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Não sou um herói. Simplesmente agi como um cidadão iraquiano que testemunhou a dor e o derramamento de sangue de um número demasiado de inocentes

Fonte: The Guardian/UK de 18 de setembro de 2009

Tradução: Imediata

Estou livre. Mas o meu país continua prisioneiro de guerra. Muito se falou sobre a ação e a pessoa que a tomou, assim como sobre o herói e o ato heróico, e o símbolo e o ato simbólico. Mas eu respondo simplesmente: o que me compeliu a agir é a injustiça que se abateu sobre o meu povo, e como a ocupação quis humilhar minha pátria, colocando-a sob suas botas.

Durante os recentes últimos anos, mais de um milhão de mártires caíram sob as balas da ocupação e o Iraque hoje se encontra om mais de cinco milhões de órfãos, um milhão de viúvas e centenas de milhares de mutilados. Muitos milhões estão sem casa, tanto no País como no exterior.

Costumávamos ser uma nação na qual o árabe comparilhava com o turco e o curdo e o assírio e o sabeu e o yazid pão quotidiano. E o xiita rezava junto com o sunita, E o muçulmano celebrava com o cristão o nascimento de Cristo. Isso apesar do fato de que compartilhamos a fome sob as sanções que nos foram impostas por mais de uma década.

Nossa paciência e solidariedade não nos fez esquecer a opressão. Mas a invasão dividiu irmão de irmão, vizinho de vizinho. E tornou nossas casas tendas funerárias.

Eu não sou um herói. Mas tenho um ponto de vista. Tenho uma posição. Senti-me humilhado ao ver meu país humilhado; e ao ver minha Bagdá incendiada e muitas pessoas assassinadas. Milhares de imagens trágicas permanecem em minha cabeça, constringindo-me à confrontação. O escândalo de Abu Ghraib. Os massacres de Falluja, Najaf, Haditha, Sadr City, Basra, Diyala, Mosul, Tal Afar, assim como de cada centímetro de nossa terra ferida. Viajei através de minha terra consumida pelo fogo e vi com meus próprios olhos a dor das vítimas, e ouvi com meus próprios ouvidos os gritos dos órfãos e dos desolados. E um sentimento de vergonha me perseguiu como porque eu me sentia impotente.

Assim que acabei meus deveres profissionais, reportando as tragédias diárias, enquanto eu me limpava dos restos de detritos das casas iraquianas arruinadas, ou do sangue que manchava minhas roupas, rangia os dentes e fazia uma promessa a essas vítimas, uma promessa de vingança.

A oportunidade se apresentou, e eu não a deixei escapar.

Eu agi por lealdade a cada gota de sangue inocente que foi derramada durante a ocupação ou devido ela, a cada grito de uma mãe desolada, a cada gemido de cada órfão, à dor das vítimas de estupro, a lágrima de cada órfão.

Aos que me condenam, respondo: vocês sabem em quantos lares despedaçados entrou aquele sapato que eu atirei? Quantas vezes ele rolou sobre o sangue de vítimas inocentes? Talvez o sapato tenha sido a resposta apropriada quando todos os valores foram violados.

Quando atirei o sapato no rosto do criminoso George Bush, eu queria expressar a minha rejeição de suas mentiras, da ocupação do meu país, minha recusa diante da matança de nosso povo. Minha rejeição da pilhagem da riqueza do meu país, e da destruição de sua infra-estrutura. E condenando os filhos do meu país à diáspora.

Caso eu tenha prejudicado o jornalismo inintencionalmente, devido ao constrangimento profissional que causei ao sistema, peço desculpas. Tudo o que quis foi expressar com a consciência viva de um cidadão que vê a sua pátria profanada a cada dia. O profissionalismo lamentado por certos indivíduos, sob os auspícios da ocupação, não deveria ter uma voz mais eloquente que a voz do patriotismo. E se o patriotismo precisa desembuchar, então o profissionalismo deveria estar aliado a ele.

