LULA eo reencantamento do Brasil

 

 


Leonardo Boff

O medo é inerente à vida porque "viver é perigoso" como nos adverte Guimarães Rosa. Por isso, viver comporta riscos que metem medo. Mas os riscos nunca são só riscos. São a chance do novo, a abertura de uma outra esperança. Se não arriscarmos nos condenamos ao atoleiro da mesmice e da mediocridade. Isso vale para as atuais eleições. Vale arriscar em Lula porque ele representa a chance de um outro Brasil e de uma forma de fazer política. Esta tem a sociedade e não o mercado, a democracia real e não o fundamentalismo neoliberal, os condenados da Terra e não as moedas, o centro do cuidado político.

Outra coisa, porém, é insuflar medo como o fez Serra em sua campanha eleitoral. Esse medo é perverso e antinatural porque visa matar as oportunidades presentes no risco. É querer destruir o futuro. Quem teme o futuro são os satisfeitos com a atual situação, pelo consenso geral, ruim para a grande maioria dos brasileiros.

Foi o grande historiador francês vivo Jean Delumeau em seu livro O medo no Ocidente que nos mostrou a função política do medo. O medo é a estratégia preferida pelos poderosos para se impor, para desfibrar resistências e abortar sonhos. O cristianismo se consolidou. em grande parte, embora nem sempre, pelo medo e pelo pavor do inferno. Denuncia-o um dos sábios maias nos primórdios da evangelização: "Eles nos ensinaram o medo; eles vieram fazer nossas flores murchar para que só sua flor vivesse; entre nós se introduziu a tristeza, se introduziu o cristianismo".

O contrário do medo não é a coragem. É a fé. É a fé que espanca o medo e libera as virtualidades do risco. Quem crê no povo brasileiro, quem aposta nas potencialidades de nosso pais e quem ama nosso futuro, não teme. Que medo pode infundir um operário? Os poderosos não têm medo de um operário que trabalha. Eles têm medo de um operário que pensa. É o caso de Lula e de seus companheiros. Eles ousaram pensar. Mais. Começaram a sonhar um Brasil diferente. Mais ainda. Organizaram-se para que o sonho não ficasse mero sonho mas virasse movimento, partido, projeto político e alternativa de poder com o propósito de re-inventar um Brasil de outros quinhentos. A sua heresia, inadmissível por aqueles que espalham o medo, é de terem pensado e sonhado, não sozinhos mas junto com o povo organizado que, por sua vez, representava o ainda não organizado.

A virada atual em política aconteceu porque a fé dos eleitores conseguiu exorcizar o medo. Agora se comprovou o que o patriarca José Bonifácio escreveu há dois séculos: "no Brasil o possível vai além do real". Crer no possível e amar o que ainda não se vê, foi e é a virtude básica de Lula e do PT. Insuflam medo os que se educaram na escola do faraó e temem o risco de perder vantagens que são só deles..

A fé na mudança possível, manifestada nas urnas, fez voltar o entusiasmo. Rasgou-se o manto de tristeza que cobria o Brasil, pais encantado e encantador. Lula trouxe as razões para um novo re-encantamento. Resgatou a auto-estima do povo e a estima pela democracia que possibilitou a um retirante, a um operário, a um estudante da escola árdua da vida, galgar o posto mais alto da nação: Luiz Ignácio Lula da Silva. Bem haja esse povo.

 

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