Deus: o capitalista

 

 


John Stanton e Wayne Madsen
The Guardian

9 de julho de 2002

Tradução Imediata

Deus existe e é uma sociedade anônima.

A evidência é irrefutável. Seja através de uma de "suas" subsidiárias —Islã, Catolicismo ou Cristianismo Evangélico— é claro que Deus acredita num mundo capitalista e demanda de seus servos uma saudável carteira de investimentos e fundos mútuos, além de uma fé incontestável nos provedores corporativos de avidez e corrupção. Deus é extravagante em seus gostos, paternal em sua visão de mundo, e aprecia a publicidade que obtém no papel-moeda dos EUA e nos recitais de juramento de fidelidade (Pledge of Allegiance). Ele se regozija com a construção de suntuosas casas de culto em todo o mundo às custas de centenas de milhões de pessoas miseráveis e que lutam para conseguir comida, roupas e abrigo. Será que existe qualquer dúvida de que Deus favorece os cruéis e desalmados ricos e poderosos: os Bushes e Bin Ladens, os Murdochs e Alsauds, os Rumsfelds e Cheneys?

Deus não tem problema nenhum com a disparidade de renda e com a competição brutal, que são o capitalismo. Na verdade, ele o encoraja, ele o aplaude. Seu querido imbecil, o Presidente dos EUA George Bush II, falou recentemente por ele, ao dizer que todos os assuntos políticos provêm de Deus e que Deus deveria ter a palavra, quando se trata de apontar juizes para os tribunais da América. Mas isso não é tudo. O Presidente está em dívida com Deus porque Deus o ajudou a que se tornasse um verdadeiro capitalista, ajudou a torná-lo um milionário.

Com tantos pobres, tantas famílias da classe média que lutam para fazer face aos custos de vida, poderá haver qualquer dúvida sobre quais são as prioridades de Deus? Será que causa qualquer surpresa o fato de que Deus dá um duro danado através de suas corporações e seus respectivos lobbies no Congresso dos EUA para obterem maiores isenções tributárias, manipulação dos mercados financeiros internacionais, mudanças nas leis tributárias em todos os lugares com o objetivo de favorecer seus servos mais ricos, e certificar-se de que aos executivos das grandes multinacionais seja outorgada imunidade em caso de ações judiciais e processos criminais?

Sagrados Investimentos

Nos Ministérios Clericais-Financeiros da Crown, "Os Princípios Financeiros de Deus" são ensinados aos aprendizes-praticantes. Segundo a Crown, Deus sugere que a administração financeira disciplinada derive de investimentos conformes aos conselho financeiros bíblicos. Nada de modelos econométricos, por aqui. "É a bênção do Senhor que torna rico, e Ele não adiciona nenhum pesar a isso." (Provérbios 10:22). Com esse conselho, a Crown fornece aos líderes religiosos e seus rebanhos as ferramentas necessárias para investir e administrar dinheiro para uma vida fácil e, naturalmente, transformar lucros em doações, de volta para a burocracia de Deus.

Deus investe através de suas várias subsidiárias, fazendo dinheiro com todas as coisas, inclusive com equipamento para substituição de quadris, videogames, refrigerantes, engenharia genética e contratos para a Defesa. Na sede dos Fundos da Procuradoria Cristã, os gerentes dos investimentos de Deus são bastante seletivos com relação aos "maus sujeitos" que poderiam botar as mãos no dinheiro de Deus. Os cristãos labutam seus fundos e evitam investimentos em ações ou obrigações de empresas envolvidas com aborto, álcool, jogos de azar, pornografia e tabaco. Os cristãos reivindicam que o deles é o único fundo familiar mútuo indexado através desse processo de pente fino. Mas, espera aí!

O Plano Timothy vai uma etapa além da oferta financeira cristã, e afirma que é "uma família de fundos mútuos que oferece a indivíduos, como você, uma escolha bíblica com relação aos investimentos. Se você está preocupado com questões morais (aborto, pornografia, diversões não orientadas para as famílias, estilos de vida de indivíduos que preferiram não casar ou que preferem pessoas do mesmo sexo, álcool, tabaco, jogos de azar) que estão destruindo as crianças e as famílias, então você veio ao lugar certo". Estranhamente, uma das carteiras da Timothy inclui investimentos na BioGen, uma empresa que desenvolve medicamentos por meio da engenharia genética e da Electronic Arts, produtora de videogames violentos. Na composição da carteira, está também presente a KPMG Consulting, a firma que conta com uma grande quantidade de contratos para a defesa dos EUA e responsável pela escamosa auditoria da Xerox.

BusinessWeek reporta que a KPMG se encontra sob investigação de um prévio cliente, a Comroad, uma pequena produtora de software sediada perto de Munique. A razão embaraçosa: em 23 de abril, um novo auditor descobriu que 97% das vendas reportadas pela Comroad em 2000 se originaram de uma empresa inexistente. O presidente da Comroad, Bodo A. Schnabel, está na cadeia, esperando julgamento por ter sido acusado de fraude. Numa tentativa de controlar os prejuízos, a KPMG disse que vai auditorar novamente todos os 35 clientes cujas ações são negociadas em Frankfurt, no Neuer Market, altamente carregado de títulos de tecnologia." Nada como uma boa fraude cristã como antigamente. Mas é o retorno que conta, independentemente de se estar atabalhoado com o código genético (obviamente, Deus não está mais preocupado com isso), ou da conexão com a prevaricação que muitos dos investimentos da Timothy têm.

