Washington destrói a democracia burguesa

 

 


Heinz Dieterich Steffan
9 de novembro de 2002

Tradução Imediata

Com afinco e determinação, a classe política estadunidense trabalha para alcançar um fim insuspeitado: subverter a democracia representativa. O que historicamente tem sido o objetivo de grupos antisistêmicos ou ditatoriais, hoje em dia é parte da agenda da elite que sente que a camisa de força dos procedimentos formal-democráticos tem que ser rompida, porque afeta negativamente seus negócios. As eleições presidenciais do ano 2000 e, novamente, as eleições do 5 de novembro de 2002, ilustram o trabalho dessas toupeiras subversivas que pretendem nada menos do que a feudalização do sistema burguês.

A intenção de fazer voltar a sociedade capitalista para estruturas políticas pré-burguesas, coloca essa elite lado a lado com os aiatolás e os talibãs, cujos desenhos teocráticos não deixam lugar para os direitos humanos, a separação de poderes e a participação efetiva dos cidadãos em assuntos de política. Isso, contudo, com uma diferença fundamental: os talibãs terceiro-mundistas se encontram em Estados periféricos da sociedade global, enquanto que os representantes do neofeudalismo governam o país mais poderoso da terra.

Trata-se, de fato, de uma revolução —ou, do ponto de vista do progresso histórico, de uma contra-revolução–dentro da superestrutura da civilização atual. O velho parlamentarismo burguês, com sua idílica noção de representatividade, da divisão de poderes e de seu sistema bicameral, era devido, essencialmente, a três fatores: 1. uma economia baseada na massiva desconcentração da propriedade produtiva, com uma elite política sustentada sobre uma ampla classe de pequenos e médios empresários; 2. a composição dicotômica da classe dominante, resultado da coexistência entre a burguesia e a nobreza feudal; 3. a existência de uma classe maioritária de expropriados e marginalizados.

Hoje em dia, essas condições mudaram qualitativamente nos países mais ricos, como os Estados Unidos, onde a concentração da riqueza produtiva e improdutiva gerou uma nova nobreza capitalista transnacional que exerve o poder sem ter competência de otra fração dominante —fato, devido ao qual, a existência de um Senao é absolutamente absurda, atualmente–e cujo sustento político são as classes médias, cuja lealdade é comprada com os frutos da exploração do Terceiro Mundo.

É essa nova elite transnacional que procura sistematicamente o retrocesso da democracia formal em direção a estruturas marcadamente feudais, tanto a nível nacional como internacional, e cujas expressões políticas são os partidos políticos e equipes do grande capital, como o de George W. Bush em Washington, Silvio Berlusconi na Itália e José María Aznar na Espanha. Sua política de retrocesso ao poder pré-burguês se caracteriza pela falta de ética, o brutal uso do poder e a ausência de uma vocação democrática.

A modificação das leis italianas por parte de Berlusconi, para proteger o seu passado de corrupção do escrutínio judicial e o fortalecimento da máfia; a negação categórica de Aznar e seu Partido (PP) à condenação da ditadura de Franco e à tentativa de golpe de Estado contra a nascente democracia espanhola, assim como o uso da tortura no país basco, possibilitado, entre outros, pelo juiz Baltasar Garzón, e as eleições estadunidenses de 2000 e 2002 ilustram essa tendência do sistema.

Nas eleições presidenciais do 2000, prevaleceram as seguintes características antidemocráticas: 1. o ganhador da contenda eleitoral, George W. Bush, foi o candidato que menos votos efetivos tinha recebido; 2. Com um abstencionismo de 50 porcento e o 50 porcento da votação para Bush, sua legitimidade se sustenta em apenas 25 porcento do eleitorado total; 3. mais que de um sufrágio democrático, tratava-se de um golpe eleitoral que triunfou por um sistema eleitoral antidemocrático, a corrupção, a intimidação e a legalização da fraude pelo sistema judicial, incluída a Corte Suprema de Justiça em Washington.

Nas eleições do 5 de novembro, o abstencionismo superou as cifras do ano 2000; segundo prognósticos da Gallup e outras instituições, em torno do 65 porcento dos estadunidenses não iam exercer o seu direito de sufrágio, apesar de que os candidatos para a Câmara de Deputados, o Senado e os postos governamentais haviam gastado mais de 336 milhões de dólares somente para a publicidade na televisão. Em alguns lugares particularmente corruptos, como Miami, foi "a policía quem organizou tudo, do treinamento dos empregados eleitorais até o fechamento das cédulas eleitorais", reportou o The New York Times, e acrescentou que foi por isso que os eleitores tiveram "relativamente poucos problemas".

