>> Da Sociedade do Espetáculo à Sociedade da Necessidade Imposta de Hiperexcitação, Marco Ravarino comentando obra de Christoph Türcke

Da Sociedade do Espetáculo à Sociedade da Necessidade Imposta de Hiperexcitação, Marco Ravarino comentando obra de Christoph Türcke

Por: Marco Ravarino, analisando a obra “A sociedade excitada. Filosofia da sensação.” de Christoph Türcke
Fonte: Linkiesta.it de 11 de junho de 2012
Tradução: Mario S. Mieli



Christoph Türcke


Grande é a excitação sob o céu, mas a situação está muito longe de ser excelente. O espetacular, o perturbador, o sensacional se tornaram a normalidade…[…]. O sensacionalismo se tornou o paradigma do sistema midiático (e não somente dele).



Inquieto, neurótico, faminto de estímulos, ainda que momentâneos, viciado por uma inundação de choques emocionais (que não têm tempo de se sedimentar na consciência), superexcitado mas não satisfeito: eis o homo sapiens do século XXI, presa de uma sobrecarga de sensações audiovisuais. A qualquer custo. Porque, a qualquer custo, é preciso estar, é preciso ser notado. E às cotoveladas, para não correr o risco da danação do esquecimento eterno. É Christoph Türcke, professor de filosofia na Academia de Artes Visuais de Leipzig, a explicar, em seu livro “La società eccitata. Filosofia della sensazione” (A sociedade excitada. Filosofia da sensação.) (versão italiana publicada por Bollati Boringhieri, 2012), uma imponente e complexa análise da contemporânea sociedade da sensação: “Uma sociedade que não é de forma alguma nova, mas que está em construção há séculos”. Türcke elabora uma (pós-moderna) declinação, um extremo ramo da Sociedade do Espetáculo de Guy Debord, e o faz de um modo muito sério, atualizando as intuições do teórico do situacionismo e ancorando essas intuições num terreno histórico. Construiu assim uma arqueologia do conceito de sensação, do Renascimento ao Iluminismo e ao presente. Através dos séculos em que o significado fisiológico de sensação sofreu um deslize semântico: “Da percepção mais comum à percepção do incomum para desenhar, por último, o próprio incomum”. O sensacional, que deveria ser raro além de perturbador, de caso limite se torna norma.

“Os fatos sensacionais – escreve o filósofo alemão – estão se tornando os pontos cardeais e o pulso da inteira vida social”. No jornalismo, é essa a realidade já faz tempo, tanto que derrubaram a lógica das notícias: “O comunicar porque é importante é suplantado pelo importante porque é comunicado”. Um mecanismo com feições perversas: “Inflar a banalidade, simplificar realidades complexas, desviar a atenção pública de um determinado assunto ou acontecimento para outro: tudo isso se insere na imprensa como a sudorese à pele. Exige, imperativamente, higiene, mas não há higiene capaz de eliminar a sudorese. É assim onde quer que nos deparemos com o axioma da lógica da informação, enfrentamo-nos também com o seu contrário”. Não são mais suficientes títulos com caracteres cubitais. Com a predominância, agora historicizada, das imagens sobre a palavra, junto a uma mutação multimidiática contínua (em particular, a audiovisual) do meio, a notícia agora deve ser administrada “com a força de uma injeção multissensorial, para que ela alcance seu destino no sensorial hiper saturado de estímulos dos contemporâneos”.

Somos todos (ou quase) parte da sociedade da sensação. Alguns, talvez, arrastados passivamente pelo fluxo irrestringível. Poucos excluídos. São protagonistas dela tanto as mídias “mainstream” quanto os blogs alternativos. Também os movimentos antissistema se servem da espetacularização. “Esse est percipi” sintetizava, no século XVIII, o teólogo anglicano George Berkeley. Quem é visto, pode se fazer notar, se mostrar. Mas a pesquisa do choque e a tendência de espetacularização não são exclusivos da informação, atingem muitos outros setores – da indústria cultural à publicidade e as outras mídias – e dizem respeito também às relações quotidianas. A “sensação absoluta” intervém em fenômenos diversíssimos, do piercing à dependência de drogas, do fundamentalismo liberal ao religioso. Os choques audiovisuais se multiplicaram no curso da modernidade, antes com o cinema, depois com a televisão e, enfim, com a internet. A análise de Türcke (o livro em alemão foi publicado há dez anos) reflete ainda o macrotrauma do choque espetacular do 11 de setembro de 2001, mas o sensacionalismo – assim como o conhecemos – aprofunda suas raízes no século XVIII, depois do terremoto de Lisboa (1755) e da revolução francesa, desencadeando-se uma escalada linguística do conceito de sensação, que começou conotando-se como “escândalo”, “fermento”, “inquietude”. Um deslize semântico que continua até hoje, onde a avalanche de inputs sensoriais requerem estímulos ainda mais fortes. “A excitabilidade se eleva como decisivo imperativo social, motor de uma indústria tanto do imaterial quanto a das mercadorias”. Os choques emocionais não subvertem, porém, a ordem constituída: distraindo e criando o vício, a defendem.

