A contínua e silenciosa morte da democracia

 

 


John Pilger
15 de abril de 2006

Zmag.org

Tradução Imediata

As pessoas perguntam: isso poderia estar acontecendo na Inglaterra? Certamente que não. Uma constituição democrática vigente há vários séculos não pode ser varrida assim do mapa. Os direitos humanos básicos não podem se tornar abstratos. Aqueles que se tranqüilizavam de que um governo trabalhista nunca cometeria um crime épico desses no Iraque pode, agora, abandonar a última ilusão, de que sua liberdade é inviolável. Se apenas elas soubessem.

A morte da liberdade na Grã-Bretanha não é notícia fresca. As piruetas de ambição do primeiro-ministro e de seu gêmeo político, o tesoureiro, são notícia, se bem de que de mínimo interesse público. Voltando o olhar para os anos trinta, quando as democracias sociais foram distraídas e poderosas panelinhas impuseram seus modos totalitários pelo roubo e pelo silêncio, o aviso é claro. O Projeto de Lei da Reforma Regulamentar e do Legislativo já passou por sua segunda leitura parlamentar sem causar interesse para a maioria dos parlamentares trabalhistas e dos jornalistas do tribunal, apesar de ser completamente totalitário em seu escopo.

Apresentado pelo governo como uma simples medida para aumentar a eficiência da desregulamentação, ou "para se livrar da burocracia", na realidade a única burocracia de que se livrará é aquela do escrutínio parlamentar quanto à legislação do governo, incluindo esse projeto remarcável. Isso significará que o governo pode secretamente mudar a Lei Parlamentar e a constituição, e que as leis poderão ser impostas por decreto de Downing Street. Blair tem demonstrado seu gosto pelo poder absoluto em seu abuso da prerrogativa real, a qual tem sido usada por ele como atalho ao processo parlamentar para ir à guerra e ignorar as decisões judiciárias do tribunal superior, como aquela que declarou ilegal a expulsão de toda a população das ilhas Chagos, agora sítio de uma base militar americana. Efetivamente, isso é tão significativo quanto o Congresso dos EUA ter abandonado, no ano passado, a declaração de direitos (bill of rights).

Os que não se dão conta desses passos em direção à ditadura deveriam examinar os planos do governo de instituir carteiras de identidade, descritas em seu manifesto como "voluntárias". Elas serão compulsórias e ainda pior. Uma carteira de identidade será diferente de uma carteira de motorista ou passaporte. Será conectada a um banco de dados chamado NIR (National Identity Register), onde seus detalhes pessoais serão armazenados. Isso incluirá impressões digitais, sua íris passada pelo scanner, seu status de residência e outros detalhes ilimitados sobre a sua vida. Se você falhar em manter o compromisso para ser fotografado e ter suas impressões digitais registradas, a multa poderá ser de até 2.500 libras.

Cada lugar que vende álcool ou cigarros, cada correio, cada farmácia e até cada banco terá um terminal NIR, onde poderão solicitar que você "prove quem você é". Cada vez que você passar a carteira, efetua-se um registro no NIR. Isso significa que o governo saberá cada vez que você retirou mais de 99 libras de sua conta no banco. Restaurantes e lojas que vendem bebidas alcólicas vão requerer que sua carteira seja passada, de modo a se livrarem de eventual ação judicial. As empresas terão total acesso ao NIR. Se você fizer uma aplicação para uma vaga de emprego, sua carteira terá que ser passada. Se você quiser um cartão de metrô de Londres, o London Undergound Oyster card, ou um cartão de fidelidade de um supermercado, ou uma linha telefônica, ou um telefone móvel, ou uma conta na internet, sua carteira terá que ser passada. Em outras palavras, haverá um registro de seus movimentos, um histórico de seus telefonemas e hábitos de consumo, até do tipo de medicamento que você toma. Esses bancos de dados, que podem ser armazenados num aparelho do tamanho de uma mão, serão vendidos a terceiros sem você ficar sabendo. A carteira de identidade não será de sua propriedade, e o Home Secretary terá o direito de revogá-la ou suspendê-la a qualquer momento, sem ter que dar explicações. Isso lhe impediria de retirar dinheiro do banco. As carteiras de identidade não vão parar ou inibir os terroristas, como Charles Clarke, o Home Secretary, agora admitiu; os bombardeadores de Madrid tinham todos uma carteira de identidade. Em 26 de março, o governo silenciou a última oposição parlamentar às carteiras de identidade, ao sentenciar que a House of Lords não pode mais bloquear a legislação contida no manifesto do partido. A panelinha de Blair não debate. Como o fanático de Downing Street, sua "crença sincera" em sua própria veracidade é mais que suficiente. Quando a London School of Economics publicou um longo estudo que efetivamente destruía o caso do governo a favor da carteira de identidade, Charles Clarke insultou os resultados, alegando que criariam uma "campanha de medo" na mídia. Esse é o mesmo ministro que esteve presente em cada reunião de gabinete nas quais as mentiras de Blair relativas à sua decisão de invadir o Iraque foram despachadas como verdade.  

