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Os esquemas dos créditos de carbono compensatórios oneram duplamente os países pobres
Fonte: The New Statesman de 18 de Setembro de 2009

Tradução: Agência Imediata

Agora, a ciência da mudança climática é bem clara, embora a política continue muito turva. Historicamente, os maiores poluidores tem sido os países ricos, industrializados, de modo que fazia sentido que eles pagassem o preço mais alto. O Protocolo de Kyoto, adotado em dezembro de 1997, estabeleceu limites obrigatórios para que aqueles países reduzissem até 2012 suas emissões de gases de efeito estufa em 5%, em média, em confronto com os níveis de 1990. Mas em 2007, os níveis de emissão dos EUA foram 16 por cento mais altos que os níveis de 1990. O American Clean Energy and Security Act, aprovado em junho, obriga os EUA a reduzirem suas emissões até 2020 em 17 por cento abaixo dos níveis de 2005, mas isso representa apenas 4 por cento abaixo dos níveis de 1990.

O Protocolo de Kyoto permite que as nações industrializadas negociem suas respectivas alocações de emissões de carbono e invistam em projetos de mitigação dos efeitos de carbono em países em desenvolvimento, em troca das chamadas Certified Emission Reduction Units (Unidades Certificadas de Redução de Emissão), que eles podem utilizar para cumprir seus alvos de redução. Mas a negociação dessas emissões ou “offsetting”, em outras palavras, a compra de créditos de carbono compensatórios, na realidade não é um mecanismo para reduzir as emissões. Como demostrou o Breakthrough Institute, um think tank sobre o meio-ambiente, o offset de emissões conforme a nova lei dos EUA permite que o crescimento das emissões nos EUA continue como de costume até 2030, “levando-nos a questão: qual é o “limite” neste processo de “limite e negociação”?

Esses esquemas têm mais a ver com a privatização da atmosfera que com a prevenção da mudança climática; os direitos de emissão estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto são várias vezes superiores aos níveis necessários para prevenir um aumento de 2ºC nas temperatures globais. As alocações para o Reino Unido, por exemplo, totalizaram 736 milhões de toneladas de dióxido de carbono em um período de três anos, o que significa a ausência de qualquer cumprimento do empenho estipulado. E os direitos de emissão geram lucros extraordinários aos poluidores.

O Emissions Trading Scheme (Esquema de Negociação das Emissões) concedeu provisões 10 por cento superiores aos níveis de emissão de 2005. Isso se traduziu em 150 milhões de toneladas de superávits de créditos de carbono, o que, aos preços de 2005, corresponde a lucros de mais de 1 bilhão de dólares.

A negociação de créditos de carbono utiliza os recursos das pessoas mais pobres e das regiões mais pobres como “offsets” ou “compensações” para os países mais ricos: é de 50 a 200 vezes mais econômico plantar árvores em países pobres, para absorção de CO2 do que é reduzir as emissões na fonte. Em outras palavras, o ônus da “limpeza atmosférica” recai sobre os mais pobres. De uma perspectiva de mercado, isso poderia parecer eficiente, mas em termos de justiça energética, é perverso sobrecarregar os pobres duas vezes – primeiro, com o impacto da poluição de CO2 na forma de desastres climáticos e depois, com a “compensação” da poluição causada pelos ricos.

Em uma economia globalizada, tratar a poluição através do estabelecimento de níveis de emissões específicas para cada país é inapropriado por duas razões. Em primeiro lugar, nem todos os cidadãos de um país contribuem igualmente para a poluição. Como resultado da China se ter tornado a fábrica do mundo, suas emissões de CO2 superam às dos EUA, colocando-a em primeiro lugar na lista dos poluidores. Em 2006, a China produziu 6,1 bilhões de toneladas CO2; os EUA produziram 5,75 bilhões de toneladas. Mas nos EUA, as emissões per capita foram de 19 toneladas, comparadas a 4,6 toneladas na China. E boa parte do CO2 da China deveriam ser contabilizadas como emissões dos EUA, pois a China produz bens para empresas dos EUA que os EUA vão consumir. A Wal-Mart, por exemplo, importa da China a maior parte dos bens que vende.

De maneira similar, enquanto somente 2,13 por cento das emissões globais emanam da economia doméstica do Reino Unido, há CO2 gerado em nome do Reino Unido na China, na Índia, na África e em outros lugares. A “quota” global de carbono causada pelas empresas do Reino Unido é desconhecida, mas as estimativas sugerem que as emissões associadas com o consumo mundial dos 100 produtos principais do Reino Unido correspondem a 12-15 por cento do total mundial.

Graças à industrialização, as populações mais pobres nas áreas rurais da China e da Índia estão perdendo terra e meio de sustento. Qualificá-los de poluidores é duplamene criminoso. Quando as empresas de todo o mundo terceirizam para a China ou a Índia, elas precisam ser responsabilizadas pela poluição que exportam ao exterior.

