O euro, moeda alemã

Por: Maurizio Lazzarato
Fonte: Alfapiù, 22 de janeiro de 2013
Tradução: Mario S. Mieli


Claire Fontaine, Capitalism Kills Love (2008)

O ordo-capitalismo (1) é seguramente uma das inovações políticas principais que estão na origem da construção das instituições europeias. A lógica da governabilidade europeia parece construída sobre o modelo ordo-liberal. O seu método de fazer emergir o “Estado” da “economia” está sendo aplicado quase ao pé da letra. É essa a razão pela qual podemos afirmar que o euro é uma moeda alemã. Ela é a expressão da potência econômica alemã, mas é preciso sublinhar que a potência econômica é inseparável da reconfiguração do Estado como “Estado econômico”, como “Estado social”.

O euro é a expressão de um novo capitalismo de Estado no qual é impossível separar “economia e política”. A propaganda da informação e dos especialistas nos faz entender o quanto é absurdo o projeto da moeda única, do momento que seriam necessárias uma autoridade política, um estado (ou um centro de poder assimilável) e uma comunidade política para legitimar e fundar uma moeda. O euro operou e opera no sentido contrário, partindo da economia, daí sua inevitável fraqueza e falha. Esse ponto de vista reproduz análises do capitalismo de Estado do século XIX e não consegue captar as novidades pressupostas e a dinâmica do capitalismo de Estado da segunda metade do século XX, inventada e praticada pelos ordo-liberais. A constituição é escrita pela economia, como diria Schmitt, o Estado é criado pela economia, como diriam os ordo-liberais.

Os pró-europeus ao estilo de Cohn-Bendit, por outro lado, gostariam de nos fazer acreditar que a moeda única é uma medida absolutamente original de superação do Estado-nação. Na realidade, como os soberanistas, eles não captam o que está em jogo com o euro, ou seja, a construção de um novo espaço de dominação e de exploração do capital. A governabilidade europeia procura construir um espaço e uma população de dimensões adequadas ao mercado mundial. O Estado-nação não representa mais nem um território nem uma população capazes de realizar esse projeto capitalístico.

Contra os soberanistas é preciso, portanto, afirmar que o método não é absurdo e, contra os pró-europeus, que é um método de poder e de exploração neoliberal, uma estratégia adequada às novas condições do capitalismo de Estado. Um capitalismo de Estado neoliberal que procura um espaço diferente da Nação, uma “comunidade diferente” da sociedade nacional para se constituir. As instituições europeias seguem o ensinamento dos ordo-liberais: o Estado não é um pressuposto da economia (e da moeda), mas um resultado dela(s). Mais precisamente, o Estado é uma das articulações desse novo dispositivo de poder capitalista que ele contribui fortemente a criar e manter. Esse projeto não objetiva a unidade e a coesão da Europa, a solidariedade dos seus povos, mas um novo dispositivo de comando e de exploração e, portanto, de divisão de classe. […]


Claire Fontaine, P.I.G.S. (2011)

O capital ainda precisa da “soberania” da moeda estatal para organizar as operações de reconhecimento e de validade ou de não reconhecimento e não validade das dívidas com que estamos arcando. A finalidade desse novo dispositivo de poder de várias cabeças, não é mais aquele da “emancipação radical do econômico respeito ao político”, de modo a “isolar a esfera econômica de cada perturbação externa, principalmente política”.[…]

A crise mostra, pelo contrário, que a reorganização dos dispositivos de poder supera e integra os dualismos da economia e da política, do privado e do público, do Estado e do mercado, etc… implantando uma governabilidade de várias entradas. O poder do capital é transversal à economia, à política e à sociedade. A governabilidade se define precisamente como técnica de conexão e tem o dever principal de articular, para o mercado, a relação entre a economia, a política e o social. A governabilidade neoliberal não é mais uma “tecnologia do Estado”, ainda que o Estado desempenhe um papel muito importante. Foucault tinha reagido aos numerosos críticos segundo os quais a sua teoria do poder não incluía uma teoria do Estado, afirmando que a governabilidade “estaria para o Estado assim como as técnicas de segregação estavam para a psiquiatria, as técnicas disciplinares para o sistema penal, a biopolítica para as instituições médicas”.

A partir dos anos ’70 assistimos ao que poderíamos chamar de uma “privatização” da governabilidade. Ela não é mais exercida exclusivamente pelo Estado, mas por um conjunto de instituições não estatais (bancos centrais, “independentes”, agências de rating, fundos de pensão, instituições supranacionais, etc…) onde as administrações do Estado constituem apenas uma articulação importante, mas somente uma articulação. Esse funcionamento pode ser exemplificado por meio da ação da Troika (Comissão europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) na crise. Num primeiro momento, o Estado e suas administração não só favoreceram o desenvolvimento da “privatização”, como a executaram. Assim como executaram a liberalização dos mercados financeiros e a financeirização da economia e da sociedade. Num segundo tempo, as mesmas administrações assumiram as modalidades de gestão da empresa privada para a gestão dos serviços sociais e do Estado social.

A crise nos mostra em tempo real a constituição e o aprofundamento de um processo que Deleuze e Guattari chamam “capitalismo de Estado”. O entrelaçamento entre Estado e mercado, entre política e economia, entre sociedade e capital foi empurrado ainda mais, aproveitando do colapso financeiro. A gestão “liberal” da crise não hesita em incluir um “Estado mínimo” como um dos dispositivos da sua governabilidade. Para liberar os mercados, ela algema a sociedade, intervindo de modo maciço, invasivo e autoritário na vida da população e pretendendo governar cada “comportamento”. Se, como cada forma de liberalismo, ela produz as “liberdades” dos proprietários, aos não proprietários ela reserva um substituto da já débil democracia “política” e “social”.

Trecho do último livro de Maurizio Lazzarato: “Il governo dele disuguaglianze” (O governo das desigualdades), que será lançado amanhã, 23 de janeiro, na Itália.

(1) O ordo-liberalismo é uma corrente de pensamento econômico fundada por um grupo de políticos e economistas alemães durante a década de 1930-1940. Encontra-se intimamente ligada à Escola de Friburgo e ao conceito de Economia social de mercado. Também é chamada de Neoliberalismo alemão.
Fonte: Wikipedia

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