>> Holocausto midiático – “Uma nuvem de loucura”, por Ernesto Celestini


Holocausto midiático – “Uma nuvem de loucura”

A grande fraude é a ilusão de liberdade e potência que se prova navegando na rede, mas somos só atores desempenhando um papel dentro dela.


Por: Ernesto Celestini
Fonte: peacelink.it
Tradução: Mario S. Mieli




Parece que vivemos numa daquelas atmosferas mágicas para as quais éramos transportados através das palavras das fábulas que ouvíamos quando crianças, e que só alguns artistas inspirados conseguiram expressar com palavras ou imagens.

Parece que caminhamos suspensos no ar, pousando os pés em algo suave, mas que, inexplicavelmente, consegue nos sustentar; ao redor de nós sentimos a presença de corpos e pessoas que estão muito próximas e que poderíamos quase tocar, mas que vemos desfocadas.

Tão desfocadas que não conseguimos entender se a nossa presença neste mundo atenuado seja fruto de um torpor numa cabeça vazia de pensamentos, ou o prolongar-se de um momento de estupor que nos faz hesitar como se percebêssemos um perigo iminente, mas ainda confuso.


É um estado antinatural aquele que estamos vivendo hoje, em um mundo que, depois de 30.000 anos de história sonolenta, durante os quais a evolução das ideias e o progresso da consciência técnica se produziram de mãos dadas, subitamente, verificou-se uma aceleração frenética da evolução dos meios técnicos com que convivemos e de que, agora, de repente, dependemos.

Mas isso não seria de forma nenhuma um problema, pelo contrário, deveria permitir uma melhor qualidade de vida e uma simplificação do trabalho humano, exceto que a aceleração que a técnica sofreu não foi acompanhada e apoiada por uma evolução do pensamento igualmente rápida. Pelo contrário, o pensamento do ser humano está se tornando mais letárgico, tende a acomodar-se e a procurar colaboração para desenvolver qualquer nova ideia e resulta cada vez mais essencial o uso de sistemas informáticos para se projetar qualquer intuição no mundo real.


Lembro de como era complicado, faz apenas poucos anos, procurar analisar alguns dados, recuperados dos escritos contábeis anotados com um máquina de escrever ou a mão, para preparar o orçamento de um balancete e como era difícil estimar corretamente a evolução das vendas, do mercado, do trabalho, das despesas correntes e dos investimentos. De repente, em poucos anos, começamos a preencher os sistemas informáticos com as nossas informações e hoje, na mesma situação de previsão de um balancete, qualquer intuição de um bom empreendedor é “avaliada” segundo as projeções de um sistema informático.

Em poucas palavras, hoje somos todos mais “astutozinhos”, mas não há espaço para quem destoa, é a informática que tem sempre a última palavra. Nada de mais simples, portanto, para nos remover todas as dúvidas que desde sempre têm importunado nossos circuitos mentais, que aqueles mais racionais de um circuito informático.

Exceto que: um computador deve ser definido com todos os requisitos necessários para avaliar corretamente e dar a resposta certa, porque qualquer resultado de um computador é sempre funcional aos sistemas de avaliação que foram estabelecidos, de modo que, por definição: o computador é parcial. Quem elabora o sistema e insere ou define a inserção de dados é um ser humano e qualquer esquecimento, um erro nas fórmulas ou a falta de atualização automática de alguns parâmetros, podem falsear um resultado apresentado e aceito como indiscutível.

Tudo isso para dizer, simplesmente, que a evolução das ideias sempre teve tempos muito mais lentos que os tempos das ações, as ideias, as filosóficas são as respostas que o homem sempre procurou dar às suas dívidas recônditas, ancestrais, e que começou a explicar reconhecendo-se como uma pequeníssima parte da natureza, a quem devia respeito e devoção e, depois, com as suas primeiras crenças religiosas que juntaram desde sempre, mesmo que por meio de formas evolutivas diferentes, todas as populações.

Mas o raciocínio do ser humano, em qualquer lugar do mundo, em qualquer religião e em qualquer filosofia, expressou poucas formas de Estado social e todas desembocando, todavia, em um sistema hierárquico baseadas nas capacidades e na ética de quem é comandado para governar.


Desde quando a história passou a ser documentada, vemos que as várias civilizações nasceram, se desenvolveram e decaíram por mérito ou por culpa de quem encabeçava o Estado, por motivos religiosos ou por excessivo relaxamento dos costumes do povo. Sempre houve um mau conselheiro, uma conspiração palaciana, um imperador louco ou um faraó visionário, mas hoje estamos assistindo a uma nova experiência de “manipulação da opinião pública com um uso político impróprio e subliminal de sistemas de marketing e de psicologia das massas”.

Essa é uma verdadeira revolução cultural, muito mais perigosa daquela promovida pelo “livro vermelho de Mao”, porque coloca sem violência e sem coerção, mas só com uma insidiosa e contínua presença e repetitividade de informações para transmitir como “notícias para títulos” de modo partidário, com pequenas omissões e com ênfases em particulares menores, quase minimizando o verdadeiro conteúdo da notícia que poderia ter um impacto real sobre a sociedade ou sobre as escolhas da política e da democracia, ou sobre a direção da ecologia ou dos comportamentos em tempos de paz e na guerra.