O resultado das eleições de novembro é, provavelmente, ainda mais desastroso para a democracia do que o do ano 2000, porque o Partido Republicano acabou ficando com o controle dos três poderes do Estado. Quando Montesquieu idealizou a sua célebre divisão de poderes para controlar o Leviatã estatal, advertia sabiamente que a separação dos poderes judiciais, legislativos e executivos só poderia ser efetiva, se refletisse as diferentes classes sociais. Sem esta condição, a democracia ocidental seria, de fato, como os despotismos orientais, por exemplo, a Turquia.

Nos Estados Unidos, hoje em dia, não só é a mesma classe social que controla os três poderes, como é o mesmo partido político, o que invalida, essencialmente, o mecanismo de Montesquieu. E, sendo os Estados Unidos uma democracia imperial, essa característica se estende ao exterior. No recente assassinato do suposto terrorista da Al Quaeida, Quaed Salim Sinan al-Harethi, junto com outras cinco pessoas, no Iêmen, a partir de um avião de controle remoto (Predator) da Agência Central de Inteligência (CIA) estadunidense, Washington assume os papéis de fiscal, juiz e verdugo, desconhecendo, de fato, as bases fundamentais do direito moderno e substituindo-as pelo sistema dos esquadrões da morte estatais, que Israel emprega na Palestina.

O processo estrutural de erosão da democracia formal nos Estados Unidos está sendo fomentado pela falta de ética da classe política e de suas organizações. Quando o Congresso, depois de sete anos de incapacidade para impor uma lei limitando os donativos eleitorais, finalmente votou sua entrada em vigor para depois das eleições de 5 de novembro, tanto os republicanos como os democratas estabeleceram imediatamente mecanismos para invalidar os efeitos da nova lei. Por exemplo, Terry McAucliffe, o presidente do Comitê Nacional do Partido Democrata convocou há duas semanas os mais aguerridos lobistas do Partido para um conclave secreto em Washington, para dizer-lhes que essa "reforma de donativos eleitorais é essencialmente uma porcaria" e que deveriam conseguir todo o dinheiro possível nos anos 2003 e 2004.

Com uma classe política deste tipo, nem sequer a raquítica democracia formal pode funcionar.

 

9 de noviembre del 2002

 

Washington destruye la democracia burguesa

Heinz Dieterich Steffan

Con ahínco y determinación la clase política estadounidense trabaja para lograr un fin insospechado: subvertir a la democracia representativa. Lo que históricamente ha sido objetivo de grupos antisistémicos o dictatoriales, hoy día es parte de la agenda de la elite que siente que la camisa de fuerza de los procedimientos formal-democráticos debe romperse, porque afecta negativamente a sus negocios. Las elecciones presidenciales del año 2000 y, nuevamente, las elecciones del 5 de noviembre del 2002, ilustran la labor de esos topos subversivos que pretenden nada menos que la feudalización del sistema burgués.

La intención de regresar la sociedad capitalista hacia estructuras políticas preburguesas, pone a esa elite a la par con los ayatollahs y talibanes, cuyos diseños teocráticos no dejan lugar para los derechos humanos, la separación de poderes y la participación efectiva de los ciudadanos en los asuntos de la res publica. Esto, sin embargo, con una diferencia fundamental: los talibanes tercermundistas se encuentran en Estados periféricos de la sociedad global, mientras que los representantes del neofeudalismo gobiernan al país más poderoso de la tierra.

Se trata, de hecho, de una revolución ---o, desde el punto de vista del progreso histórico, de una contrarrevolución--- dentro de la superestructura de la civilización actual. El viejo parlamentarismo burgués, con su idílica noción de la representatividad, de la división de poderes y de su sistema bicameral, se debió, esencialmente, a tres factores: 1. una economía basada en la masiva desconcentración de la propiedad productiva, con una elite política sustentada sobre una amplia clase de pequeños y medianos empresarios; 2. La composición dicotómica de la clase dominante, resultado de la coexistencia entre la burguesía y la nobleza feudal; 3. La existencia de una clase mayoritaria de expropiados y marginados.

Hoy día, esas condiciones han cambiado cualitativamente en los países más ricos, como Estados Unidos, donde la concentración de la riqueza productiva e improductiva ha generado una nueva nobleza capitalista transnacional que ejerce el poder sin tener competencia de otra fracción dominante ---hecho, por el cual, la existencia de un Senado es absolutamente absurda hoy día--- y cuyo sostén político son las clases medias, cuya lealtad es comprada con los frutos de la explotación del Tercer Mundo.

