Localizada em uma rua de terra batida e mais afastada do centro de São Bernardo do Campo, em São Paulo, uma casa branca grande de dois andares se destaca na vizinhança –na qual a maior parte das construções é feita com materiais mais simples. Depois de abrir a cerca de madeira, e descer uma ladeira acompanhada de dois cachorros de porte médio, encontramos mais pessoas.

Era um sábado de agosto. Em evento organizado pela pastoral da criança (da Igreja católica), para acompanhamento de crianças da comunidade, os mais novos se reuniram de lado e brincavam com o que viam pela frente, enquanto as mulheres conversavam entre si. Ali estava Daiane Cruz Oliveira, 31 anos, mãe, casada e beneficiária do Bolsa Família.

Morena de olhos pretos e algumas sardas no rosto, ela vestia uma saia preta de altura abaixo dos joelhos, camiseta de mangas compridas branca e um colete cinza por cima. Os cabelos estavam presos formando um rabo de cavalo, e no pé, levava sandálias. Sem maquiagem, brincos, colares ou anéis, Daiane apertava as suas mãos marcadas por trabalho pesado às dos seu filho mais novo. Além dele, outro filho que parecia ser mais velho, não saia de perto.

“Tenho três: o mais velho é o Gustavo, 12, depois o Vinicius, 9, e o Samuel, 5”, diz olhando para o lado, mostrando o caçula de longe. Ela vive com seu companheiro, pai de dois dos filhos, e uma sobrinha de 16 anos. Há mais de três anos desempregada, ela conta com o dinheiro que o seu marido ganha prestando serviços e com a renda do Bolsa Família.

Ao seu entorno, se juntaram outras mulheres. Que ora prestavam mais atenção para o que ela dizia, ora voltavam seus olhares para os celulares e os filhos que brincavam no andar de baixo.

“Recebo R$ 162. A maioria das vezes esse dinheiro é empregado para alimentos mesmo. Ou quando algum deles precisa de um calçado a gente alterna, um mês pra um e o no seguinte para o outro”. O dinheiro, ela diz, não dura os trinta dias. Para fechar a conta, ela depende dos eventuais trabalho do marido e recebe uma ajuda da igreja, em formato de cesta básica.

Beneficiária do programa há seis anos, ela enxerga uma grande melhoria na sua vida. “Como eu sei que vai ter o dinheiro eu consigo me organizar. Até um presentinho na época do aniversário eu me organizo pra dar pra eles né? São coisas que só por mim eu não conseguiria. Então me facilitou muito”, diz, abrindo um sorriso no rosto.

Por outro lado, critica a falta de administração do programa. “Eu não sei como ele é administrado, mas eu acho que ele não é bem organizado. Umas famílias ganham mais do que precisavam e tem gente que ganha menos do que precisa”. Critica, também, o despreparo de funcionários do governo que “mais atrapalham do que ajudam” as pessoas a se cadastrarem no programa.

Mais calada, ela vai se soltando ao longo da nossa conversa. É interrompida uma vez pelo filho mais novo, que fica sem entender porque a mãe fala olhando para uma câmera.

“Eu acho que as pessoas que criticam quem recebe o Bolsa são pessoas mais estudadas e criticam isso de uma maneira indireta, né? Eu conheço pessoas que realmente não precisam, mas eu não viveria um mês todo com R$ 162 ao invés de ganhar um salário”, afirma reiterando que preferia um emprego fixo ao invés de receber o benefício. “Acho até um pouco de hipocrisia. É uma questão mesmo de quem está mais alto e pegar para quem tá aqui e realmente necessita”.

Quando questionada sobre a renda do programa ser destinada às mulheres, Daiane disse que acha que isso acontece porque são elas que sabem gerenciar as coisas para a casa e os filhos, e que em alguns casos os homens não pensam tanto no coletivo da família. “Tem casos que eles são egoístas e machistas né? Geralmente tudo que entra dentro do lar da mulher vai para a família e às vezes eles querem empregar em outras coisas como carro, corte de cabelo, calçado… E a gente dificilmente pensa na gente, a gente sempre pensa nos filhos, as necessidades deles vem primeiro”.

Além disso, afirma muito convicta que receber esse dinheiro é um direito seu, e não um favor de políticos. “Como no meu caso, com três filhos pequenos e sem condições mesmo de trabalhar por falta de oportunidades. Até os alimentos que a gente compra tem impostos, então, sim, é um direito de quem precisa”.

“É difícil falar o que eu faria se eu pudesse mudar alguma coisa na sociedade. Se for pra falar politicamente, é difícil eles olharem pra gente como uma comunidade carente. Eu passei por uma coisa que me deixou muito entristecida. Saber que alguém que estudou e tem a oportunidade de estar lá dentro e de mudar pra quem está aqui fora precisando, muitas vezes se nega a fazer isso. Falta amor um pelo outro”, acrescenta.

Já com as câmeras desligadas, conversamos um pouco mais sobre política. Ela conta que nas últimas eleições presidenciais, em 2014, pela primeira vez em sua vida, ela votou em branco. Isso porque ela não se identificava com nenhum candidato –Dilma Rousseff pelo PT e Aécio Neves pelo PSDB. “Não posso criticar nem mentir, mas nas últimas eleições eu votava no PT mesmo. Porque eu achava que o trabalho deles sempre foi uma coisa boa. É que a coisa mudou, né?”, termina a frase olhando para baixo. Eis que seu caçula aparece, ela o coloca no colo e desce as escadas.

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