Conflito sobre a mídia no Brasil: um espelho distante

 

 


Norman Solomon
CommonDreams.org

14 de novembo de 2003

Tradução Imediata

RIO DE JANEIRO — Depois de um quarto de século de intensiva organização a partir das comunidades de base e de uma campanha presidencial vitoriosa, há um ano, os movimentos sociais brasileiros estão numa posição forte, à medida em que pressionam o Partido dos Trabalhadores, de esquerda, a cumprir as promessas que havia feito. O contraste com o atual clima político de Washington é tão diametralmente oposto quanto a ocorrência das estações em um e noutro país. Apesar disso, os ativistas brasileiros estão, agora, dando muita prioridade à mesma preocupação que absorve um número cada vez maior de pessoas nos Estados Unidos — o imperativo de se desafiar a mídia corporativa.

Na noite do dia 10 de novembro, na sede da Associação Brasileira de Imprensa, aqui no Rio de Janeiro, mais de 100 ativistas se reuniram para lançar a Campanha Nacional para a Democratização da Mídia. Apesar do progresso pela justiça social, a mídia de massas no Brasil permanece firmemente nas mãos de nove ricas famílias, decididas a servir os interesses da elite econômica conservadora. As contradições entre o movimento democrático ascendente e a desgastada oligarquia da mídia são extremas.

O governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva — conhecido por todos simplesmente como "Lula" — representa uma esperança para uma ampla fatia da população; pessoas empobrecidas, vítimas da vergonhosa desigualdade econômica do país. Um dos objetivos fundamentais é a reforma agrária — questão que se tornou proeminente nos recentes anos, sobretudo devido ao trabalho pioneiro do movimento diverso e bem organizado dos trabalhadores sem terra, o MST.

A constituição do Brasil estipula que a propriedade da terra que não estiver sendo utilizada para fins produtivos seja transferida para os cidadãos destituídos. Cansados, há muitos anos, com o fracasso do governo em não implementar essa estipulação, o MST organizou muitas tomadas de posse de terras, nos últimos anos.

Ataques violentos contra os trabalhadores sem terra pela polícia e pelos esquadrões privados têm sido cotejados com outros tantos ataques por parte dos maiores veículos de comunicação do país.

Os ativistas do MST estão sendo caluniados e difamados pelos principais meios de comunicação do Brasil. Eles dizem que a mídia do sistema está procurando "criminalizar os movimentos sociais". É por isso que o MST juntou forças com muitos outros grupos para lançar a Campanha pela Democratização da Mídia.

Em muitas das reuniões que ocorreram no mês de novembro — inclusive o primeiro Fórum Social Brasileito, que fez convergir 25.000 ativistas para a cidade de Belo Horizonte — eu ouvi muitas pessoas compararem as lutas pela terra com as lutas pelo espaço na mídia. Um dos oradores chegou a conclamar por uma "reforma agrária das ondas aéreas".

Um dos principais componentes da Campanha pela Democratização da Mídia é a proposta de boicote nacional contra a Veja, a maior revista semanal do país. Os ativistas chamam a revista de "símbolo da manipulação".

Um exemplo recente de uma típica intriga da Veja foi um longo artigo totalmente parcial sobre as safras geneticamente modificadas — questão altamente controvertida no Brasil, país em que a Monsanto, a empresa gigante do setor de agribusiness sediada nos EUA, está ávida para conseguir controlar a elevada produção de soja.

"Veja" significa "olhe" em português. Assim, novos adesivos que promovem o boicote dizem: "Veja! Que Mentira!"

Nos vários anos em que os eleitores votavam para o Lula, os meios de comunicação mais importantes advertiam para o perigo das iniciativas mais progressistas, enquanto o encorajavam a abandonar os elementos básicos do programa do Partido dos Trabalhadores. "Assim", comentava um líder da União Nacional dos Estudantes há alguns dias, "a luta pela mídia se torna mais importante".

A recente abordagem conciliatória de Lula para com o Fundo Monetário Internacional é uma vitória para o monopólio da mídia no Brasil e para os interesses que ela representa. Mas ele parece estar avançando em relação a alguns aspectos da agenda pela justiça social, o que poderia colocá-lo em confronto com os titãs da mídia.

Enquanto lançam as bases para confrontar diretamente a concentração antidemocrática de poder dos meios de comunicação, os movimentos sociais brasileiros estão também desenvolvendo meios de comunicação independentes.

Grupos de comunidades de base estão fazendo uso eficaz de transmissores de rádio não licenciados que informam as favelas e outros bairros de maneiras que são impossíveis para a mídia capitalista. Um jornal semanal surpreendente que circula em todo o país, Brasil de Fato, está chegando ao seu primeiro ano de aniversário. Muitos outros meios de informação não-corporativa estão já em funcionamento, e tantos outros estão para serem lançados.

