Apocalypse please

A política dos EUA com relação ao Oriente Médio é impulsionada por uma rarefeita forma de loucura. É hora de levá-la a sério.

 

 

 


George Monbiot
The Guardian

20 de abril de 2004

Tradução Imediata

Para compreender o que está acontecendo no Oriente Médio, antes é preciso compreender o que está acontecendo no Texas. Para compreender o que está acontecendo por lá, é necessário ler as resoluções que passaram durante a convenção do Partido Republicano daquele estado no mês passado. Vejamos, por exemplo, as decisões feitas no Condado Harris, que abrange grande parte de Houston.1

Os delegados começaram acenando com a cabeça de um lado a outro frente a questões controvertidas: o homossexualismo é contrário às verdades ordenadas por Deus; "qualquer mecanismo com o objetivo de processar, licenciar, documentar, registrar ou monitorar a propriedade de armas" deve ser repelida; o imposto de renda, o imposto sobre heranças, os impostos sobre lucros do capital e os impostos para as corporações deveriam ser abolidos; e os imigrantes deveriam ser impedidos de fazê-lo com barreiras feitas de cercas elétricas.2 Dessa maneira fortificados, eles se voltaram para a questão real: os negócios de um pequeno estado 7.000 milhas distante de lá. Foi aí, segundo um participante, que "os urros e a quase luta de socos" começou.

Não sei o que dizia a moção original, mas aparentemente ela foi "significativamente diluída", como conseqüência da competição de berros. A moção que adotaram declarava que Israel tem um direito indivisível sobre Jerusalém e a Cisjordânia, que os estados árabes deveriam ser pressionados para absorver os refugiados da Palestina, e que Israel deveria fazer aquilo que achar melhor, na luta contra o terrorismo.3 Que bom constatar que os extremistas não prevaleceram naquela ocasião.

Mas porque tudo isso deveria interessar tanto os habitantes de um estado que raramente é celebrado pelo seu fascínio com relações exteriores? Lentamente, a explicação está se tornando familiar para nós, embora ainda tenhamos algumas dificuldades para levá-la a sério.

Nos Estados Unidos, vários milhões de pessoas sucumbiram a uma forma extraordinária de delírio. No século XIX, dois pregadores imigrantes reuniram uma série de passagens dispersas da Bíblia para criar o que parece ser uma narrativa consistente: Jesus voltará à terra quando certas condições tiverem sido satisfeitas. A primeira dessas condições era a criação do estado de Israel. A seguinte dizia respeito à ocupação, por parte de Israel, das demais "terras bíblicas" (a maioria delas situadas no Oriente Médio), e a reconstrução do Terceiro Templo, no local agora ocupado pelas mesquitas do Domo do Rochedo e Al-Aqsa. As legiões do Anticristo, então, serão formadas contra Israel, levando a guerra ao confronto final, no vale de Armageddon. Os judeus, em seguida, serão ou queimados ou convertidos ao Cristianismo, e o Messias voltará à Terra.

O que torna a estória tão fascinante para os fundamentalistas cristãos é que antes do início do grande confronto, todos os "crentes verdadeiros" (ou seja, aqueles que acreditam naquilo que ELES acreditam) serão suspensos de roupa e tudo e arrebatados para o céu, durante um evento chamado de ‘The Rapture’ (o êxtase ou o enlevo). Não somente os dignos se sentarão ao lado direito de Deus, como também poderão olhar, dos melhores assentos, seus opositores políticos e religiosos serem devorados por fervuras, chagas, gafanhotos e sapos, durante os sete anos de Tribulação que se seguirá.

Os verdadeiros crentes estão agora procurando fazer com que isso aconteça efetivamente. Isso significa encenar confrontos no sítio do velho templo (no ano 2000, três cristãos dos EUA foram deportados por tentarem fazer explodir as mesquitas naquele local)4, patrocinar as colônias judaicas nos territórios ocupados, exigir ainda maior apoio dos EUA para Israel, e procurar provocar a batalha final com o Mundo Muçulmano/Eixo do Mal/Nações Unidas/União Européia/França, ou seja, seja quais forem as legiões do Anticristo.