A regulação através da negociação dos créditos de carbono é como tocar lira enquanto Roma arde. Os governos e a ONU deveriam impor uma taxa de carbono para as corporações, tanto pela produção – onde quer que as indústrias estejam localizadas – quanto pelo transporte, que o Protocolo de Kyoto não contabiliza diretamente. Incentivos para a energia renovável também são essenciais. Deparamo-nos com uma dura escolha: podemos destruir as condições para a vida humana no planeta apoiando-nos no fundamentalismo do “livre mercado”, ou podemos assegurar nosso futuro trazendo o comércio para dentro do contexto das leis da sustentabilidade ecológica e da justiça social.
© 2009 The New Statesman

Vandana Shiva é uma feminista indiana e ativista em prol do meio-ambiente. Ela é a fundadora e diretora do Navdanya Research Foundation for Science, Technology, and Ecology.

Offset Schemes Require the Poorest to be Twice Burdened
by Vandana Shiva

Published on Friday, September 18, 2009 by The New Statesman
The Injustice of Carbon Offsets

The science of climate change is now clear, but the politics is very muddy. Historically, the major polluters were the rich, industrialised countries, so it made sense that they should pay the highest price. The Kyoto Protocol, adopted in December 1997, set binding targets for these countries to reduce their greenhouse-gas emissions by 5 per cent on average against 1990 levels by 2012. But by 2007, America’s greenhouse-gas levels were 16 per cent higher than 1990 levels. The American Clean Energy and Security Act, which was passed in June, commits the US to reduce emissions to 17 per cent below 2005 levels by 2020, yet this is just 4 per cent below 1990 levels.

The Kyoto Protocol also allows industrialised countries to trade their allocation of carbon emissions, and to invest in carbon mitigation projects
in developing countries in exchange for Certified Emission Reduction Units, which they can use to meet reduction targets. But emissions trading, or offsetting, is not in fact a mechanism to reduce emissions. As the Breakthrough Institute, an environmental think tank, has pointed out, the emissions offset in the American act would allow “business as usual” growth in US emissions until 2030, “leading one to wonder: where’s the ‘cap’ in ‘cap and trade’?”.

Such schemes are more about privatising the atmosphere than about preventing climate change; the emissions rights established by the Kyoto Protocol are several times higher than the levels needed to prevent a 2°C rise in global temperatures. Allocations for the UK, for example, added up to 736 million tonnes of carbon dioxide over three years, meaning no reduction commitments. And emissions rights generate super profits for polluters.

The Emissions Trading Scheme granted allowances of 10 per cent more than 2005 emission levels. This translated to 150 million tonnes of surplus carbon credits, which at 2005 prices translates into profits of more than $1bn.

Carbon trading uses the resources of poorer people and poorer regions as “offsets” for richer countries: it is between 50 and 200 times cheaper to plant trees in poor countries to absorb CO2 than it is to reduce emissions at source. In other words, the burden of “clean-up” falls on the poor. From a market perspective, this might appear efficient, but in terms of energy justice, it is perverse to burden the poor twice – first with the impact of CO2 pollution in the form of climate disasters and then with offsetting the pollution of the rich.

In a globalised economy, addressing pollution by setting emissions levels for each country is inappropriate for two reasons. First, not all the citizens of a country contribute to pollution. As a result of China becoming the world’s factory, its CO2 emissions outstrip those of the US, putting it in first place worldwide. In 2006, China produced 6.1 billion tonnes of CO2; the US produced 5.75 billion tonnes. But in the US, emissions were 19 tonnes of CO2 per capita, compared with 4.6 tonnes in China. And much of China’s CO2 could be counted as US emissions, because China is producing goods for US companies that America will consume. Wal-Mart, for example, procures most of what it sells from China.

Similarly, while only 2.13 per cent of the world’s emissions emanate from the UK’s domestic economy, CO2 is created on the UK’s behalf in China, India, Africa and elsewhere. The global carbon footprint of UK companies is not known, but estimates suggest that emissions associated with worldwide consumption of the top 100 UK products accounts for between 12 and 15 per cent of the world total.

Thanks to industrialisation, the rural poor in China and India are losing out on their land and livelihood. To count them as polluters is doubly criminal. When global firms outsource to China or India, they need to be responsible for the pollution they carry overseas.

Regulating by carbon trading is like fiddling as Rome burns. Governments and the UN should impose a carbon tax on corporations, both for production – wherever their facilities are located – and for transport, which the Kyoto Protocol does not account for directly. Incentives for renewable energy are also essential. We face a stark choice: we can destroy the conditions for human life on the planet by clinging to “free-market” fundamentalism, or we can secure our future by bringing commerce within the laws of ecological sustainability and social justice.
© 2009 The New Statesman

Vandana Shiva is an Indian feminist and environmental activist. She is the founder/director of Navdanya Research Foundation for Science, Technology, and Ecology.

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