Estamos vivendo uma mudança radical do nosso modo de viver, estamos de posse de instrumentos tecnológicos que permitem a qualquer um de nós comunicar instantaneamente com o mundo todo na rede, podemos receber em tempo real imagens, notícias e vozes que nos fazem viver os eventos de modo contemporâneo, mas nunca estivemos tão sozinhos e tão distantes do nosso próximo.

Ficamos cada vez mais fechados em nossos quartos trabalhando em “trabalhos de equipe” ou em “Chamadas em conferência” com todos os nossos colegas e sempre menos saímos para tomar um cafezinho juntos. Nos indignamos e protestamos junto com todos os nossos amigos no Facebook e alguém manda também mensagens pelo Twitter para se sentir participando de um movimento cultural, iludindo-se de tentar mudar o mundo.



Mas não percebemos que só fazemos parte de uma soberba equipe de futebol de várzea, que sabe jogar bem e divertir um público que aplaude satisfeito, mas que nunca terá o dinheiro suficiente pra chegar a jogar em um campeonato nacional, onde qualquer adversário ganha e gasta milhões e tem até patrocínio, subvenções estatais e imprensa amiga.

E aqui está a grande fraude, a ilusão de liberdade oferecida pela rede, que faz todos se sentirem no centro de um mundo virtual. Caímos numa grande teia de aranha que foi concebida para que bilhões de pessoas sentissem um sentido de omnipotência midiática, anestesiando-as com uma quantidade de informações fáceis de serem recebidas e quase todas grátis, e dando-nos a possibilidade de compartilhá-las imediatamente com todos (aqueles poucos que definimos como amigos).

Tecnicamente, todos têm a possibilidade de mobilizar a rede para criar uma opinião pública capaz de influenciar as escolhas políticas que deverão ser funcionais à vontade de todos aqueles que expressaram sua opinião na rede.

Praticamente, porém, devemos voltar à metáfora das equipes de futebol de várzea para compreender que nunca conseguiremos nos confrontar de igual para igual com aqueles que, usando os nossos mesmos instrumentos, têm o apoio de toda a força oculta de seus patrocinadores para esmagar facilmente quem quer que coloque em dúvida as regras do jogo.

A grande ilusão foi aquela de acreditar que, como somos muitos, não ficaríamos fechados na nossa solidão, mas é aqui que se percebe a verdadeira distância que se criou entre as ideias e a tecnologia, é nesse ponto que é preciso achar um modo que permita ao ser humano retomar o controle do pensamento, da informação, da economia.

Tentemos fazer um jogo que, talvez, muitos já viram ser proposto em algum curso de treinamento profissional: estamos em outro planeta e observamos o que acontece na terra, em grandes linhas, sem particulares, sem partidarismos. Vemos movimentos de mercadorias que são deslocadas de um lugar a outro para depois voltarem ao lugar de onde partiram. Vemos serem cultivadas e crescidas quantidades de gêneros alimentares superiores às reais necessidades e que, uma parte é destruída, embora um quarto da população passe fome. Vemos empreendedores e altos funcionários públicos reunidos para debater como achar uma solução para os obstáculos burocráticos que eles mesmos inventaram para satisfazer os lobbies que os financiaram. Vemos rios, montanhas, geleiras e florestas que estão desaparecendo sob nuvens de gases tóxicos, enquanto não se utilizam os recursos energéticos não poluentes do sol e do vento.


É essa a foto (e alguém terá a faculdade de defini-la arbitrária ou, conforme a escolha, populista) do nosso planeta, visto de fora.

Toda a nossa “intelligentsia política e econômica” se precipita para achar soluções a problemas que não existem, justamente porque se insiste em fazer funcionar certos sistemas que não têm qualquer motivo de existir, a não ser obter mesquinhas vantagens àqueles que os gerenciam.

Quem sabe o que pensaria um ser alienígena e inexperiente das questões da terra quando nos ouve falar, não do superaquecimento terrestre, não do bilhão de pessoas que sofrem de sede a cada dia, não das pessoas desempregadas porque foram expulsas do sistema produtivo, não dos milhões de pessoas que não trabalham porque é mais conveniente investir na bolsa que nas indústrias, não as guerras feitas para aumentar o PNB mas, incompreensivelmente, de palavras abstratas e vazias como derivativos e finanças.

Como pode um ser racional e não contagiado por uma informação invasiva e deformante compreender que o mundo ocidental está para implodir porque inventou um sistema financeiro capaz de vender infinitas vezes a promessa de um crédito, garantida por outras promessas de crédito, baseadas no capital de uma empresa que vale centenas ou milhares de vezes menos que o volume dos títulos emitidos?

É simplesmente loucura pensar que poderemos sair dessa enorme fraude em que caímos, sem condenar com penas severas quem as provocou, mas é um insulto apresentar a conta desse holocausto midiático e financeiro às vítimas e não aos réus.


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