Não fiz isso para que meu nome entrasse para a História, ou por motivos de ganhos materiais. Só quis defender o meu país.
© 2009 Guardian News and Media Limited

Muntazer al-Zaidi é o reporter iraquiano que foi libertado na semana passada, depois de ter sido detido por nove meses na prisão por ter atirado seu sapato contra o ex-presidente dos EUA, George Bush, numa coletiva à imprensa. O texto em ingles foi traduzido por Sahar Issa, correspondente de McClatchy Newspapers www.mcclatchydc.com

Why I Threw the Shoe

I am no hero. I just acted as an Iraqi who witnessed the pain and bloodshed of too many innocents
by Muntazer al-Zaidi

Published on Friday, September 18, 2009 by The Guardian/UK

I am free. But my country is still a prisoner of war. There has been a lot of talk about the action and about the person who took it, and about the hero and the heroic act, and the symbol and the symbolic act. But, simply, I answer: what compelled me to act is the injustice that befell my people, and how the occupation wanted to humiliate my homeland by putting it under its boot.

Over recent years, more than a million martyrs have fallen by the bullets of the occupation and Iraq is now filled with more than five million orphans, a million widows and hundreds of thousands of maimed. Many millions are homeless inside and outside the country.

We used to be a nation in which the Arab would share with the Turkman and the Kurd and the Assyrian and the Sabean and the Yazid his daily bread. And the Shia would pray with the Sunni in one line. And the Muslim would celebrate with the Christian the birthday of Christ. This despite the fact that we shared hunger under sanctions for more than a decade.

Our patience and our solidarity did not make us forget the oppression. But the invasion divided brother from brother, neighbour from neighbour. It turned our homes into funeral tents.

I am not a hero. But I have a point of view. I have a stance. It humiliated me to see my country humiliated; and to see my Baghdad burned, my people killed. Thousands of tragic pictures remained in my head, pushing me towards the path of confrontation. The scandal of Abu Ghraib. The massacre of Falluja, Najaf, Haditha, Sadr City, Basra, Diyala, Mosul, Tal Afar, and every inch of our wounded land. I travelled through my burning land and saw with my own eyes the pain of the victims, and heard with my own ears the screams of the orphans and the bereaved. And a feeling of shame haunted me like an ugly name because I was powerless.

As soon as I finished my professional duties in reporting the daily tragedies, while I washed away the remains of the debris of the ruined Iraqi houses, or the blood that stained my clothes, I would clench my teeth and make a pledge to our victims, a pledge of vengeance.

The opportunity came, and I took it.

I took it out of loyalty to every drop of innocent blood that has been shed through the occupation or because of it, every scream of a bereaved mother, every moan of an orphan, the sorrow of a rape victim, the teardrop of an orphan.

I say to those who reproach me: do you know how many broken homes that shoe which I threw had entered? How many times it had trodden over the blood of innocent victims? Maybe that shoe was the appropriate response when all values were violated.

When I threw the shoe in the face of the criminal, George Bush, I wanted to express my rejection of his lies, his occupation of my country, my rejection of his killing my people. My rejection of his plundering the wealth of my country, and destroying its infrastructure. And casting out its sons into a diaspora.

If I have wronged journalism without intention, because of the professional embarrassment I caused the establishment, I apologise. All that I meant to do was express with a living conscience the feelings of a citizen who sees his homeland desecrated every day. The professionalism mourned by some under the auspices of the occupation should not have a voice louder than the voice of patriotism. And if patriotism needs to speak out, then professionalism should be allied with it.

I didn’t do this so my name would enter history or for material gains. All I wanted was to defend my country.
© 2009 Guardian News and Media Limited
Muntazer al-Zaidi is an Iraqi reporter who was freed this week after serving nine months in prison for throwing his shoe at former US president George Bush at a press conference. This edited statement was translated by McClatchy Newspapers correspondent Sahar Issa
www.mcclatchydc.com

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