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Por Giorgio Agamben
Fonte: Frankfurter Allgemeine Zeitung de 20/11/2001, via http://libcom.org/library

Tradução: Agência Imediata

“Podemos dizer que a política trabalha secretamente no sentido da produção de emergências.” Breve artigo escrito como resposta aos ataques do 11 de setembro, pelo filósofo Giorgio Agamben, publicado pelo Frankfurter Allgemeine Zeitung em 20 de setembro de 2001.

A segurança como princípio condutor da política de estado remonta ao nascimento do estado moderno. Ela é já mencionada por Hobbes como o oposto do medo, o qual compele os seres humanos a se reunirem ao interior de uma sociedade. Mas só no século dezoito a idéia de segurança adquire um sentido próprio. Numa conferência de 1978 no Collège de France (ainda a ser publicada), Michel Foucault mostrou como a prática política e econômica dos fisiocratas opõe segurança à disciplina e à lei, como instrumentos de governo.

Turgot e Quesnay, assim como os funcionários fisiocratas do governo, não estavam preocupados principalmente com a prevenção da fome ou a regulamentação da produção, mas queriam permitir o seu desenvolvimento para, em seguida, regulamentarem e “assegurarem” suas conseqüências. Enquanto o poder disciplinar isola territórios, impedindo-lhes a passagem, as medidas de segurança levam a uma abertura e à globalização; enquanto a lei quer prevenir e regular, a segurança intervém através de processos contínuos, com o fim de dirigi-los. Em poucas palavras, a disciplina quer produzir ordem, a segurança quer regular a desordem. Como as medidas de segurança podem funcionar somente dentro de um contexto de liberdade de tráfego, comércio e iniciativa individual, Foucault mostra que o desenvolvimento da segurança acompanha as idéias do liberalismo.

Hoje nos deparamos com desenvolvimentos extremos e muito perigosos quanto à idéia de segurança. Durante uma época de gradual neutralização da política e abandono progressivo das tradicionais funções do estado, a segurança se torna o princípio básico da atividade de estado. O que antes era apenas uma entre várias medidas definitivas de administração pública, até a primeira metade do século vinte, agora se torna o único critério de legitimização política. A idéia de segurança traz consigo um risco essencial. Um estado que faz da segurança sua única tarefa e fonte de legitimidade é um organismo frágil; ele é sempre passível de ser provocado pelo terrorismo, até se tornar ele mesmo terrorista.

Não devemos esquecer que a primeira importante organização de terror depois da Guerra, a Organisation de l’Armée Secrète (OAS), foi estabelecida por um general francês que se julgava patriota, convencido de que o terrorismo era a única resposta possível ao fenômeno da guerrilha na Argélia e na Indochina. Quando a política, assim como entendida pelos teóricos da “ciência política” do século dezoito, se reduz à polícia, a diferença entre estado e terrorismo tende a desaparecer. No fim das contas, a segurança e o terrorismo acabam formando um mesmo sistema letal, no qual um justifica e legitimiza as ações do outro.

O risco não é meramente o desenvolvimento de uma cumplicidade clandestina de oponentes, mas de que a busca por segurança leva a um mundo de guerra civil que torna impossível qualquer tipo de coexistência civil. Na nova situação criada pelo fim da forma clássica de guerra entre estados soberanos, fica evidente que a segurança encontra a sua finalidade na globalização: implicando a idéia de uma nova ordem planetária global, a qual é, na verdade, a pior de todas as desordens.

Mas há ainda outro perigo. Como elas requerem uma referência constante a um estado de exceção, as medidas de segurança trabalham no sentido de uma crescente despolitização da sociedade. A longo prazo, as medidas de segurança são irreconciliáveis com a democracia.

Nada é mais importante que a revisão do conceito de segurança como princípio básico da política de estado. Os politicos europeus e americanos finalmente devem levar em consideração as conseqüências catastróficas do uso geral e não crítico dessa idéia. Não é que as democracies deveriam parar de se defenderem mas, talvez, que tenha chegado a hora de se trabalhar no sentido de se prevenir a desordem e a catástrofe, e não meramente de se procurar controlá-las. Ao contrário, podemos dizer que a política trabalha secretamente no sentido da produção de emergências. É função da política democrática a de prevenir o desenvolvimento de condições que levam ao ódio, ao terror e à destruição, e não apenas se limitar a tentativas de controlar esse fenômenos depois que tenham ocorrido.

In English:
On security and terror – Giorgio Agamben
Giorgio Agamben
http://libcom.org/library/on-security-and-terror-giorgio-agamben

“We can say that politics secretly works towards the production of emergencies.” A short article written in response to the 9-11 attacks by the philosopher Giorgio Agamben published in Frankfurter Allgemeine Zeitung [Frankfurt general newspaper] September 20, 2001.

Security as leading principle of state politics dates back to the the birth of the modern state. Hobbes already mentions it as the opposite of fear, which compels human beings to come together within a society. But not until the 18th century does a thought of security come into its own. In a 1978 lecture at the Collége de France (which has yet to be published) Michel Foucault has shown how the political and economic practice of the Physiocrats opposes security to discipline and the law as instruments of governance.

Turgot and Quesnay as well as Physiocratic officials were not primarily concerned with the prevention of hunger or the regulation of production, but wanted to allow for their development to then regulate and “secure” their consequences. While disciplinary power isolates and closes off territories, measures of security lead to an opening and to globalization; while the law wants to prevent and regulate, security intervenes in ongoing processes to direct them.In short, discipline wants to produce order, security wants to regulate disorder. Since measures of security can only function within a context of freedom of traffic, trade, and individual initiative, Foucault can show that the development of security accompanies the ideas of liberalism.

Today we face extreme and most dangerous developments in the thought of security. In the course of a gradual neutralization of politics and the progressive surrender of traditional tasks of the state, security becomes the basic principle of state activity. What used to be one among several definitive measures of public administration until the first half of the twentieth century, now becomes the sole criterium of political legitimation. The thought of security bears within it an essential risk. A state which has security as its sole task and source of legitimacy is a fragile organism; it can always be provoked by terrorism to become itself terroristic.

We should not forget that the first major organization of terror after the war, the Organisation de l¹Armée Secrète (OAS), was established by a French general, who thought of himself as a patriot, convinced that terrorism was the only answer to the guerrilla phenomenon in Algeria and Indochina. When politics, the way it was understood by theorists of the “science of police” in the eighteenthe century, reduces itself to police, the difference between state and terrorism threatens to disappears. In the end security and terrorism may form a single deadly system, in which they justify and legitimate each othetrs actions.

The risk is not merely the development of a clandestine complicity of opponents, but that the search for security leads to a world civil war which makes all civil coexistence impossible. In the new situation created by the end of the classical form of war between sovereign states it becomes clear that security finds its end in globalization: it implies the idea of a new planetary order which is in truth the worst of all disorders.

But there is another danger. Because they require constant reference to a state of exception, measure of security work towards a growing depoliticization of society. In the long run they are irreconcilable with democracy.

Nothing is more important than a revision of the concept of security as basic principle of state politics. European and American politicians finally have to consider the catastrophic consequences of uncritical general use of this figure of though. It is not that democracies should cease to defend themselves: but maybe the time has come to work towards the prevention of disorder and catastrophe, not merely towards their control. On the contrary, we can say that politics secretly works towards the production of emergencies. It is the task of democratic politics to prevent the development of conditions which lead to hatred, terror, and destruction and not to limits itself to attempts to control them once they have already occurred.

Translated by Soenke Zehle.

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