>> Além dos paradigmas fossilizados: a futura economia alimentar, por Vandana Shiva

Além dos paradigmas fossilizados: a futura economia alimentar

A economia do futuro estará baseada em pessoas e na biodiversidade – não em combustíveis fósseis, substâncias químicas tóxicas e monoculturas.

Por: Vandana Shiva
Fonte: The Asian Age de 2 de maio de 2012
Tradução: Mario S. Mieli


Nova Déli, Índia –
A crise econômica, a crise ecológica e a crise alimentar são um reflexo do paradigma econômico ultrapassado e fossilizado – paradigma que se desenvolveu a partir da mobilização de recursos para a guerra, por meio da criação da categoria “crescimento” econômico e que está enraizado na era dos combustíveis fósseis e do petróleo. Precisamos sair desse paradigma fossilizado se quisermos resolver as crises econômica e ecológica.

Economia e ecologia têm a mesma raiz “oikos” – que quer dizer (em grego) ‘lar’, ‘casa’– tanto nosso lar planetário, a Terra, quanto nossa casa, onde vivemos nossas vidas diariamente com nossa família e comunidade.

Mas a economia se extraviou da ecologia, esqueceu a casa e se focalizou no mercado. Um “limite de produção” artificial foi criado para se medir o Produto Interno Bruto (PIB). O limite de produção definiu o trabalho e a produção para o sustento como não-produção e não-trabalho. “Se você produz o que consome, então você não produz”. Num golpe brusco, o trabalho da natureza de produzir mercadoria e serviços desapareceu. A produção e o trabalho das economias de sustento desapareceu, o trabalho de centenas de milhões de mulheres desapareceu.


A essa falsa medida de crescimento, é adicionada uma falsa medida de “produtividade”. A produtividade é o output produzido por unidade de input. Na agricultura, isso deveria envolver todos os outputs dos agro-ecossistemas biodiversos – o composto, a energia e os produtos derivados do leite do gado, o combustível e a forragem e as frutas da agro-silvicultura e as árvores das plantações, os diversos outputs das diversas colheitas. Quando medido honestamente em termos de output total, pequenas fazendas biodiversas produzem mais e são mais produtivas.



Os inputs deveriam incluir todos os inputs – capital, sementes, substâncias químicas, maquinaria, combustíveis fósseis, trabalho, terra e água. A falsa medida de produtividade seleciona um output entre a gama de diferentes outputs – uma única commodity para ser produzida para o mercado, e um input entre todos os diferentes outputs – a mão-de-obra.

Dessa forma, as monoculturas industriais, de baixo output e alto input químico que, de fato, têm uma produtividade negativa, são artificialmente apresentadas como mais produtivas que os plantios pequenos, biodiversos e ecológicos. E isso está na base da falsa suposição de que pequenos plantios devem ser destruídos e substituídos por grandes fazendas industriais.

Essa medida de produtividade falsa e fossilizada está na base das múltiplas crises que enfrentamos quanto a alimentos e agricultura. Está na base da fome e subnutrição porque, enquanto as commodities crescem, a fome e nutrição desapareceram do sistema agrícola. O lucro ou “rendimento” mede o output de uma única commodity, não o output dos alimentos e nutrição.



Essa é a causa raiz da crise agrária.

Quando os custos do input continuam aumentando, mas não são contados na medida da produtividade, os pequenos e marginais agricultores são forçados aos modelo agrícola de alto custo, o qual resulta em endividamento – e em casos extremos, na epidemia de suicídios de cultivadores.

Isso está na base da crise do desemprego.

Quando as pessoas são substituídas por escravos energéticos devido a uma falsa medida de produtividade baseada nos inputs de mão-de-obra somente, a destruição de vidas e trabalho é um resultado inevitável.

Isso também está na base da crise ecológica.

Quando os inputs em termos de recursos naturais, combustível fóssil e substâncias químicas são aumentados mas não contabilizados, mais água e terra são perdidas, mais veneno tóxico é usado, mais combustíveis fósseis são requeridos. Em termos de produtividade dos recursos, a agricultura industrial química é altamente ineficiente. Ela utiliza dez unidades de energia para produzir uma unidade de alimento. Ela é responsável por 75 por cento do uso da água, 75 por cento do desaparecimento da diversidade das espécies, 75 por cento da degradação do solo e da terra e 40 por cento de todas as emissões de Gases de Efeito Serra, que estão desestabilizando o clima.

Em termos de alimentos e agricultura, quando transcendemos a falsa produtividade de um paradigma fossilizado, e mudamos de um enfoque bitolado em rendimentos da monocultura como único output, e mão-de-obra como o único input, em vez de destruir as pequenas unidades agrícolas e cultivadores, passamos a protegê-los – porque eles são mais produtivos em termos reais. Em vez de destruir a biodiversidade, passamos a intensificá-la, porque ela dá mais alimentos e nutrição.

A economia do futuro está baseada no ser humano e na biodiversidade – e não em combustíveis fósseis, escravos energéticos, químicos tóxicos e monoculturas. O paradigma fossilizado de alimentos e agricultura nos dá deslocamento, desapropriação, doenças e destruição ecológica. Deu-nos a epidemia de suicídio de cultivadores e a epidemia de fome e subnutrição. Um paradigma que rouba a vida de 250.000 cultivadores e rouba a forma de sustento de milhões de pessoas, que rouba os meios de vida de metade de nossas gerações futuras, negando-lhes alimentos e nutrição, é evidentemente disfuncional.

Isso tem levado ao crescimento do fluxo de dinheiro e de lucros corporativos, mas tem diminuído a vida e o bem-estar de nossas populações. O novo paradigma que estamos criando no chão – e em nossas mentes – enriquece as formas de sustento, a saúde dos povos e ecossistemas, e das culturas.

Em 2 de abril de 2012, as Nações Unidas organizaram uma Reunião de Alto Nível sobre Bem-Estar e Felicidade: Definindo um novo Paradigma Econômico para Implementar a resolução 65/309 (Wellbeing and Happiness: Defining a new Economic Paradigm to implement resolution 65/309 [PDF]), adotado unanimemente pela Assembléia Geral em julho de 2011 – consciente de que a busca da felicidade é um objetivo humano fundamental e “reconhecendo que o produto interno bruto não reflete adequadamente a felicidade e o bem-estar das pessoas”.

Fui convidada a falar nesta conferência da ONU. A reunião teve lugar no pequeno reinado do Butão, no Himalaia. O Butão abandonou as falsas categorias do PNB e PIB, substituindo-os com a categoria de “felicidade nacional bruta”, a qual mede o bem-estar da natureza e da sociedade.

Jigmi Thinley, primeiro-ministro do Butão, reconheceu que o “cultivo orgânico” e o “cultivo da felicidade e do bem-estar” vão de mãos dadas. Por isso ele pediu à Navdanya e a mim para ajudá-lo a fazer essa transição para 100 por cento de cultivos orgânicos no Butão.

Na Índia, a Navdanya está trabalhando com os estados de Uttarakhand, Kerala, Madhya Pradesh, Jharkhand e Bihar para uma transição orgânica. Nosso alvo é termos uma Índia orgânica até 2050, para acabar com a epidemia de suicídios de cultivadores, a fome e a subnutrição, para parar com a erosão de nosso solo, nossa biodiversidade, nossa água; para criar formas de vida sustentáveis e acabar com a pobreza.

Essa é a “futureconomics “, a economia do futuro.


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