo vivo.
Eu li ‘On the Beach’ pela primeira vez no outro dia, terminando a leitura enquanto o Congresso dos EUA aprovava uma lei que declarava guerra econômica à Rússia, a segunda potência nuclear mais letal do mundo. Não havia justificativa para essa insana votação, exceto a promessa de pilhagem.
As “sanções” visam também a Europa, principalmente a Alemanha, que depende do gás natural russo e as empresas europeias que fazem negócios legítimos com a Rússia. No que passou como debate no Capitólio, os senadores mais empolgantes não deixaram dúvidas de que o embargo foi concebido para forçar a Europa a importar gás americano caro.
Seu principal objetivo parece ser guerra – guerra real. Nenhuma provocação tão extrema pode sugerir qualquer outra coisa. Eles parecem desejar isso, mesmo que os americanos não tenham ideia do que é a guerra. A Guerra Civil de 1861-5 foi a última em seu país. A guerra é o que os Estados Unidos fazem aos outros.
A única nação que usou armas nucleares contra seres humanos, desde então eles destruíram inúmeros governos, muitos deles democracias e destruíram sociedades inteiras – o milhão de mortes no Iraque foram uma fração da carnificina na Indochina, chamada pelo presidente Reagan de “uma causa nobre” e revisada pelo presidente Obama como a tragédia de um “povo excepcional”. Ele não estava se referindo aos vietnamitas.
Filmando no ano passado no Lincoln Memorial em Washington, ouvi um guia do Serviço de Parques Nacionais palestrando a um grupo escolar de jovens adolescentes. “Prestem atenção”, disse ele. “Perdemos 58 mil jovens soldados no Vietnã, e eles morreram defendendo a liberdade ‘de vocês’”.
De um só golpe, a verdade foi invertida. Nenhuma liberdade foi defendida. A liberdade foi destruída. Um país campesino foi invadido e milhões de pessoas foram mortas, mutiladas, destituídas, envenenadas; 60.000 dos invasores terminaram com suas próprias vidas. Prestem atenção, com efeito.
Uma lobotomia é realizada em cada geração. Os fatos são removidos. A história é excisada e substituída pelo que a revista Time chama de “um presente eterno”. Harold Pinter descreveu isso como “manipulação do poder em todo o mundo, enquanto se disfarça como uma força para o bem universal, um ato brilhante, até mesmo espirituoso e bem sucedido de hipnose [o que significava] que nunca aconteceu. Nada nunca aconteceu. Mesmo enquanto estava acontecendo, não estava acontecendo. Não importava. Não interessava.
Aqueles que se autodenominam liberais ou tendenciosamente “a esquerda” são participantes ansiosos desta manipulação, e sua lavagem cerebral, que hoje reverte para um nome: Trump.
Trump é louco, um fascista, um títere da Rússia. Ele também é uma dádiva para “cérebros liberais em conserva no formaldeído da política de identidade”, escreveu Luciana Bohne, de forma memorável. A obsessão com Trump, o homem – não Trump como um sintoma e uma caricatura de um sistema duradouro – sinaliza um grande perigo para todos nós.
Enquanto eles perseguem suas fossilizadas agendas anti-russas, a mídia narcisista, como o Washington Post, a BBC e o Guardian, suprimem a essência da história política mais importante do nosso tempo, enquanto promovem a guerra em uma escala que eu não consigo lembrar em toda minha vida.
Em 3 de agosto, em contraste com o espaço que o Guardian deu à ideia de que os russos conspiraram com Trump (reminiscente da difamação que a extrema-direita dirigiu contra John Kennedy como “agente soviético”), o jornal enterrou, na página 16, notícias de que o presidente dos Estados Unidos foi obrigado a assinar um projeto de lei do Congresso declarando guerra econômica à Rússia.
Ao contrário de qualquer outra assinatura de Trump, isso foi conduzido virtualmente em segredo e anexado com uma advertência do próprio Trump de que isso era “claramente inconstitucional”.
Um golpe contra o homem da Casa Branca está em andamento. Isso não porque ele é um odioso ser humano, mas porque sempre deixou claro que ele não quer guerra com a Rússia.
Este vislumbre de sanidade ou simples pragmatismo é anátema para os dirigentes da “segurança nacional” que protegem um sistema baseado em guerra, vigilância, armamentos, ameaças e capitalismo extremo. Martin Luther King os chamou de “os maiores provedores da violência no mundo de hoje”.
