>>Agrocombustíveis: segredos e trapaças do Banco Mundial, por Silvia Ribeiro

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Fonte: La Jornada de 06-07-2008

Tradução: Agência Imediata

Um informe interno confidencial do Banco Mundial (BM) de abril de 2008 demonstra que a produção de combustíveis agroindustriais, particularmente os derivados do milho, são a causa principal dos preços dos alimentos, revelou ontem o jornal britânico The Guardian. (Aditya Chakrabortty, The Guardian 4/7/2008).

Não se trata de uma pequena contribuição à crise alimentar: segundo o informe coordenado por Don Mitchell, reconhecido economista do Banco, a produção de agrocombustíveis é responsável por até 75 por cento do aumento dos preços dos alimentos, e não 3 por cento, como afirma o governo dos EUA. Fontes do BM declararam ao The Guardian que o informe foi suprimido para “não envergonhar o Presidente Bush”. Outro 15 por cento do aumento seria devido à subida dos preços do petróleo e agroquímicos.

O informe afirma que há três fatores primários que, em efeito dominó, são responsáveis pelo aumento dos preços dos alimentos. Primeiro, que os grãos para a produção de combustíveis foram desviados da produção alimentar. Uma terceira parte da produção de milho nos EUA é utilizada para etanol, ao invés de alimentos. A Europa está utilizando a metade dos azeites vegetais que produz ou importa, para produzir biodiesel. Segundo, o estímulo aos agricultores para que dediquem mais terra para a produção de agrocombustíveis, às custas da terra dedicada para produzir alimentos. Terceiro, a promoção dos agrocombustíveis abriu um excelente terreno para o forte investimento dos fundos financeiros especulativos, causando mais aumento de preços.

Os fundos especulativos (hedge funds) saíram do setor imobiliário em crise e entraram agressivamente na compra de estoques presentes e futuros de grãos, provocando a alta dos preços, como parte das apostas financeiras. Atualmente, mais de 60 por cento das reservas e da produção futura de milho, trigo e soja têm sido compradas por esses tipos de fundos.

O informe confirma também que o aumento do poder aquisitivo em países como a China e a Índia “não levou a aumentos da demanda de grãos a nível global”, assim como explicou claramente Alejandro Nadal (Adeus ao fator China, La Jornada, 11/6/2008). Este é um dos argumentos favoritos dos EUA e do Brasil para justificar a crise alimentar e se desculparem pela agressiva promoção de agrocombustíveis. Mitchell conclui, portanto, que o impacto do etanol brasileiro não teve a mesma carga na debacle internacional de preços. Claro que para o Banco Mundial, o fato de que o etanol brasileiro seja subsidiado com trabalho semi-escravo e com a devastação de ecossistemas únicos, não é um custo.

Segundo dados do Financial Times (30/10/07), o subsídio anual dos países da OCDE aos combustíveis agroindustriais é de 15 bilhões de dólares anuais. David King, anteriormente chefe dos assessores científicos do governo britânico, declarou ao The Guardian “(com os biocombustíveis) estamos subsidiando o aumento do preço dos alimentos enquanto não fazemos nada para enfrentar realmente a mudança climática”.

Não é a primeira vez que o Banco Mundial critica os agrocombustíveis, porém este informe é muito mais detalhado e preciso que os anteriores. Contudo, a proposta “alternativa” do Banco, igual às das empresas de agronegócios, é de que se aumente a ajuda alimentar (assim se subsidiam as mesmas empresas de agronegócios que ganham tanto com os alimentos caros quanto com os agrocombustíveis, e além disso vendem os grãos como “ajuda” alimentar), enquanto se reforça o apoio às próximas gerações de agrocombustíveis, que acarretam cultivos e árvores transgênicos ou coisas piores, como a vida sintética artificial – com a qual competem por terras e água.

Neste cenário, é absurdo e criminoso que o governo mexicano continue insistindo na produção de agrocombustíveis, que somente beneficiarão (e muito, isso sim) às grandes transnacionais de agronegócios que dominam o comércio de grãos no México e no mundo, como a Cargill e a ADM, e às várias que controlam as sementes de milho ou outros cultivos dedicados a esse fim, como a Monsanto, a Syngenta e a Dupont, os barões dos transgênicos.

Qualquer investimento em agrocombustíveis, seja do tipo que for, acirrará a escassez e a carestia de alimentos. Se, além disso, autoriza-se o milho transgênico, como pretende o governo para satisfazer as transnacionais, se aumentará a dependência para com as empresas estrangeiras, ao mesmo tempo em que a contaminação transgênica danificará os cultivos convencionais e tradicionais, patrimônio histórico do México, que nas mãos dos camponeses são a verdadeira solução para a produção de alimentos e da soberania alimentar.

*Pesquisadora do Grupo ETC

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