Espiai-vos uns aos outros

 

 


Juan Gelman
Página 12
23 de julho de 2002

Tradução Imediata

Seria esse um dos Evangelhos da nova Bíblia rescrita por Bush filho: até o próximo agosto quer ver um milhão de estadunidenses de dez cidades do país entregados voluntariamente ao patriótico e ainda por cima benemérito trabalho de espiar seus vizinhos. Trata-se apenas da etapa piloto da Operação TIPS, acrônimo em inglês para Sistema de Informação e Prevenção do Terrorismo, dirigido pelo Departamento de Justiça que o senhor Ashcroft encabeça. A palavra "tip" significa, entre outras coisas, "delação" em linguagem corrente e interpreta com exatidão o sentido da Operação.

Vejam como o projeto está descrito na web (www.citizencorps.gov): TIPS "será um programa de alcance nacional que dará a milhões de estadunidenses, caminhoneiros, mensageiros, condutores de trens, capitães de barcos, empregados de serviços públicos e outros, a possibilidade oficial de informar acerca de atividades suspeitas de terrorismo". Haverá um telefone gratuito para que "esses trabalhadores, que em razão de seu próprio trabalho estão bem posicionados para perceber fatos não habituais (possam) informar sobre tais atividades". Em outras palavras, gasistas, carteiros, lavadores de janelas, distribuidores de leite, eletricistas, outros que praticam distintos ofícios que lhes dão acesso direto aos domicílios particulares sem necessidade de ordens de busca, são convocados a trabalhar -grátis- para o FBI e a CIA. Será que dá para escutar os aplausos do fantasma de Stálin ou é uma alucinação?

Se fossem eleitas as dez cidades mais importantes do país para a fase piloto do TIPS, o milhão de voluntários previsto constituiria o 4 porcento de sua população total, um para cada 24 habitantes. "Isso é o 1984 de George Orwell, é uma idéia absolutamente horrível e muito perigosa", afirmou alarmado John Whitehead, diretor executivo do prestigioso Instituto Rutheford. "Converte os norte-americanos em delatores para o governo. O presidente Bush quer que o norte-americano médio faça aquilo que o FBI deveria fazer. De todos os modos, nada impedirá aos terroristas abaterem aviões contra arranha-céus". Essa alarme é compreensível: o TIPS é parte de um novo programa dos Corpos de Cidadãos voluntários destinado a "preparar as comunidades locais para prevenir e responder com eficácia à ameaça terrorista, ao crime ou a qualquer tipo de desastre". Este programa inclui e revigora o Programa de Vigilância da Vizinhança que, por sua vez, incentiva e alimenta "a vontade de perceber atividades suspeitas na vizinhança e de informar a polícia a respeito das mesmas ".

Esse programa existe há mais de 30 anos, porém o Departamento de Justiça explica que, depois do 11 de setembro, "a necessidade de fortalecer e dar segurança a nossas comunidades tornou-se mais importante, todavia. O presidente Bush anunciou que com a ajuda da Associação Nacional de Xerifes, o Programa de Vigilância da Vizinhança adquirirá um novo significado... convertendo os vizinhos em um elemento fundamental para detectar, prevenir e desarticular o terrorismo". Os inscritos serão "os olhos e ouvidos adicionais para aplicar a lei" e propõe-se que o voluntariado dure, como mínimo, um ano. Não faltam os que opinam que a execução do programa criará uma válvula de escape para delírios, zombarias, persecuções imaginárias, mentiras e dados falsos, além dos não poucos ódios racistas e ódios contra os outros, contra os que despertam os cachorros que ladram e os que ladram do vizinho, ou a ex-mulher que fugiu com o amante, ou o sócio vigarista.

O TIPS é só um elemento do avanço cerceador de liberdades que caracteriza o governo Bush. Na terça-feira 16, sempre brandindo o argumento da "luta contra o terrorismo" e a favor do "bem", Bush propôs a criação do Departamento de Segurança Interior, um super-ministério que absorveria muitas funções de outros órgãos do Estado. O custo dessa reorganização -a maior em meio-século- superaria os 100 bilhões de dólares. E isso não é tudo: também quer a intervenção das forças armadas em questões de polícia interna, para a qual Donald Rumsfeld e outros altos funcionários do Pentágono já estão fazendo pressão, a fim de que seja modificada a lei Posse Comitatus de 1878 que restringe a participação militar em assuntos internos. Rumsfeld não para aí: procura livrar-se de todo o controle do Congresso e prega por uma lei que lhe permita levar suas iniciativas diretamente à Casa Branca, sem a supervisão de outros ministérios, e que obrigue aos legisladores a votá-las em prazo e com debate limitados. É outro lance do governo Bush, a favor de um Executivo cada vez menos sujeito ao eventual contra-peso do Legislativo.

A política de invasão e corte dos direitos civis do povo estadunidense começou com a promulgação da chamada Lei Patriota dos EUA, que outorga aos órgãos de segurança poderes extraordinários que escapam ao controle judicial. Por exemplo, o de manter detidos em segredo e por tempo indeterminado centenas de suspeitos simpatizantes do terrorismo. Na mesma terça-feira do discurso de Bush filho, Warren Christopher, que foi secretário de Estado de Jimmy Carter, criticava essa metodologia diante de centenas de juizes reunidos em Coronado, Califórnia. Lembrou que tinha estado na Argentina durante a ditadura militar e que tinha visto mães reclamando nas ruas, pelos filhos desaparecidos. "Neste país devemos tomar muito cuidado quando detemos pessoas sem revelar seus nomes. Isso leva ao 'desaparecido'", concluiu. "Não daremos a lista das pessoas que nos interessam", respondeu Viet Dinh, subsecretário da Justiça da grande democracia do Norte. Igualzinho a Videla.

