A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS

Noam Chomsky para o La Jornada

 

 


11 de abril de 2005

Tradução Imediata

Em recentes anos, a filosofia moral e as ciências cognitivas exploraram o que parecem ser profundas intuições morais: talvez, as bases primordiais dos juízos éticos.

Essas investigações se concentram em exemplos fictícios que, com freqüência, revela surpreendentes coincidências de juízo, tanto em crianças como em adultos. Para ilustrar, tomarei um exemplo da vida real que nos conduz ao tema da universalidade dos direitos humanos.

Em 1991, Lawrence Summers, que foi posteriormente secretário do Tesouro do presidente Bill Clinton e é agora presidente da Universidade de Harvard, desempenhava o papel de principal economista do Banco Mundial. Em um memorando interno, Summers demonstrou que o banco devia estimular as indústrias contaminantes para que se mudassem aos países mais pobres do planeta.

A razão era que "a medida dos custos da contaminação causadora de enfermidades dependia das receitas previstas de um aumento da insalubridade e da mortalidade", escreveu Summers. "Desse ponto de vista, uma certa quantidade de contaminação causadora de enfermidades deveria ser feita no país com o custo mais baixo, que seria a nação com os menores salários.

"Creio que a lógica econômica de descarregar lixo tóxico no país onde existirem salários mais baixos é impecável, e devemos levá-la a sério ".

Summers indicou que "qualquer motivo moral" ou "preocupação social" sobre tal ação" podem ser contornados e usados mais ou menos eficazmente contra qualquer proposta do banco a favor de sua "liberalização".

O memorando foi vazado e causou furiosas reações. Um exemplo foi a de José Lutzenburger, secretário do Meio-Ambiente do Brasil, que escreveu a Summers: "o seu raciocínio é perfeitamente lógico e totalmente insano".

O padrão moderno para tais questões é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948.

O artigo 25 declara: "Toda pessoa tem o direito a um padrão de vida adequado para a saúde e o bem-estar de si próprio e de sua família, incluídos alimentos, roupas, moradia e cuidados médicos, assim como serviços sociais necessários, e o direito à segurança em caso de desemprego, enfermidade, incapacidade, viuvez, idade avançada e outras carências em circunstâncias fora de seu controle".

Quase com as mesmas palavras, essas provisões foram reafirmadas em convenções aprovadas pela Assembléia Geral e em acordos internacionais sobre "o direito ao desenvolvimento".

 

Parece razoavelmente claro que esta formulação dos direitos humanos universais refuta a impecável lógica do chefe de economistas do Banco Mundial, considerando-a algo de profundamente imoral, possivelmente insana — o que foi, certamente, um juízo virtualmente universal.

Sublinho a palavra "virtualmente". As culturas ocidentais condenam alguns países como "relativistas", que interpretam a declaração de maneira seletiva. Mas um dos principais relativistas é o Estado mais poderoso do mundo, líder das auto designadas "nações ilustradas".

Há um mês, o Departamento de Estado dos EUA difundiu o seu relatório anual sobre direitos humanos.

"A promoção dos direitos humanos não é só um elemento de nossa política exterior, é a base de nossa política e nossa preocupação principal", disse Paula Dobriansky, subsecretária de Estado para assuntos mundiais.

Dobriansky foi subsecretária de Estado para direitos humanos e assuntos humanos durante os governos de Ronald Reagan e George Bush pai. E enquanto ocupava essa função, tentou dissipar "o mito" de que os "direitos econômicos e sociais" constituem direitos humanos.

Essa posição tem sido reiterada com freqüência, e enfatiza o veto de Washington ao "direito ao desenvolvimento" e sua consistente recusa de aceitar as convenções sobre direitos humanos.

Talvez o governo recuse as provisões da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Porém, a população estadunidense está em desacordo. Um exemplo é a reação pública à proposta de orçamento federal recentemente apresentada, conforme indicou uma pesquisa do Programa de Atitudes Políticas Internacionais da Universidade de Maryland.

Os entrevistados reivindicam drásticos cortes nos gastos militares juntamente com fortes incrementos dos gastos para a educação, a pesquisa médica, o treinamento trabalhista, a conservação de energia, o uso de fontes renováveis, assim como a ajuda econômica e humanitária para as Nações Unidas, junto com o cancelamento dos cortes tributários aos ricos aprovados durante o governo de George W. Bush.

Na realidade, há muita preocupação internacional, e com boas razões, quanto à rápida expansão do déficit comercial e orçamentário dos Estados Unidos. E, de maneira estreitamente relacionada, figura o crescente déficit democrático, não só nos Estados Unidos, como em linhas gerais, em todo o Ocidente.

A riqueza e o poder têm muitas razões para desejar que o público não participe da determinação e implementação de uma política. Esse é outro assunto de grande preocupação, bastante alheado de sua relação com a universalidade dos direitos humanos.