Eles cercaram a Rússia e a China com mísseis e um arsenal nuclear. Eles usaram neonazis para instalar um regime instável e agressivo na fronteira da Rússia – o caminho pelo qual Hitler a invadiu, causando a morte de 27 milhões de pessoas. O objetivo deles é desmembrar a Federação Russa moderna.
Em resposta, “parceria” é uma palavra usada incessantemente por Vladimir Putin – qualquer coisa, ao que parece, que possa interromper um evangélico impulso para a guerra nos Estados Unidos. A incredulidade na Rússia pode agora ter virado medo e, talvez, uma certa resolução. Os russos quase certamente têm planos de contra-ataque nucleares. Os exercícios de ataque aéreo não são incomuns. Sua história lhes diz para se prepararem.
A ameaça é simultânea. A Rússia é a primeira, a China é a próxima. Os EUA acabaram de completar um enorme exercício militar com a Austrália conhecido como Talisman Saber. Eles ensaiaram um bloqueio do Estreito de Malaca e do Mar da China Meridional, através do qual passam as linhas econômicas vitais da China.
O almirante que comanda a frota do Pacífico dos Estados Unidos disse que, “se necessário”, ele jogaria bombas nucleares contra a China. Que ele tenha dito isso publicamente, na pérfida atmosfera atual, começa a tornar uma realidade a ficção de Nevil Shute.
Nada disso é considerado novidade. Nenhuma conexão é feita enquanto se lembra o banho de sangue de Passchendaele de um século atrás. A reportagem honesta não é mais bem-vinda por grande parte da mídia. Falastrões, conhecidos como especialistas, dominam: os editores são gerentes de info-entretenimento ou gerentes das linhas dos partidos. Onde havia antigamente adicional revisão, há hoje a libertação de clichês remoídos. Os jornalistas que não cumprem são despedidos.
A urgência tem muitos precedentes. No meu filme The Coming War on China (A guerra vindoura contra a China), John Bordne, membro de uma equipe de combate de mísseis da Força Aérea dos EUA, com sede em Okinawa, Japão, descreve como em 1962 – durante a crise dos mísseis cubanos – foi dito a ele e a seus colegas “para lançarem todos os mísseis” de seus silos.
Dotados de ogivas nucleares, os mísseis visavam a China e a Rússia. Um oficial subalterno questionou o fato, e o pedido foi eventualmente rescindido – mas só depois de terem sido munidos com revólveres de serviço e ordenados para atirar em outros da equipe de mísseis caso eles não “desistissem”.
No auge da Guerra Fria, a histeria anticomunista nos Estados Unidos era tal que os funcionários dos EUA que estavam em negócios oficiais na China foram acusados de traição e demitidos. Em 1957 – ano em que Shute escreveu On the Beach – nenhum funcionário do Departamento de Estado podia falar na língua da nação mais populosa do mundo. Os que falavam mandarim foram purgados sob restrições agora ecoadas no projeto de lei do Congresso que acaba de passar, visando a Rússia.
A conta era bipartidária. Não há diferença fundamental entre democratas e republicanos. Os termos “esquerda” e “direita” não têm sentido. A maioria das guerras modernas da América foi iniciada não por conservadores, mas por democratas liberais.
Quando Obama deixou o cargo, ele presidiu um recorde de sete guerras, incluindo a guerra mais longa dos Estados Unidos e uma campanha sem precedentes de assassinatos extrajudiciais, assassinatos por drones.
Em seu último ano, de acordo com um estudo do Conselho de Relações Exteriores, Obama, o “guerreiro liberal relutante”, lançou 26.171 bombas – três bombas a cada hora, 24 horas por dia. Tendo prometido ajudar a “livrar o mundo” das armas nucleares, o Nobel da Paz construiu mais ogivas nucleares do que qualquer presidente desde a Guerra Fria.
Trump não é nada em comparação. Foi Obama – com sua secretária de estado Hillary Clinton ao seu lado – que destruiu a Líbia como estado moderno e lançou a debandada humana para a Europa. Em seus países, era conhecido pelos grupos de imigrantes como o “deportador-chefe”.
Um dos últimos atos de Obama como presidente foi assinar um projeto de lei que entregou um recorde de 618 bilhões de dólares ao Pentágono, refletindo a crescente ascensão do militarismo fascista na governança dos Estados Unidos. Trump aprovou isso.
Enterrado nos detalhes foi o estabelecimento de um “Centro de Análise da Informação e Resposta”. Este é um ministério da verdade. É encarregado de fornecer uma “narrativa oficial de fatos” que nos prepare para a possibilidade real de guerra nuclear – se permitimos isso.