Os crentes estão convencidos de que, em breve, serão recompensados por seus esforços. Aparentemente, o Anticristo já se encontra entre nós, no semblante de Kofi Annan, Javier Solana, Yasser Arafat ou, mais plausivelmente, Silvio Berlusconi.5 A corporação Walmart é também séria candidata (na minha opinião, uma excelente candidata), pois ela quer rádio-etiquetar seu estoque, expondo assim a humanidade à Marca da Besta.6 Se você clicar em www.raptureready.com, poderá ficar sabendo quanto falta para poder voar pro espaço de pijama. Os infiéis entre nós deveriam observar que o "Rapture Index ("Índice de Enlevo") se encontra em 144, somente um ponto abaixo do limiar crítico, depois do qual o céu estará repleto de nudistas flutuantes. Governo da Besta, Tempo Meteorológico Louco e Israel estão sendo negociados pelo máximo de cinco pontos ( a União Européia está debatendo sua constituição, houve um furacão bastante fraco no Atlântico Sul, Hamas jurou se vingar do assassinato de seus líderes), mas atualmente a segunda vinda está sendo adiada por um infeliz declínio no abuso de drogas entre adolescentes e uma fraca performance do Anticristo (ambos juntos marcam apenas dois pontos).

Podemos rir dessas pessoas, mas não podemos ignorá-las. Que suas crenças sejam doidas não significa que elas são marginais. Responsáveis por sondagens nos EUA acreditam que entre 15 e 18% dos eleitores dos EUA pertencem a igrejas ou movimentos que endossam esses ensinamentos. Uma pesquisa de 1999 indicava que essa cifra incluía 33% dos republicanos.8 Os livros contemporâneos que são os maiores best-sellers nos EUA são os 12 volumes da série Left Behind ("Deixados de lado"), os quais fornecem o que é geralmente descrito como relato "de ficção" do Enlevo (este, aparentemente, o distingue outro), com inúmeros detalhes daquilo que acontecerá para o restante de nós. As pessoas que crêem nisso, não acreditam só um pouquinho; para elas, é uma questão de vida eterna e morte.

E entre essas pessoas estão alguns dos homens mais poderosos dos EUA. John Ashcroft, o ministro da Justiça, é um verdadeiro crente, assim como vários senadores proeminentes e o líder da maioria da House of Representatives, Tom DeLay. O Sr. DeLay (que é também o co-autor de uma emenda maravilhosamente batizada DeLay-Doolittle Amendment [N.T.: em inglês, ‘Do little’ significa ‘faz pouco’], postergando as reformas de financiamento das campanhas eleitorais) viajou a Israel no ano passado, para dizer ao Knesset que "não existe meio termo, nem posição moderada que valha a pena tomar."9

Assim, temos um importante segmento eleitoral — representando em grande parte a base eleitoral atual do presidente — na nação mais poderosa da terra, que está ativamente buscando provocar uma nova guerra mundial. Seus membros vêem a invasão do Iraque como uma ação de aquecimento, como a sugerida em Revelações (9:14-15), onde se sustenta que quatro anjos "circunscritos ao grande rio Eufrates" serão liberados para "massacrar um terço dos homens". Eles batem à porta da Casa Branca tão logo esta vacila em seu apoio a Israel: quando Bush pediu a Ariel Sharon que retirasse seus tanques de Jenin em 2002, ele recebeu 100.000 e-mails irados de fundamentalistas cristãos, e nunca mencionou de novo a questão.10

O cálculo eleitoral, por mais louco que possa parecer, funciona desse jeito. Os governos permanecem ou caem devido a questões domésticas. Para 85% do eleitorado dos EUA, o Oriente Médio é uma questão de relações estrangeiras e, portanto, de interesse secundário quando vão votar. Para 15% do eleitorado, o Oriente Médio não é apenas uma questão doméstica, mas um problema pessoal: se o presidente falhar em dar início a uma conflagração por lá, seus eleitores de base não vão obter um assento à direita de Deus. Bush, em outras palavras, acaba perdendo menos votos se encorajar a agressão de Israel do que se procurar restringi-la. Ele seria louco se desse ouvidos a essas pessoas. Seria louco também se não as ouvisse.