Acaba de ocorrer o 25º aniversário do assassinato do arcebispo Oscar Romero, de El Salvador, conhecido como "a voz dos sem voz", e o 15º aniversário do assassinato de seis importantes intelectuais latino-americanos que eram sacerdotes jesuítas, também em El Salvador.

Os eventos marcaram a horrenda década de 80 na América Central.

Romero e os intelectuais jesuítas foram assassinados por forças de segurança armadas e treinadas por Washington, imediatos mentores dos atuais funcionários em exercício.

O arcebispo foi assassinado pouco depois de escrever ao presidente Jimmy Carter, rogando-lhe que não enviasse ajuda à junta militar de El Salvador, o que "tornaria ainda mais aguda a repressão que foi desatada contra as organizações populares que lutam por defender os direitos humanos mais fundamentais".

O terrorismo de Estado registrou uma escalada, sempre com o respaldo dos Estados Unidos e com a ajuda da cumplicidade e silêncio do Ocidente.

Atrocidades similares estão ocorrendo no presente, nas mãos de forças armadas abastecidas e treinadas por Washington, com o respaldo de aliados ocidentais: por exemplo, na Colômbia, principal violador dos direitos humanos do hemisfério, e principal destinatário da ajuda militar estadunidense.

No ano passado, parece que a Colômbia conservou o recorde de assassinar mais ativistas sindicais que o resto do mundo junto. Em fevereiro, em uma população que se tinha declarado "comunidade de paz" na guerra civil da Colômbia, informou-se que os militares assassinaram oito pessoas, inclusive o líder da população e três crianças.

Menciono esses exemplos para lembrar aos leitores que não estamos comprometidos meramente em seminários ou em princípios abstratos, ou discutindo culturas remotas que não entendemos.

Estamos falando de nós mesmos, e dos valores morais e intelectuais das comunidades privilegiadas em que vivemos. Se não gostamos do que vemos quando olhamos para o espelho com honestidade, temos toda a oportunidade de fazer algo a respeito.

* Noam Chomsky é professor de lingüística no Instituto de Tecnologia do Massachusetts, em Cambridge, e autor do livro, publicado recentemente "Hegemony or survival: America's quest for global dominance".

La universalidad de los derechos humanos

Noam Chomsky

La Jornada 11-04-2005

En años recientes, la filosofía moral y las ciencias cognitivas han explorado lo que parecen ser profundas intuiciones morales: tal vez las bases primordiales de los juicios éticos.

Esas investigaciones se concentran en ejemplos ficticios que con frecuencia revelan sorprendentes coincidencias de juicio, tanto en niños como en adultos. Para ilustrar, tomaré en cambio un ejemplo de la vida real que nos conduce al tema de la universalidad de los derechos humanos.

En 1991, Lawrence Summers, quien fuera posteriormente secretario del Tesoro del presidente Bill Clinton y es ahora presidente de la Universidad de Harvard, se desempeñaba como principal economista del Banco Mundial. En un memorándum interno, Summers demostró que el banco debía alentar a industrias contaminantes a mudarse a los países más pobres del planeta.

La razón era que "la medida de los costos de la contaminación causante de enfermedades depende de los ingresos previstos de un aumento de la morbilidad y la mortalidad", escribió Summers.

"Desde ese punto de vista, una cierta cantidad de contaminación causante de enfermedades debe hacerse en el país con el costo más bajo, que será la nación con los menores salarios.

"Creo que la lógica económica de descargar basura tóxica en el país donde existen los salarios más bajos es impecable, y debemos encararla".

Summers indicó que "cualquier motivo moral" o "preocupación social" acerca de tal acción "pueden ser dados vuelta y usados más o menos eficazmente contra cualquier propuesta del banco en favor de su liberalización".

El memorándum fue filtrado y causó furiosas reacciones. Un ejemplo fue la de José Lutzenburger, secretario del Medio Ambiente de Brasil, quien escribió a Summers: "su razonamiento es perfectamente lógico y totalmente insano".

El estándar moderno para tales cuestiones es la Declaración Universal de los Derechos Humanos, aprobada por la Asamblea General de las Naciones Unidas en 1948.

El artículo 25 declara: "Toda persona tiene el derecho a un estándar de vida adecuado para la salud y el bienestar de sí mismo y de su familia, incluídos alimentos, ropas, vivienda y atención médica, así como servicios sociales necesarios, y el derecho a la seguridad en caso de desempleo, enfermedad, incapacidad, viudez, edad avanzada u otras carencias en circunstancias más allá de su control".

Casi con las mismas palabras, esas provisiones han sido reafirmadas en convenciones suscritas por la Asamblea General, y en acuerdos internacionales sobre "el derecho al desarrollo".