O “estar” se torna decisivo: cada um deve se comportar como um receptor-transmissor. “Não transmitir significa não ser/não se estar/não existir; não só perceber o ‘horror vacui’ do não se ter um emprego, mas ser tomados pelo sentimento de não existir em absoluto”. Vazio. “A difundida coação universal de se estar ocupado – essa fórmula mágica coletiva contra o desemprego, que não tolera que alguém fique “em paz no seu canto” nem durante o tempo livre, e o enche até o pescoço de “ofertas” – é submetida a um considerável processo de unificação, e justamente ao ritmo com que o desenvolvimento técnico converge para um instrumento universal: o computador”. E pensar, salienta Tücker, que na época pós-moderna o “estar inutilizado” “constituía um sinal de opulência, significavaca que “podemos nos permitir, nos dar ao luxo”. Que embaixo da cama houvesse um meia repleta de ouro e joias que nunca seriam tocadas significava que se dispunha de um fundo de reserva. Hoje, uma superfície inutilizada, ou uma poupança que não produza juros, são imediatamente associados à destruição e ao vazio. O caso paradigmático desse vazio contemporâneo, no qual ele mostra toda a sua dureza, é representado pela força-trabalho desempregada. Como é sabido, antes do capitalismo o desemprego existia somente de modo esporádico”. Em resumo, não transmitir, não irradiar, é cada vez menos sustentável. Big Brother e os outros reality shows, por mais que tenham decaído, representaram um novo limiar na coerção para transmitir, levando a condições cada vez mais extremas. Basta citar um episódio não tão recente: em abril de 2001, nos Estados Unidos, verificou-se pela primeira vez uma concorrência quanto aos direitos de transmissão de uma execução capital. A administração judiciária, na época, se opôs. Mas foi, de todo jeito, uma passagem histórica da sociedade excitada.

O dilúvio de estímulos desencadeia ansiedade nos indivíduos, o medo de não ser percebido. A coerção para transmitir é uma luta para existir. A revolução hipertecnológica deixa transparecer sinais de uma regressão ao arcaico. À pré-história. Quando os homens primitivos mais expostos que nós a experiências traumáticas, como a luta contra os animais ferozes, exorcizavam o “terrível” (as próprias sensações medrosas), através de graffitis rupestres. Era uma coerção a repetir a imagem, similar à “neurose traumática” definida, milhares de anos depois, por Sigmund Freud (uma das principais referências de Türcke, além de Karl Marx, Walter Benjamin e outros expoentes da Escola de Frankfurt). “No decorrer da pré-história humana, ao redor de intromissões traumáticas de estímulos, através da repetição coagida, foi se formando progressivamente uma “casca” cultural em que a sensação cicatrizou, crescendo e entrelaçando-se com um fundo de experiência. Agora, a coerção para repetir, de um aparato midiático continuamente em ação e que opera mediante minúsculos choques, cada um dos quais está amplamente abaixo do limiar da dor, começa a desfazer aquele processo de cicatrização e de entrelaçamento”.

Contínuos choques audiovisuais são, segundo Türcke, prejudiciais: quando os neurofisiologistas estimulam de modo preciso certas células nervosas, o estímulo atinge o alvo e o neurônio “se acende”, “mas a vivacidade da sensação consiste só em uma reação reflexa. É análoga à situação que se verifica no bombardeio multimidiático simultâneo imobilizado para “incendiar” os sentidos. O fogo que acende é um fogo de palha. Dura enquanto dura o estímulo, e se apaga assim que o estímulo cessa”. Não há espaço para entender nem para aprofundar. Não há tempo. Existe um antídoto a esse desvio sensacionalista, à excitação coagida, ao populismo reacionário, aos tweets e posts compulsivos, à ‘eventização’ de massas, aos quinze minutos/segundos de celebridade, ao voyeurismo do horror? Trücke não recomenda nem a abstinência midiática nem o ascetismo emocional, sugere um freio de emergência (cita Benjamin) como aquele acionado pelas vanguardas (da Bauhaus ao abstracionismo), que “preencha de bem-aventurança o sistema nervoso e ponha um fim à inquieta e infinita passagem de uma sensação a outra”. Convida a aceitar um dos contrafogos propostos pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, redescobrindo assim o brilho das sensações recônditas. Aquelas que não gostam das primeiras páginas berrantes nem dos reality (shows). O objetivo é recuperar a consciência e a capacidade crítica. Será suficiente? Friedrich Nietzsche dizia: “Os eventos mais importantes não são as nossas horas mais fragorosas, mas aquelas sem voz”.

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