Es esa nueva elite transnacional que procura sistemáticamente la regresión de la democracia formal hacia estructuras marcadamente feudales, tanto a nivel nacional como internacional, y cuyas expresiones políticas son los partidos políticos y equipos del gran capital, como el de George W. Bush en Washington, Silvio Berlusconi en Italia y José María Aznar en España. Su política de regresión al poder preburgués se caracteriza por la falta de ética, el brutal uso del poder y la ausencia de una vocación democrática.

La modificación de las leyes italianas por parte de Berlusconi, para proteger su pasado de corrupción del escrutinio judicial y el reforzamiento de la mafia; la negación categórica de Aznar y su Partido (PP) a la condena de la dictadura de Franco y al intento de golpe de Estado contra la naciente democracia española, al igual que el uso de la tortura en el país vasco, posibilitado, entre otros, por el juez Baltasar Garzón, y las elecciones estadounidenses del 2000 y 2002 ilustran esa tendencia del sistema.

En las elecciones presidenciales del 2000 prevalecieron las siguientes características antidemocráticas: 1. El ganador de la contienda electoral, George W. Bush, fue el candidato que menor cantidad de votos efectivos había recibido; 2. Con un abstencionismo del 50 por ciento y el 50 por ciento de la votación para Bush, su legitimidad se sustenta en apenas el 25 por ciento del electorado total; 3. Más que un sufragio democrático se trataba de un golpe electoral que triunfó por un sistema electoral antidemocrático, la corrupción, la intimidación y la legalización del fraude por el sistema judicial, incluída la Corte Suprema de Justicia en Washington.

En las elecciones del 5 de noviembre, el abstencionismo superó las cifras del 2000; según pronósticos de Gallup y otras instituciones, alrededor del 65 por ciento de los estadounidenses no iban a ejercer su derecho de sufragio, pese a que los candidatos para la Cámara de Diputados, el Senado y las gobernaturas, habían gastado más de 336 millones de dólares tan sólo para la publicidad televisiva. En algunos lugares particularmente corruptos, como Miami, fue "la policía la que organizó todo, desde el entrenamiento de los empleados electorales hasta el aseguramiento de las boletas electorales", reportó el The New York Times, y agregó que fue por eso que los votantes tuvieron "relativamente pocos problemas".

El resultado de las elecciones de noviembre es, posiblemente, aún más desastroso para la democracia que el del 2000, porque el Partido Republicano se quedó con el dominio de los tres poderes del Estado. Cuando Montesquieu ideó su célebre división de poderes para controlar al Leviathán estatal, advertía sabiamente que la separación de los poderes judiciales, legislativos y ejecutivos sólo podía ser efectiva, si reflejaba a clases sociales diferentes. Sin esta condición, la democracia occidental iba a ser, de hecho, como los despotismos orientales, por ejemplo, Turquía.

En Estados Unidos, hoy día, no sólo es la misma clase social que controla a los tres poderes, sino el mismo partido político, lo que invalida, esencialmente, el mecanismo de Montesquieu. Y, siendo Estados Unidos una democracia imperial, esa característica se extiende al exterior. En el reciente asesinato del supuesto terrorista de Al Quaeida, Quaed Salim Sinan al-Harethi, junto con otras cinco personas, en Yemen, desde un avión a control remoto (Predator) de la Agencia Central de Inteligencia (CIA) estadounidense, Washington asume los papeles de fiscal, juez y verdugo, desconociendo, de facto, las bases fundamentales del derecho moderno y sustituyéndolas por el sistema de los escuadrones de la muerte estatales, que Israel emplea en Palestina.

El proceso estructural de erosión de la democracia formal en Estados Unidos está siendo fomentado por la falta de ética de la clase política y sus organizaciones. Cuando el Congreso, después de siete años de incapacidad para imponer una ley limitante de los donativos electorales, finalmente votó su entrada en vigor para después de las elecciones del 5 de noviembre, tanto los republicanos como los demócratas establecieron inmediatamente mecanismos para invalidar los efectos de la nueva ley. Por ejemplo, Terry McAucliffe, el presidente del Comité Nacional del Partido Demócrata convocó hace dos semanas a los más aguerridos lobbyistas del Partido a un cónclave secreto en Washington, para decirles que esa "reforma de donativos electorales es esencialmente basura" y que deberían conseguir todo el dinero posible en los años 2003 y 2004.

Con una clase política de este tipo, ni siquiera la raquítica democracia formal puede funcionar.

 

 

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