Golpe na PUC, por Silvio Mieli
Tanto o cardeal quanto a candidata escolhida pela Igreja evitaram um contato direto com a comunidade, preferindo expressarem-se através da mídia
Fonte: Brasil de Fato, 17/12/2012
foto Beatriz Macruz
A indicação por parte do cardeal dom Odilo Sherer da candidata menos votada para a reitoria da Pontifícia Universidade Católica (PUC–SP) — contrariando a postura dos seus antecessores, que sempre acataram o escolhido por eleição direta — significou um golpe para a maioria absoluta da comunidade puquiana.
O cientista político italiano Norberto Bobbio reconhece em todo golpe um tradicional “método da direita para conquistar o poder político”, que implica numa vontade em aplicar um novo ordenamento institucional e instaurar um novo poder de fato.
Outra característica dos golpes é a falta de diálogo. Assim, tanto o cardeal quanto a candidata escolhida pela Igreja evitaram um contato direto com a comunidade, preferindo expressarem-se através da mídia. Dom Odilo, por exemplo, só se manifestou explicitamente em artigo para a Folha, no dia 7 de dezembro. Fiquemos nas duas primeiras frases do texto: “Não dissimulo o empenho para ressaltar a identidade católica da PUC. O mundo parece esquecer Deus, mas vida e dignidade da mulher são valores inegociáveis”.
A primeira frase parece óbvia, ainda que não justifique a opção pela professora Anna Cintra. A PUC não corria risco algum de perder a identidade católica se referendasse o candidato escolhido diretamente (o católico prof. Dirceu de Mello). Ocorre que os ventos estão soprando em outra direção. Para muitos analistas, a Igreja Católica continua hegemônica no Brasil, só que está assumindo cada vez mais a lógica dos evangélicos (vide padres cantores), além da aproximação para com grupos ultraconservadores (como a Opus Dei). Portanto, o problema não é de natureza religiosa ou teológica, mas econômica e estratégica.
Quanto à segunda frase do cardeal, sua alusão à “vida e dignidade da mulher” nos remete à atuação de um grupo sui-generis de mulheres feministas, as Católicas pelo Direito de Decidir (CDD). A função da ONG é analisar em que medida existe um pensamento católico que dificulta o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos na vida das mulheres. As Católicas não falam de fora da instituição, posto que têm como base a tradição da própria Igreja.
Corajosamente, o movimento afirma que a Igreja Católica não se confunde com a hierarquia eclesiástica, sua voz oficial, mas define-se pela luta do “povo de Deus”. A atuação das Católicas, que encarnam uma dentre as múltiplas vozes da Igreja, merece ser resgatada em tempos de golpe, quando retira-se violentamente de católicos (e não católicos) da PUC o direito de decidir sobre o seu futuro.
Artigo originalmente publicado na edição impressa 511 do Brasil de Fato
Para mais detalhes e acompanhar o desdobrar da situação: http://agemt.org/