 

 

23 de julio del 2002

Espiáos los unos a los otros

Juan Gelman

Página 12

Sería ése uno de los Evangelios de la nueva Biblia reescrita por Bush hijo: para agosto próximo quiere ver a un millón de estadounidenses de diez ciudades del país entregados voluntariamente al patriótico y aun benemérito trabajo de espiar a sus vecinos. Es apenas la etapa piloto de la Operación TIPS, sigla en inglés del Sistema de Información y Prevención del Terrorismo dirigido por el Departamento de Justicia que el señor Ashcroft encabeza. La palabra "tip" significa, entre otras cosas, "soplo" en lenguaje corriente e interpreta con exactitud el sentido de la Operación.

Véase cómo se describe en el web del proyecto (www.citizencorps.gov): TIPS "será un programa de alcance nacional que dará a millones de estadounidenses, camioneros, mensajeros, conductores de trenes, capitanes de barco, empleados de servicios públicos y otros, la posibilidad oficial de informar acerca de actividades sospechosas de terrorismo". Habrá un teléfono gratuito para que "esos trabajadores, que por su labor están bien ubicados para percibir hechos inusuales (puedan) informar sobre tales actividades". Es decir, gasistas, carteros, lavadores de ventanas, repartidores de leche, electricistas, otros que practican distintos oficios que les dan acceso directo a los domicilios particulares sin necesidad de órdenes de allanamiento, son convocados a trabajar -gratis- para el FBI y la CIA. ¿Se escuchan los aplausos del fantasma de Stalin o es una alucinación?

Si se eligiera a las diez ciudades más importantes del país para la fase piloto de TIPS, el millón de voluntarios previsto constituiría el 4 por ciento de su población total, uno de cada 24 habitantes. "Esto es 1984 de George Orwell, es una idea absolutamente horrible y muy peligrosa", se alarmó John Whitehead, director ejecutivo del prestigioso Instituto Rutheford. "Convierte a los norteamericanos en soplones del gobierno. El presidente Bush quiere que el norteamericano medio haga lo que el FBI debería hacer. De todos modos, nada impedirá a los terroristas que estrellen aviones contra los rascacielos". Esa alarma es comprensible: TIPS es parte de un nuevo programa de los Cuerpos Ciudadanos de voluntarios destinado a "preparar a las comunidades locales para prevenir y responder con eficacia a la amenaza terrorista, el crimen o cualquier tipo de desastre". Este programa incluye y revigoriza al Programa de Vigilancia del Vecindario que, a su vez, alienta y alimenta "la voluntad de percibir actividades sospechosas en el vecindario y de informar de ellas a la policía".

Dicho programa existe desde hace más de 30 años, pero el Departamento de Justicia explica que, después del 11 de septiembre, "la necesidad de fortalecer y dar seguridad a nuestras comunidades se ha vuelto más importante todavía. El presidente Bush anunció que con la ayuda de la Asociación Nacional de Sheriffs, el Programa de Vigilancia del Vecindario adquirirá un nuevo significado... convirtiendo a los vecinos en un elemento fundamental para detectar, prevenir y desarticular al terrorismo". Los enrolados serán "ojos y oídos adicionales para aplicar la ley" y se propone que su voluntariado dure un año como mínimo. No faltan los que opinan que la ejecución del programa creará un canal de desahogo de delirios, bromas, persecuciones imaginarias, mentiras y datos falsos, además de no pocos odios racistas y de los otros, esos que despierta el perro que ladra y ladra del vecino, o la ex mujer que se fugó con un amante, o el socio estafador.

TIPS es sólo un elemento del avance cercenador de libertades que caracteriza al gobierno Bush. El martes 16, siempre blandiendo el argumento de "la lucha contra el terrorismo" y a favor del "bien", Bush hijo propuso la creación del Departamento de Seguridad Interior, un superministerio que absorbería muchas funciones de otros organismos delEstado. El costo de esa reorganización -la mayor en medio siglo- ascendería a 100 mil millones de dólares. No es todo: también quiere la intervención de las fuerzas armadas en cuestiones de policía interna, para lo cual Donald Rumsfeld y otros altos funcionarios del Pentágono ya están presionando a fin de que se modifique la ley Posse Comitatus de 1878 que restringe la participación militar en asuntos interiores. Rumsfeld no se detiene ahí: procura liberarse de todo control del Congreso y brega por una ley que le permita elevar sus iniciativas directamente a la Casa Blanca, sin supervisión de otros ministerios, y que obligue a los legisladores a votarlas en tiempo y con debate limitados. Es otro pujo del gobierno Bush en pro de un Ejecutivo cada vez menos sujeto al eventual contrapeso del Legislativo.

La política de invasión y recorte de los derechos civiles del pueblo estadounidense comenzó con la promulgación de la llamada Ley del Patriota de EE.UU., que otorga a los cuerpos de seguridad poderes extraordinarios que escapan al control judicial. Por ejemplo, el de mantener detenidos en secreto y por tiempo indeterminado a centenares de sospechosos de amar al terrorismo. El mismo martes del discurso de Bush hijo, Warren Christopher, que fuera secretario de Estado de Jimmy Carter, criticaba esa metodología ante centenares de jueces reunidos en Coronado, California. Recordó que había estado en la Argentina durante la dictadura militar y que había visto a madres reclamando en las calles por sus hijos desaparecidos. "En este país debemos cuidarnos mucho de detener personas sin revelar sus nombres. Eso lleva al 'desaparecido'", concluyó. "No daremos la lista de las personas que nos interesan", le contestó Viet Dinh, subsecretario de Justicia de la gran democracia del Norte. Igualito que Videla.

 

 

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