Esses meios fornecem um ambiente de trabalho muito diferente do que aquele oferecido pela mídia corporativa do Brasil. Muitos jornalistas que trabalham para os maiores meios de comunicação reclamam do fato de que estão sendo pressionados e coagidos quanto à cobertura noticiosa — essas restrições podem envolver a não cobertura de greves, ou a proibição de mencionarem que um governador tenha sido vaiado num evento público.

Depois de freqüentar reuniões e ouvir conferências por alguns dias em três cidades brasileiras, devo dizer que eu me senti em casa. Os movimentos pela democracia estão aprendendo a como se organizarem para a democratização da mídia. No Brasil e nos Estados Unidos, assim como em outros lugares, não somente vale a pena lutar por um livre fluxo de informações e opiniões, como também — é essencial fazê-lo.

Norman Solomon é coautor de "Target Iraq: What the News Media Didn't Tell You." ("Alvo-Iraque: o que a mídia noticiosa não contou"). Para ler uma passagem do livro (em inglês), ou obter maiores informações, visite: www.contextbooks.com/new.html#target

Published on Friday, November 14, 2003 by CommonDreams.org

 

Media Clash in Brazil: A Distant Mirror

by Norman Solomon

RIO DE JANEIRO -- After a quarter-century of intensive grassroots organizing and a victorious presidential campaign a year ago, Brazilian social movements are in a strong position as they push the left-wing Workers Party government to fulfill its promises. The contrast to Washington's current political climate is as diametrical as the opposite seasons of the two countries. Yet Brazilian activists are now giving heightened priority to the same concern that preoccupies an increasing number of people in the United States -- the imperative of challenging the corporate media.

On the night of Nov. 10, at the headquarters of the Brazilian Press Association here in Rio, more than 100 activists gathered to help kick off the nationwide Campaign for Media Democratization. In spite of progress for social justice, Brazil's mass media remain firmly in the hands of nine wealthy families intent on serving the interests of conservative economic elites. The contradictions between an ascendant democratic movement and a timeworn media oligarchy are extreme.

The government of President Luiz Inacio Lula da Silva -- known to all as simply "Lula" -- represents hope for a vast population of impoverished people suffering from the country's shameful economic inequality. One of the key goals is agrarian reform -- an issue that has come to great prominence in recent years largely due to the pathbreaking work of Brazil's diverse and well-organized landless workers movement, the MST.

Brazil's constitution stipulates that ownership of land not being put to social use can be transferred to dispossessed citizens. Fed up with the government's longstanding failure to implement that provision, the MST has organized many land takeovers in recent years.

Violent physical attacks on landless workers by police and goon squads have run parallel to the media attacks in the nation's largest news outlets.

MST activists are being slandered and trashed by major media in Brazil. They say the media establishment is seeking to "criminalize the social movements." That's why the MST has joined forces with many other groups to launch the Campaign for Media Democratization.

At several gatherings in November -- including the first Brazilian Social Forum, which drew 25,000 activists to the city of Belo Horizonte -- I heard many people compare the struggles for land and for media space. One speaker called for "agrarian reform of the airwaves."

Among the first components of the Campaign for Media Democratization is a nationwide boycott of Veja, the country's biggest weekly newsmagazine. Activists call the slick magazine "a symbol of manipulation."

A recent example of Veja's typical spin was an extensive one-sided article about genetically modified crops -- a fiercely contested issue in Brazil, where the U.S.-based agribusiness giant Monsanto is eager to gain high-tech control over the nation's large soybean industry.

"Veja" means "look" in Portuguese. So, new stickers promoting the boycott say "Veja! Que Mentira!" Translation: "Look! What a lie!"

During the year since voters chose Lula in a landslide, mainstream Brazilian media outlets have often warned against progressive initiatives while encouraging him to abandon key elements of the Workers Party program. "In this way," a National Student Union leader commented days ago, "the media struggle becomes more important."

Lula's newly conciliatory approach toward the International Monetary Fund early this month is a victory for Brazil's media monopoly and the interests it represents. But he appears to be moving ahead with some aspects of a social-justice agenda that could put him on a collision course with media titans.

While laying the groundwork for directly confronting anti-democratic concentrations of media power, Brazilian social movements are also proceeding to further develop independent means of communication.

Grassroots groups are making effective use of unlicensed radio transmitters that inform shantytowns and other neighborhoods in ways that are impossible via capitalist media. An impressive weekly broadsheet newspaper that circulates nationally, Brasil de Fato, is nearing its first anniversary. Numerous other non-corporate media outlets are already functioning, and many others are in the works.

Such outlets provide a markedly different working environment than Brazil's corporate media do. Many mainstream journalists complain that they're under pressure to constrain news coverage -- whether the restrictions involve not reporting on strikes or not mentioning that a governor was booed at a public event.

After a few days of going to meetings and listening to speeches in three Brazilian cities, I felt right at home. Movements for democracy are learning how to organize for democratization of media. In Brazil and the United States, or anywhere else, a free flow of information and opinion is not only worth fighting for -- it's essential.

Norman Solomon is co-author of "Target Iraq: What the News Media Didn't Tell You." For an excerpt and other information, go to: www.contextbooks.com/new.html#target

 

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