Hiper-globalização: nós, súditos da fábrica-mundo
Por: Giorgio Cattaneo
Fonte: libreidee.org
Via: oltrelacorte
Tradução: Mario S. Mieli
Neutralizar o Estado, deixá-lo sem dinheiro e arreá-lo numa rede cada vez mais intricada de vínculos. Está acontecendo faz tempo. Objetivo: desarticular as funções públicas soberanas, para a vantagem de um superpoder externo – dominante, negociante, privatizado. Atrás de políticas regularmente insuficientes, decepcionantes e aparentemente incompreensíveis, há um horizonte claríssimo, chamado hiper-globalização.
Funciona assim: a cadeia produtiva das mercadorias é picada e subcontratada nas regiões do mundo onde o trabalho custa menos. Assim, as instituições nacionais – completamente esvaziadas – em vez de tutelarem os próprios cidadãos, são chamadas fundamentalmente para facilitar o novo business, removendo obstáculos e regras. O que agora temos pela frente, segundo Christophe Ventura, é uma integração mundial das elites, como “superclasses oligárquicas globalizadas”. Estão anos luz “à frente”: têm diante de si sindicatos inofensivos, políticos complacentes e mídias colonizadas. A área nacional, com suas crises econômicas, é só o último nível, já irrelevante, do grande jogo planetário.
Apesar da crise financeira de 2008 e da consequente redução da demanda nos EUA, na China e na Europa,?em 2012 o volume mundial do comércio aumentou em 2% comparado com 5,1% em 2001, e espera-se um incremento de 2,5% para 2013. O trading agora representa 33% do PIB mundial. Esse aumento inédito da combinação comercial planetária, segundo os economistas Arvind Subramanian e Martin Kessler constitui a primeira característica da hiper-globalização que nos está literalmente engolindo. É o que diz a OMC: entre 1980 e 2011, o volume de mercadorias transacionadas em escala global quadruplicou. E cada ano o comércio cresce duas vezes mais rapidamente que a produção. O novo mapa mundial das mercadorias, observa Ventura em um post publicado pelo site “Come Don Chisciotte”, revela uma clamorosa fragmentação geográfica da produção e da desagregação das funções produtivas em escala mundial: “Os fluxos comerciais se inserem atualmente em ‘cadeias internacionais de valor’ que organizam os processos de produção segundo distintas sequências, realizadas (com frequência de modo contemporâneo) em lugares diferentes do planeta, segundo lógicas de otimização do território”.
Tudo isso, acrescenta Ventura, é em função da estratégia das multinacionais: fisco, organização social, salários, dimensão financeira, desenvolvimento tecnológico e até educação e arranjos institucionais. Assim, nos últimos vinte anos, assistimos ao nascimento de um esquema consolidado: a propriedade da sociedade, das patentes e das marcas, inclusive pesquisa e desenvolvimento, se concentram no centro da economia mundial (especialmente nos países da Tríade – EUA, Europa e China), enquanto a criação e a montagem dos produtos são realizadas em países menores (Ásia, América Latina, África, Oriente) através de empresas às quais se subcontrata esta função, assim como a distribuição, a venda e os serviços pós-venda (no Magrebe ou na Índia, por exemplo). Desse modo, resume Ventura, as 80.000 multinacionais registradas no mundo) que absorvem dois-terços do comércio internacional) controlam a mão-de-obra do planeta.
Segundo a CEPAL, organismo econômico da ONU, quem reboca o business mundial são três grandes redes de distribuição: a “fábrica América”, guiada pelos EUA, a “fábrica Europa”, sob chefia da Alemanha e a “fábrica Ásia”, cuja liderança foi assumida por Pequim, superando Tóquio. “Essas três “fábricas” se caracterizam pelo alto nível do comércio inter-regional, que por sua vez se organiza em volta da produção de bens intermediários para esses mesmos centros”. Segundo as estimativas do Ministério do Comércio francês, no mundo todo, a metade do valor das mercadorias exportadas é composta de partes e componentes importados. “Na França, a proporção é de 25%. Nos países em vias de desenvolvimento, a proporção é de 60%. O iPhone e a Barbie são os símbolos desse mercado “Made in the World”. No contexto que emerge disso, observa-se como, a partir de 2010 e ainda mais de 2013, nasceram novas formas de acordos de livre comércio fora dos contextos multilaterais da OMC. São chamados acordos “mega-regionais” ou “mega-bilaterais”, e investem em cada área do mundo, do Atlântico ao Pacífico. “Sua função é ao mesmo tempo política, geopolítica e econômica”, explica Ventura. “Trata-se de organizar no longo prazo a segurança dos investimentos e das atividades – assim como de facilitar as operações dos atores financeiros e econômicos globalizados”.
Facilitar o business, superando qualquer obstáculo: “Tudo isso com o objetivo de consolidar e desenvolver a mais valia das mercadorias no contexto dos espaços transnacionais adequados às cadeias globais da produção, no agir e implantar as multinacionais do centro da economia mundial que compartilham interesses comuns com os atores econômicos, comerciais e financeiros locais e regionais”. A grande meta dos globalizadores é sempre a mesma: passar por cima da geografia local (inclusive de suas leis trabalhistas) e desenhar novas fronteiras econômicas, financeiras e comerciais entre os países. Não se objetiva só “harmonizar” os direitos alfandegários, mas também impor “os padrões jurídicos dos países hegemônicos da Tríade”, ultrapassando a chamada barreira “sem tarifas”: normas sanitárias e fitossanitárias, condições de acesso aos mercados públicos, direitos de propriedade, segurança dos investimentos, políticas de competência. “Essa nova transformação do capitalismo – salienta Ventura – tonifica as dinâmicas de fusão entre os Estados interessados aos mercados, desconectando assim a capacidade de controle democrático do povo – o único capaz de controlar o poder do capital – e, em última instância, submeter as nossas sociedades à sua destrutiva dominação”.