Esse governo foi reeleito com o apoio de apenas um quinto da população elegível para votar: o segundo mais baixo desde a concessão da franquia. Seja qual for a respeitabilidade que os ternos famosos dos estúdios de televisão tentam lhe atribuir, é facilmente demonstrável que Blair pode ser desacreditado como um mentiroso e um criminoso de guerra. Como o projeto de lei que agora seqüestra a constituição está alcançando sua fase final, e a criminalização dos protestos pacíficos, as carteiras de identidade foram concebidas para controlar as vidas dos cidadãos comuns (assim como enriquecer as empresas favorecidas pelos trabalhistas, as quais vão construir os sistemas informáticos). Um grupo pequeno, determinado e profundamente antidemocrático está matando a liberdade na Grã-Bretanha, da mesma forma que está matando, literalmente, no Iraque. Essa é a notícia. "O caleidoscópio foi sacudido", disse Blair na conferência de 2001 do Partido Trabalhista. "As peças estão em mudança. Em breve, terão uma nova disposição. Antes que estejam em seus novos lugares, vamos reordenar esse mundo em nossa volta."

O novo livro de John Pilger, "Freedom Next Time" (Liberdade na próxima vez), será publicado em junho pela Bantam Press.


April 15, 2006

Continuing Quiet Death Of Democracy

By John Pilger

April 15, 2006

People ask: Can this be happening in Britain? Surely not. A centuries-old democratic constitution cannot be swept away. Basic human rights cannot be made abstract Those who once comforted themselves that a Labour government would never commit such an epic crime in Iraq might now abandon a last delusion, that their freedom is inviolable. If they knew.

The dying of freedom in Britain is not news. The pirouettes of ambition of of the prime minister and his political twin, the treasurer, are news, though of minimal public interest. Looking back to the 1930s when social democracies were distracted and powerful cliques imposed their totalitarian ways by stealth and silence, the warning is clear. The Legislative and Regulatory Reform Bill has already passed its second parliamentary reading without interest to most Labour MPs and court journalists; yet it is utterly totalitarian in scope.

Presented by the government as a simple measure for streamlining de-regulation, or "getting rid of red tape", the only red tape it will actually remove is that of parliamentary scrutiny of government legislation, including this remarkable bill. It will mean that the government can secretly change the Parliament Act and the constitution and laws can be struck down by decree from Downing Street. Blair has demonstrated his taste for absolute power in his abuse of the royal prerogative, which he has used to bypass parliament in going to war and in dismissing landmark High Court judgements, such as that which declared illegal the expulsion of the entire population of the Chagos islands, now the site of an American military base. The new bill marks the end of true parliamentary democracy; in its effect, it is as significant as the US Congress last year abandoning the bill of rights.

Those who fail to hear these steps on the road to dictatorship should look at the government's plans for ID cards, described in its manifesto as "voluntary". They will be compulsory and worse. An ID card will be different from a driving licence or passport. It will be connected to a database called the NIR (National Identity Register), where your personal details will be stored. These will include your fingerprints, a scan of your iris, your residence status and unlimited other details about your life. If you fail to keep an appointment to be photographed and fingerprinted, you can be fined up to £2,500.

Every place that sells alcohol or cigarettes, every post office, every pharmacy and every bank will have an NIR terminal where you can be asked to "prove who you are". Each time you swipe it, a record is made at the NIR. This means that the government will know every time you withdraw more than £99 from your bank account. Restaurants and off-licences (liquor stores) will demand that the card is swiped so that they are indemnified from prosecution. Private business will have full access to the NIR. If you apply for a job, your card will have to be swiped. If you want a London Undergound Oyster card, or a supermarket loyalty card, or a telephone line or a mobile phone or an internet account, your card will have to be swiped. In other words, there will be a record of your movements, your phone records and shopping habits, even the kind of medication you take. These databases, which can be stored in a device the size of a hand, will be sold to third parties without you knowing. The ID card will not be your property and the Home Secretary will have the right to revoke or suspend it at any time without explanation. This would prevent you drawing money from a bank. ID cards will not stop or deter terrorists, as Home Secretary Charles Clarke has now admitted; the Madrid bombers all carried ID. On 26 March, the government silenced the last parliamentary opposition to the cards when it ruled that the House of Lords could no longer block legislation contained in a party's manifesto. The Blair clique does not debate. Like the zealot in Downing Street, its "sincere belief" in its own veracity is quite enough. When the London School of Economics published a long study that effectively demolished the government's case for the cards. Charles Clarke abused it for feeding a "media scare campaign". This is the same minister who attended every cabinet meeting at which Blair's lies over his decision to invade Iraq were clear.

This government was re-elected with the support of barely a fifth of those eligible to vote: the second lowest since the franchise. Whatever respectability the famous suits in television studios try to give him, Blair is demonstrably discredited as a liar and war criminal. Like the constitution-hijacking bill now reaching its final stages, and the criminalising of peaceful protest, ID cards are designed to control the lives of ordinary citizens (as well as enrich the new Labour-favoured companies that will build the computer systems). A small, determined, and profoundly undemocratic group is killing freedom in Britain, just as it has killed literally in Iraq. That is the news. "The kaleidoscope has been shaken," said Blair at the 2001 Labour Party conference. "The pieces are in flux. Soon they will settle again. Before they do, let us re-order this world around us." John Pilger's new book, Freedom Next Time, will be published in June by Bantam Press

 

Envie um comentário sobre este artigo