Mostra a grana!

"No nome de Alá, o Mais Bondoso, o Mais Misericordioso" assim está escrito na bandeira do Banco de Desenvolvimento Islâmico em Jeddah, na Arábia Saudita. Fundado em 1975, o propósito do Banco é promover "o desenvolvimento econômico e o progresso social dos países membros e das comunidades muçulmanas, individualmente e em conjunto, em conformidade com os princípios da Shari'ah, ou seja, da Lei Islâmica." O Banco ajudou a chamar a atenção de Wall Street e, subsequentemente, em 1999, o índice Dow Jones Islamic Market foi criado, o qual contém aproximadamente 1.862 ações em conformidade com a Shari`ah; elas provêm de 34 países e têm uma capitalização de 11 trilhões de dólares. O FTSE Islamic Market Index abrange 660 empresas que atuam segundo a Shari'a e inclui nomes notáveis como a Coca-Cola e a Microsoft.

A assessoria financeira islâmica, como sua contrapartida cristã, na Crown, vem rendada com citações das obras "sagradas", lembrando o investidor ou o mutuário da gravidade de investir em Deus ou de tomar emprestado de Deus. "Receie o dia em que você deverá voltar para Alá, naquele dia todos deverão ser pagos, integralmente, segundo o que ganharam. E ninguém poderá ser ofendido." Essa admonição aparece num site de banco islâmico, seguindo um debate sobre finanças e empréstimos. Segundo o Alcorão e a Bíblia, criar confusão com o dinheiro de Deus —não obter um bom retorno— pode meter o indivíduo numa fria e causar muitos problemas no dia do juízo final.

Naturalmente, nenhuma olhadela nas finanças de Deus estaria completa sem a Igreja Católica. O Truste de Investimentos em Valores Católicos coloca o dinheiro de Deus em cerca de 100 títulos Blue Chip, ou seja, ações de primeira linha, mas o dinheiro pode ser investido somente depois que o Magisterium da Igreja e o Conselho de Assessores do Truste analisam as ações para terem certeza de que as empresas representadas pelas ações aderem aos ensinamentos de Deus. O Conselho conta entre seus membros Margaret Heckler, previamente congressista, embaixadora e burocrata do governo dos EUA, e dois ex-embaixadores junto à Santa Sé, em Roma. Os investimentos incluem empresas com contratos com o Departamento de Defesa, como a General Electric e a ITT Industries, a Alcoa Aluminum, American Express, Coca, Pepsi, assim como conglomerados dos setores petrolíferos e de energia. Levante mil dólares e tome parte também das altas rentabilidades do Truste Católico.

Nas imortais palavras do Pastor Simon de Cheltenham, Reino Unido: "Nós vemos que Deus — tudo menos que avesso ao dinheiro — dá poder para a obtenção de riqueza. O poder para obter riqueza está disponível em Deus. Portanto, o que devemos fazer? Precisamos nos lembrar de Deus e reconhecer que o Seu plano para riqueza está nas mãos de homens e mulheres divinos."

Então, vá para a luta e seja o melhor mestre de obras capitalista que puder. E não deixe de lembrar que, ao leiloar sua alma no E-Bay, você deverá manter-se durão na barganha com Deus. Afinal de contas, ele também é um capitalista.

John Stanton é escritor sobre assuntos de segurança nacional com base na is a Virginia e Wayne Madsen é um jornalista investigativo sediado em Washington, DC, e escreve e comenta frequentemente questões relacionadas às liberdades civis e aos direitos humanos. Eles podem ser contactados no endereço: WMadsen777@aol.com

 

 

July 9, 2002

God the Capitalist

by John Stanton and Wayne Madsen

God exists and God's a corporation.

The evidence is irrefutable. Whether through one of "his" subsidiaries--Islam Catholicism or Christian Evangelical--it's clear that God believes in one world under capitalism and demands of his minions a healthy investment portfolio of stocks and mutual funds, and an unquestioning faith in the corporate purveyors of greed and corruption. God is extravagant in tastes, paternal in his worldview, and relishes the publicity he gets on US currency and in daily recitals of US Pledge of Allegiance. He is thrilled at the building of palatial houses of worship around the world at the expense of the hundreds of millions of those who are impoverished and struggle to find food, clothing and shelter. Is their any doubt that God favors the ruthlessly powerful and wealthy: the Bushes and Bin Ladens, the Murdochs and Alsauds, the Rumsfelds and Cheneys?

God has no problem with income disparity and the brutal competition that is capitalism. In fact, he encourages it, applauds it. His beloved imbecile, US President George Bush II, spoke recently for God when he said that all matters political come from God and that God should have a say in appointing judges to America's courts. But there's more. The President owes God because God helped him become a real capitalist by helping him become a millionaire.

