>> Atmosfera espectral, por Christian Caliandro

Atmosfera espectral, por Christian Caliandro

Fonte: alfabeta 2 de 5 de maio de 2012
Tradução: Mario S. Mieli
As duas primeiras ilustrações são de obras da artista Aurora Ghielmini




Reina na Itália, nessas semanas e nesses meses, uma atmosfera estranhíssima e interessante. Espectral. Todos estão distantes, dissociados daquilo que está acontecendo realmente. À espera de um futuro péssimo e sombrio que se desemaranha no presente. Presos na armadilha. A Itália parece infestada, pelo seu passado e sobretudo pelos seus demônios mais recentes. Uma espécie de nostalgia insalubre e difusa por aquilo que nos condenou: um querer voltar atrás, ou melhor, um não querer ir para frente e ver aquilo que nos espera além da colina. Pela preguiça de sempre, misturada com a parálise e o imobilismo que nos últimos vinte anos se agravaram. Que se tornaram crônicos.



Assim, até as análises e as interpretações vagueiam como aparições na paisagem de espectros em que se tornou a Itália contemporânea. “O País das interpretações está habitado por um povo que não sabe interpretar”, como escreve Giuseppe Genna em “Dies Irae” (2006). As ruínas econômicas e sociais lembram de perto o segundo pós-guerra (e isso também já se tornou, com um rapidez impressionante, um mantra): falta completamente, contudo, neste momento, o espírito de reconstrução. A motivação de reconstruir. Aquele entusiasmo e aquela energia amassados com o desespero, de não se ter nada a perder.



Aqui, pelo contrário, permanecemos presos a velhas manias (velhas de três ou quatro décadas); e, em alguns casos, também de três ou quatro séculos, e a mecanismos cansados. Que nunca funcionaram e, com maior motivo, nunca funcionarão num contexto mudado para sempre. A realidade está distante, viaja distante, e não parecemos capazes de agarrá-la nem para revirá-la em nossas mãos. Quanto menos entendê-la. Há uma barreira, uma tela – ainda, sempre – entre aquilo que estamos vivendo e aquilo que nos contamos. Entre aquilo que somos e aquilo que gostaríamos de ser. Voltamos a cair continuamente no domínio, e no equívoco, da representação. Nossa paixão pela “dissimulação” – a distância precisa e intransponível entre o que afirmamos e o que fazemos, entre nossas declarações e nossas ações, entre nossos supostos objetivos e nossos comportamentos – está nos trapaceando definitivamente.



Enquanto os políticos continuam tagarelando e se disputando trapos, despojos, um inteiro sistema institucional (que já partia de uma condição de fragilidade extrema) vai sendo placidamente demolido. A maior parte dos jornalistas se concentra sistematicamente nos detalhes mais errados, insignificantes e “fora do tempo”, perdendo de vista a gigantesca transformação em ato; forçosamente: treinados em uma época frívola, o ângulo a partir do qual observam é inútil – e também prejudicial – para decifrar o que está acontecendo, ou também só para ordenar os elementos. A inadequação do olhar é a cifra dominante.
Os eventos realmente importantes parecem, assim, sem sentido, como foguetes disparados numa noite de nevoeiro; aqueles superficiais e impermanentes assumem uma relevância desproporcional, justamente porque constroem, para uma classe dirigente tomada pela depressão, uma última barreira atrás da qual procurar refúgio, algo para não ter que enfrentar diretamente os verdadeiros problemas e dificuldades da época (melhor concentrar-se, ainda, até que seja possível, nas cortininhas e na eterna comédia das partes: uma autêntica ecolalia mental e cultural que do exterior pode parecer asfixiante e psicótica, mas do interior tem o gosto açucarado da reafirmação, da consolação).



Aquela que estamos atravessando é, por outro lado, uma desintegração tipicamente nossa, característica de “Um País Sem”: a parte trágica se colora, contudo, de tintas grotescas, como num filme de Zampa ou de Comencini. O espectro de Ugo Tognazzi – um dos tantos, um dos melhores – vagueia por este deserto com seu inconfundível sorriso de escárnio.

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