O livro de George Monbiot - The Age of Consent: um manifesto por uma nova ordem mundial foi agora publicado também em versão econômica. www.monbiot.com

Referências: 1. http://www.harriscountygop.com/sections/sdconv/sdconv.asp

 

2. eg. Committee on Resolutions, Harris County Republican Party, 27th March 2004. Final report of Senatorial District 17 Convention. http://www.harriscountygop.com/sections/sdconv/sdconv.asp

 

3. ibid.

 

4. Paul Vallely, 7th September 2003. The Eve of Destruction. The Independent on Sunday.

 

5. eg. http://www.raptureready.us

 

6. eg. http://www.raptureready.com/rap16.html (note: 5 and 6 are rival sites)

 

7. Megan K. Stack, 31st July 2003. House's DeLay Bonds With Israeli Hawks, Los Angeles Times; Matthew Engel, 28th October 2002. Meet the new Zionists. The Guardian; Paul Vallely, ibid.

 

8. Donald E. Wagner, 28th June 2003. Marching to Zion: the evangelical-Jewish alliance. Christian Century.

 

9. Leader, 1st August 2003. DeLay's Foreign Meddling. Los Angeles Times.

 

10. Jane Lampman, 18th February 2004. The End of the World. The Christian Science Monitor.

 

 

Apocalypse Please

 

by George Monbiot

The Guardian

April 20, 2004

US policy towards the Middle East is driven by a rarefied form of madness. It’s time we took it seriously. 

 

To understand what is happening in the Middle East, you must first understand what is happening in Texas. To understand what is happening there, you should read the resolutions passed at the state's Republican party conventions last month. Take a look, for example, at the decisions made in Harris County, which covers much of Houston.1

 

The delegates began by nodding through a few uncontroversial matters: homosexuality is contrary to the truths ordained by God; "any mechanism to process, license, record, register or monitor the ownership of guns" should be repealed; income tax, inheritance tax, capital gains tax and corporation tax should be abolished; and immigrants should be deterred by electric fences.2 Thus fortified, they turned to the real issue: the affairs of a small state 7000 miles away. It was then, according to a participant, that the "screaming and near fistfights" began.

 

I don't know what the original motion said, but apparently it was "watered down significantly" as a result of the shouting match. The motion they adopted stated that Israel has an undivided claim to Jerusalem and the West Bank, that Arab states should be pressured to absorb refugees from Palestine, and that Israel should do whatever it wishes in seeking to eliminate terrorism.3 Good to see that the extremists didn't prevail then.

 

But why should all this be of such pressing interest to the people of a state which is seldom celebrated for its fascination with foreign affairs? The explanation is slowly becoming familiar to us, but we still have some difficulty in taking it seriously.

 

In the United States, several million people have succumbed to an extraordinary delusion. In the 19th century, two immigrant preachers cobbled together a series of unrelated passages from the Bible to create what appears to be a consistent narrative: Jesus will return to earth when certain preconditions have been met. The first of these was the establishment of a state of Israel. The next involves Israel's occupation of the rest of its "Biblical lands" (most of the Middle East), and the rebuilding of the Third Temple on the site now occupied by the Dome of the Rock and Al-Aqsa mosques. The legions of the Antichrist will then be deployed against Israel, and their war will lead to a final showdown in the valley of Armageddon. The Jews will either burn or convert to Christianity, and the Messiah will return to earth.

 

What makes the story so appealing to Christian fundamentalists is that before the big battle begins, all "true believers" (ie those who believe what THEY believe) will be lifted out of their clothes and wafted up to heaven during an event called the Rapture. Not only do the worthy get to sit at the right hand of God, but they will be able to watch, from the best seats, their political and religious opponents being devoured by boils, sores, locusts and frogs, during the seven years of Tribulation which follow.

 

The true believers are now seeking to bring all this about. This means staging confrontations at the old temple site (in 2000 three US Christians were deported for trying to blow up the mosques there)4, sponsoring Jewish settlements in the occupied territories, demanding ever more US support for Israel, and seeking to provoke a final battle with the Muslim world/Axis of Evil/United Nations/European Union/France or whoever the legions of the Antichrist turn out to be.

