Uma humanidade sem deus e submersa pelo nada
Por: Gianni Tirelli
Fonte: stampalibera
Tradução: Mario S. Mieli
Instalação “SIM” de Regina Vater, parte da mostra “CULTIVARE”, Rio de Janeiro, 2007
O homem que não possui terra, que não ara, não semeia e não recolhe os seus frutos benditos, não pode considerar-se tal, mas um elemento impróprio de um desenho imperturbável e de um habitat no qual ele não se reconhece.
Essa inédita espécie humana é como uma abelha sem flores, um peixe sem mar, uma árvore sem raízes, um pássaro sem céu, uma religião sem Deus, um coração sem paixão e uma vela sem vento.
Não somos mais que as engrenagens usadas e enferrujadas, cujos custos relativos à sua manutenção e à drenagem de todas as escórias tóxicas produzidas e dispersas no território superam de muito os benefícios trazidos para a comunidade (no sentido de qualidade de vida e felicidade), e os próprios ganhos.
A capacidade de sonhar, de amar, de acreditar e de ter esperança, são todas produto daquela relação simbiótica (troca mútua) que, desde sempre, o ser humano teve e cultivou com a Terra, mãe indiscutível do nosso destino. Uma Terra hoje inconsolável, vilipendiada, violentada e estuprada por uma horda de diabos com o colarinho branco e gravatas berrantes, que mercantilizaram com Satanás o sangue e o futuro dos nossos filhos através de vício e perversão.
Aqueles que nós definimos “distúrbios do sistema nervoso”, em síntese, não são mais que os efeitos induzidos pelo dramático destacamento que a “modernidade” produziu entre o homem e a natureza e, portanto, entre as várias e infinitas entidades espirituais.
Uma boa parte do velho mundo resistiu até 60 ou 70 anos atrás, depois de milênios em que o ser humano (aquele verdadeiramente sapiens) extraía cada forma de sustento, verdadeira alegria e verdadeira dor da Mãe Suprema, a TERRA.
Os nossos medos mais perversos, produzidos pela “modernidade relativizante”, invalidam as nossas escolhas e os comportamentos quotidianos – e são o lógico resultado desse destacamento entre homem e natureza.
As tradições, o rito mágico, a iniciação, o folclore, o temor do incognoscível eram as fundações éticas de um viver consciente. Hoje estamos submersos pelo Nada e envolvidos numa dor pungente da qual não nos podemos libertar. E não adiantam fármacos, drogas e histérica alegria para acalmar a nossa dor existencial! Está na hora de nos pacificarmos com a natureza; abandonar as cidades para afundar nossas mãos na terra – escavar com a enxada, semear, colher e, enfim, esperar. Esse é o único conhecimento e medicamento e cura para todos os nossos males: reencontrar a nossa verdadeira essência, as emoções, as atmosferas, a magia, o silêncio e a Fé, sem a qual nada tem sentido.
No passado, o culto religioso, em todas as suas múltiplas e diversas formas, se exprimia como liturgia de agradecimento, com o fim de congraçar-se na benevolência do Céu porque não se interrompesse aquele estado de graça que a natureza dispensava aos homens, com magnanimidade e em abundância.
O ateísmo rampante nas sociedades ocidentais consumistas e relativistas (e que as representa em quanto tais) é a lógica resultante de um mal-estar físico, psíquico e existencial de massa, frustrante, paranoico e vingativo, que se desassocia de cada conceito de bem comum e solidariedade. Uma atitude totalmente voltada para um estéril oportunismo individual e fechamento para o exterior. Portanto, a felicidade, além de ser sinônimo e pressuposto de fé e de esperança, induz os ânimos à benevolência e os corações às paixões, mitigando assim as suas penas passageiras e colocando a dor e a morte na esfera daquelas inevitáveis necessidades estruturais que, como a alegria e a saúde, exaltam e corroboram o mistério da vida. Consciência, autoestima e sentimento de pacificação, então, são estreitamente ligadas àquela condição ideal que só a felicidade pode produzir.
E os ritos propiciatórios arcaicos (em alguns casos com o sacrifício de animais e, mais raros, de vidas humanas), tinham o objetivo e o escopo de se tornarem mediadores para interceder na obtenção de graças, favores e perdão. Nesta época moderna caracterizada por uma idolatria de baixíssimo nível, onde se mistificam as estrelas da música, os jogadores de futebol, pilotos, atores, políticos anões, prostitutas e empreendedores poluidores, o conceito de “divino” foi para sempre cancelado de cada ação humana, sentimento e emoção. Uma porção de fogo deseducadora e mistificadora que o Sistema Besta colocou em ação para mercantilizar (sem mais nenhum obstáculo de natureza ética e moral), a sua efêmera e imunda mercadoria.
O mundo camponês do passado, que representava cerca de 99% da população, caracterizava-se pela autonomia e autossuficiência e, cada indivíduo ou grupo definia e determinava uma sua “razão de ser”, sobre a satisfação das necessidades primárias e essenciais, relativas ao e dependentes do território; à sua capacidade de produzir bens e privilégios (água, fertilidade, energia) e sobre o impulso propulsivo de consolidadas tradições e atávicas crenças. Diferentemente de hoje e, em antítese com as ingênuas teorias iluministas, cada razão era cumprida há tempo e, no individualismo prolífico era consagrado o valor da diversidade.
Hoje a ciência árida e oportunista, massacrou cada valor e princípio, mercantilizando-os em troca de ilusão e vãs promessas, e relegando a humanidade ao crepúsculo de um limbo gelatinoso, esvaziando os homens de cada objetiva e arbitrária responsabilidade e perspectiva. A força de vontade que, no passado, tinha a função, o objetivo e a potência de produzir diversidade e mérito, falhou, para se transfigurar em homologação e supina aceitação.
Hoje não tem mais tripa para gatos? O trabalho não paga e, o que é pior, ele nos embrutece e nos torna maus, tornando-nos refratários às necessidades dos outros e, sempre mais vulneráveis à dor e à doença. Melhor ficarmos trancados em casa, fechados, imóveis, na trepidante espera da grande implosão do Sistema. Assim, não tem mais nada que comprar, que consumir, nada para investir, nada para dizer, em que acreditar e esperar. Que política, que manobras, que bens refúgio! Desenvolvimento, crescimento, pesquisa, são as palavras vazias de um refrão dissonante e cansativo que seus próprios autores não têm mais coragem de entoar.
O Sistema, por outro lado, sobrevive justamente em virtude de tais aberrantes comportamentos, e sobre uma evidente estupidez das pessoas que, no tempo, se transfiguraram numa particular forma de escravidão por necessidades virtuais, absolutamente ineficazes e seguramente devastadoras para a saúde.
Uma terceira causa do empobrecimento da sociedade é devido à perda daquela consciência de base que, antes, era sinônimo de autonomia e de autossuficiência onde o indivíduo era o único artífice e responsável pela própria condição. Portanto, o destacamento radical do homem com relação à Terra é a única e verdadeira causa da tragédia humana, moral e de civilização que, em breve, explodirá em toda a sua potência com todas as consequência do caso.
Logo (em retrospectiva) tínhamos que ter investido em bens duradouros, essenciais e não sujeitos a falsificação, imunes a toda possível interferência industrial que pudesse contaminar sua natureza. Esses dons sagrados que, desde o começo dos tempos, determinaram a condição humana e as suas imprescindíveis e originárias razões, se atestam nos elementos de Terra, Água, Ar e Fogo, em virtude de um quinto, fundador, criador e gerador de todas as coisas que, na Fé, exprime toda a sua potência e natureza transcendente: Deus.