With so many poor, so many middle-income households struggling to make ends meet, can their be any doubt about where God's priorities are? Is it any surprise that God is hard at work through his corporations lobbying the US Congress for more tax breaks, manipulating world financial markets, changing tax codes everywhere to favor his wealthy minions, and making sure that corporate executives receive immunity from prosecution?

Saintly Investments

At Crown Financial Ministries "God's Financial Principles" are taught to practitioners. According to Crown, God suggests that disciplined financial management comes from investing according to the financial advice in the Bible. No econometric models here. "It is the blessing of the Lord that makes rich, and He adds no sorrow to it" (Proverbs 10:22). With that advise, Crown provides religious leaders and their flocks with the necessary tools to invest and manage money for easy living and, of course, turning earnings into donations back to the God's bureaucracy.

God invests through his various subsidiaries making money on everything including hip replacement gear, video games, soft drinks, genetic engineering and defense contracting. Over at Christian Stewardship Funds, God's investment managers are pretty picky about "evil doers" who might get their hands on God's money. Christian scrubs its funds and shuns investments in stocks or bonds of companies involved in abortion, alcohol, gambling, pornography, and tobacco industries. Christian claims that it is the only index mutual fund family with these screens. But wait!

The Timothy Plan goes one step beyond the Christian financial offering and claims that it is "is a family of mutual funds offering individuals, like yourself, a biblical choice when it comes to investing. If you are concerned with the moral issues (abortion, pornography, anti-family entertainment, non-married/same-sex lifestyles, alcohol, tobacco and gambling) that are destroying children and families you have come to the right place." Oddly though, one of Timothy's portfolios includes investments in BioGen, a company that develops drugs through genetic engineering and Electronic Arts, purveyors of violent video games. Also in the mix is KPMG Consulting, the firm with many US defense contracts and responsible for the flaky audit of Xerox.

BusinessWeek reports that KPMG is under investigation by the SEC here in the US and is getting hammered in Germany. "On Apr. 24, KPMG Germany was forced to disavow the financial reports of former client Comroad, a small software maker based near Munich. The embarrassing reason: On Apr. 23, a new auditor found that 97% of Comroad's reported sales in 2000 came from a nonexistent company. Former Comroad CEO Bodo A. Schnabel is in jail, awaiting trial on fraud charges. In an attempt at damage control, KPMG has said it will re-audit all 35 clients whose stocks trade on Frankfurt's tech-heavy Neuer Market." Nothing like some good old time Christian fraud. But it's the return that counts, no matter whether it's tinkering with the genetic code (obviously God's not concerned about that anymore) or the linkage to malfeasance that many of Timothy's investments have.

Show Me the Money!

"In the Name of Allah, the Most Gracious, the Most Merciful" reads the banner at the Islamic Development Bank in Jeddah, Saudi Arabia. Founded in 1975, the Bank's purpose is to promote "economic development and social progress of member countries and Muslim communities individually as well as jointly in accordance with the principles of Shari'ah i.e., Islamic Law." The bank helped get the attention of Wall Street and subsequently in 1999, the Dow Jones Islamic Market index was created which contains roughly 1,862 Shari`ah-compliant stocks from 34 countries with a market capitalization of US $11 trillion. The FTSE Islamic Market Index contains 660 Shari'a-compliant companies and includes notables such as Coca-Cola and Microsoft.

Islamic financial advice, like their Christian counterparts at Crown, are laced with quotes from "holy" works reminding the investor or borrower of the gravity of investing with God or borrowing from God. "Be fearful of a day when you shall be returned to Allah, then everybody shall be paid, in full, what he has earned. And they shall not be wronged." That admonishment appears on an Islamic-banking site after a discussion of finance and borrowing. According to the Qur'an and the Bible, messing around with God's money--not getting a good return--can get one into a lot of trouble and cause problems on judgement day.

Of course, no look at God's finances would be complete without the Catholic Church. The Catholic Values Investment Trust puts God's money into roughly 100 Blue Chip stocks but the money can only be invested after the Church Magisterium and the Trust's Board of Advisors reviews the stocks to make sure that the companies represented by the stocks adhere to God's teachings. The Board has as its members Margaret Heckler, a former Congresswoman, Ambassador and US government bureaucrat, and two former ambassadors to the Holy See in Rome. Investments include defense contractors General Electric and ITT Industries, Alcoa Aluminum, American Express, Coke, Pepsi and oil and energy conglomerates. Put up US $ 1,000 and you can get in on the high yields of the Catholic Trust.

In the immortal words of Pastor Simon of Cheltenham, UK, "We see God - far from being averse to money - gives power to get wealth. Power to get wealth is available with God. So what do we need to do? We need to remember God and recognize His plan for wealth in the hands of godly men and women."

So get out there and be the best capitalist taskmaster you can. And remember when you put your soul up for auction on E-Bay, drive a hard bargain with God. After all, he's a capitalist too.

John Stanton is a Virginia-based writer on national security affairs and Wayne Madsen is a Washington, DC-based investigative journalist who writes and comments frequently on civil liberties and human rights issues. They can be reached at: WMadsen777@aol.com

 

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