Parece razonablemente claro que esta formulación de los derechos humanos universales rechaza la impecable lógica del jefe de economistas del Banco Mundial considerándola algo profundamente inmoral, posiblemente insana -que fue, por cierto, un juicio virtualmente universal.

Subrayo la palabra "virtualmente". Culturas occidentales condenan algunos países como "relativistas", que interpretan la declaración de manera selectiva. Pero uno de los principales relativistas es el Estado más poderoso del mundo, líder de las autodesignadas "naciones ilustradas".

Hace un mes, el Departamento de Estado de EU difundió su informe anual sobre derechos humanos.

"La promoción de los derechos humanos no es sólo un elemento de nuestra política exterior, es la base de nuestra política y nuestra preocupación principal", dijo Paula Dobriansky, subsecretaria de Estado para asuntos mundiales.

Dobriansky fue subsecretaria de Estado para derechos humanos y asuntos humanos durante los gobiernos de Ronald Reagan y George Bush padre. Y mientras ocupaba esa función, intentó disipar "el mito" de que "los 'derechos económicos y sociales'" constituyen derechos humanos.

Esa posición ha sido reiterada con frecuencia, y subraya el veto de Washington al "derecho al desarrollo" y su consistente rechazo a aceptar las convenciones sobre derechos humanos.

Tal vez el gobierno rechace las provisiones de la Declaración Universal de los Derechos Humanos. Pero la población estadunidense está en desacuerdo. Un ejemplo es la reacción pública a la propuesta de presupuesto federal recientemente presentada, según indicó una encuesta del Programa de Actitudes Políticas Internacionales de la Universidad de Maryland.

Los entrevistados reclaman drásticos cortes en los gastos militares junto con fuertes incrementos de los gastos para la educación, la investigación médica, el entrenamiento laboral, la conservación de la energía, el uso de fuentes renovables, así como ayuda económica y humanitaria para las Naciones Unidas, junto con la cancelación de los recortes impositivos a los ricos aprobados durante el gobierno de George W. Bush.

En la actualidad hay mucha preocupación internacional, y con buenas razones, acerca de la rápida expansión del déficit comercial y presupuestario de Estados Unidos. Y, de manera estrechamente relacionada, figura el creciente déficit democrático, no sólo en Estados Unidos, sino en líneas generales, en todo Occidente.

La riqueza y el poder tienen muchas razones para desear que el público no participe en la determinación e implementación de una política. Ese es otro asunto de gran preocupación, bastante alejado de su relación con la universalidad de los derechos humanos.

Acaba de cumplirse el 25 aniversario del asesinato del arzobispo Oscar Romero, de El Salvador, conocido como "la voz de los sin voz", y el 15 aniversario del asesinato de seis importantes intelectuales latinoamericanos que eran sacerdotes jesuitas, también en El Salvador.

Los eventos enmarcaron la horrenda década de los 80 en Centroamérica.

Romero y los intelectuales jesuitas fueron asesinados por fuerzas de seguridad armadas y adiestradas por Washington, inmediatos mentores de los actuales funcionarios en ejercicio.

El arzobispo fue asesinado poco despues de escribirle al presidente Jimmy Carter rogándole que no enviara ayuda a la junta militar de El Salvador, que "agudizara la represión que ha sido desatada contra las organizaciones populares que luchan por defender los derechos humanos más fundamentales".

El terrorismo de Estado registró una escalada, siempre con el respaldo de Estados Unidos y con ayuda de la complicidad y el silencio de Occidente.

Atrocidades similares están ocurriedo en la actualidad, a manos de fuerzas armadas abastecidas y adiestradas por Washington, con el respaldo de aliados occidentales: por ejemplo, en Colombia, principal violador de los derechos humanos del hemisferio, y principal destinatario de la ayuda militar estadunidense.

Al parecer el año pasado Colombia conservó el récord de asesinar más activistas sindicales que el resto del mundo combinado. En febrero, en una población que se había declarado "comunidad de paz" en la guerra civil de Colombia, se informó que los militares asesinaron a ocho personas, incluídos el líder de la población, y tres niños.

Menciono esos ejemplos para recordar a los lectores que no estamos comprometidos meramente en seminarios o en principios abstractos, o discutiendo culturas remotas que no entendemos.

Estamos hablando de nosotros mismos, y de los valores morales e intelectuales de las comunidades privilegiadas en que vivimos. Si no nos gusta lo que vemos cuando observamos el espejo con honestidad, tenemos toda oportunidad de hacer algo acerca de eso.

* Noam Chomsky es profesor de lingüística en el Instituto de Tecnología de Massachusetts, en Cambridge, y autor del libro, de reciente publicación "Hegemony or survival: America's quest for global dominance".

 

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