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Simon Critchley: O que é normal?
O poder surpreendente da imaginação política


Fonte: adbusters, 14 Dec 2011
Tradução: Agência Imediata




Estamos vivendo uma separação dramática e cada vez mais ampla entre política normal de estado e poder. Muitos cidadãos ainda acreditam que a política de estado tenha poder. Eles acreditam que os governos, eleitos por meio de um sistema parlamentar, represente os interesses daqueles que o elegeram e que esses governos tenham o poder de criar mudança efetiva e progressiva. Mas não o fazem e não podem fazê-lo.

Não vivemos em democracias. Habitamos plutocracias: governo dos e pelos ricos. As elites corporativas têm um poder esmagador sem responsabilidade nenhuma. Nas últimas décadas, com a cumplicidade e a conivência da classe política, o mundo ocidental tornou-se uma espécie de agremiação de corporações ligadas entre si pelo dinheiro e servindo apenas interesses dos líderes e acionistas de seus respectivos negócios.

Essa situação tem levado a um repugnante e crescente abismo que separa os super-ricos do resto de nós. A política de estado no ocidente nas últimas quatro décadas tem se tornado uma máquina para a criação de uma flagrante desigualdade cuja patina é uma ideologia de um crescente e insípido narcisismo. Como a crise na Eurozona mostra eloquentemente, a política de estado no Ocidente existe simplesmente para servir os interesses do capital na forma de finanças internacionais, que causam um custo humano que Marx nunca poderia ter imaginado, nem em seus sonhos mais sombrios. Independentemente do quanto as pessoas sofrem e protestam nas ruas, dizem-nos que não devemos contrariar os banqueiros. Quem sabe nossa classificação de crédito poderia sofrer uma brusca queda.

Já é hora de trazer a política de volta à classe política através da confrontação com o poder do capital financeiro. O que é tão inspirador sobre os vários movimentos sociais que nós chamamos sem hesitação de Primavera Árabe, é sua corajosa determinação no sentido de recuperar autonomia e autodeterminação política. As reivindicações dos manifestantes em Tahrir Square e em outros lugares é, na realidade, muito clássica: eles rejeitam viver em ditaduras autoritárias concebidas para servir de suporte aos interesses do capital ocidental, das corporações e das corruptas elites locais. Eles querem recuperar a propriedade dos meios de produção, por exemplo, através da nacionalização das principais indústrias estatais.

Os vários movimentos na África do Norte e no Oriente Médio – e o que se tem é simplesmente uma total admiração pela sua coragem coletiva e persistência pacífica – almejam uma coisa: autonomia. Eles reivindicam propriedade coletiva dos lugares onde vivem, trabalham, pensam e se divertem. Sejamos claros: não é só democracia que está sendo exigida em todo o mundo árabe; é socialismo. E as táticas que estão sendo desenvolvidas para concretizá-lo são anárquicas.

Há uma visão profundamente paternalista dessas manifestações – comum entre os políticos ocidentais e seus epígonos intelectuais – a saber, que eles querem o que nós temos: a democracia liberal e a economia neoliberal de nossas boas formas de governo ou regimes. Pelo contrário, os movimentos na África do Norte e no Oriente Médio deveriam ser considerados um exemplo extraordinário para as sociedades europeia e norte-americana daquilo que parece não só possível, mas crescentemente provável: que um outro modo de conceber e praticar as relações sociais é não só possível, como praticável.

Os políticos do ocidente deveriam estar assustados, muito assustados. Estamos em contagem regressiva. O que vemos emergir em nossas sociedades com cada vez mais ousadia, coerência e clareza são movimentos que rejeitam a separação entre política e poder, e que querem reconquistar o poder por meio da invenção de novas formas de ativismo político.

É com esse espírito que eu gostaria de celebrar e congratular os manifestantes das ocupações de Wall Street e seus seguidores em todo o mundo.

Não devemos predizer o futuro, mas acho que estamos entrando num período de crescentes e maciças desarticulações e desordem sociais que nutrem em si incontáveis riscos, inversões dialéticas, fracassos, perigos, falsas auroras e falsas derrotas. Mas creio que estamos todos chegando à percepção simples e poderosa de que os seres humanos agindo pacificamente em conjunto podem alcançar tudo – e que nada poderá detê-los.

Algo está acontecendo. Algo está mudando nas relações entre política e poder. Não sabemos aonde isso nos levará, mas as quatro décadas de consenso ideológico que simplesmente permitiu a criação de uma grotesca desigualdade se quebrou e que, de repente, qualquer coisa e tudo é possível. O que reivindicamos agora é solidariedade, persistência e o poder infinitamente surpreendente da imaginação política.



Simon Critchley é professor de filosofia na New School for Social Research em Nova York. Escreveu mais de uma dúzia de livros, inclusive o famoso Infinitely Demanding: Ethics of Commitment, Politics of Resistance (Infinitamente Exigente: Ética do Compromisso, Política da Resistência) no qual ele argumenta a favor de um anarquismo político eticamente comprometido.

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