 

The believers are convinced that they will soon be rewarded for their efforts. The Antichrist is apparently walking among us, in the guise of Kofi Annan, Javier Solana, Yasser Arafat or, more plausibly, Silvio Berlusconi.5 The Walmart corporation is also a candidate (in my view a very good one), because it wants to radio-tag its stock, thereby exposing humankind to the Mark of the Beast.6 By clicking on www.raptureready.com, you can discover how close you might be to flying out of your pyjamas. The infidels among us should take note that the Rapture Index currently stands at 144, just one point below the critical threshold, beyond which the sky will be filled with floating nudists. Beast Government, Wild Weather and Israel are all trading at the maximum five points (the EU is debating its constitution, there was a freak hurricane in the South Atlantic, Hamas has sworn to avenge the killing of its leaders), but the second coming is currently being delayed by an unfortunate decline in drug abuse among teenagers and a weak showing by the Antichrist (both of which score only two).

 

We can laugh at these people, but we should not dismiss them. That their beliefs are bonkers does not mean they are marginal. American pollsters believe that between 15 and 18% of US voters belong to churches or movements which subscribe to these teachings.7 A survey in 1999 suggested that this figure included 33% of Republicans.8 The best-selling contemporary books in the United States are the 12 volumes of the Left Behind series, which provide what is usually described as a "fictionalised" account of the Rapture (this, apparently, distinguishes it from the other one), with plenty of dripping details about what will happen to the rest of us. The people who believe all this don't believe it just a little; for them it is a matter of life eternal and death.

 

And among them are some of the most powerful men in America. John Ashcroft, the attorney-general, is a true believer, so are several prominent senators and the House majority leader, Tom DeLay. Mr DeLay (who is also the co-author of the marvellously-named DeLay-Doolittle Amendment, postponing campaign finance reforms) travelled to Israel last year to tell the Knesset that "there is no middle ground, no moderate position worth taking."9

 

So here we have a major political constituency - representing much of the current president's core vote - in the most powerful nation on earth, which is actively seeking to provoke a new world war. Its members see the invasion of Iraq as a warm-up act, as Revelations (9:14-15) maintains that four angels "which are bound in the great river Euphrates" will be released "to slay the third part of men." They batter down the doors of the White House as soon as its support for Israel wavers: when Bush asked Ariel Sharon to pull his tanks out of Jenin in 2002, he received 100,000 angry emails from Christian fundamentalists, and never mentioned the matter again.10

 

The electoral calculation, crazy as it appears, works like this. Governments stand or fall on domestic issues. For 85% of the US electorate, the Middle East is a foreign issue, and therefore of secondary interest when they enter the polling booth. For 15% of the electorate, the Middle East is not just a domestic matter, it's a personal one: if the president fails to start a conflagration there, his core voters don't get to sit at the right hand of God. Bush, in other words, stands to lose fewer votes by encouraging Israeli aggression than he stands to lose by restraining it. He would be mad to listen to these people. He would also be mad not to.

 

George Monbiot's book The Age of Consent: a manifesto for a new world order is now published in paperback. www.monbiot.com

 

References: 1. http://www.harriscountygop.com/sections/sdconv/sdconv.asp

 

2. eg. Committee on Resolutions, Harris County Republican Party, 27th March 2004. Final report of Senatorial District 17 Convention. http://www.harriscountygop.com/sections/sdconv/sdconv.asp

 

3. ibid.

 

4. Paul Vallely, 7th September 2003. The Eve of Destruction. The Independent on Sunday.

 

5. eg. http://www.raptureready.us

 

6. eg. http://www.raptureready.com/rap16.html (note: 5 and 6 are rival sites)

 

7. Megan K. Stack, 31st July 2003. House's DeLay Bonds With Israeli Hawks, Los Angeles Times; Matthew Engel, 28th October 2002. Meet the new Zionists. The Guardian; Paul Vallely, ibid.

 

8. Donald E. Wagner, 28th June 2003. Marching to Zion: the evangelical-Jewish alliance. Christian Century.

 

9. Leader, 1st August 2003. DeLay's Foreign Meddling. Los Angeles Times.

 

10. Jane Lampman, 18th February 2004. The End of the World. The Christian Science Monitor.

 

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