A crise dos judeus norte-americanos

 

 


Edward Said
Al Ahram

17 de maio de 2002

Tradução Imediata

Há algumas semanas, mais ou menos enquanto estava ocorrendo o cerco de Jenin, teve lugar uma vociferante manifestação pró-Israel, em Washington. Todos os oradores eram proeminentes figuras públicas, incluindo vários senadores, os líderes das principais organizações judaicas, além de outras celebridades. Cada uma dessas pessoas expressou sem reservas sua solidariedade com relação a qualquer coisa que fosse feita por Israel. O governo EUA foi representado por Paul Wolfowitz, o número dois do Departamento de Defesa, um falcão de extrema direita que desde setembro tem insistido em "acabar" com países como o Iraque. Também conhecido por ser um defensor rigoroso de Israel, em seu discurso fez como todos os demais — celebrou Israel e expressou seu apoio total e incondicional — porém, inesperadamente, referiu-se, de passagem, aos "sofrimentos dos palestinos". Devido a esta frase, ele foi tão vaiado, e por tanto tempo, que não pode continuar o seu discurso, abandonando a plataforma numa espécie de estado de desgraça.

A moral deste incidente é que, hoje em dia, o apoio público dos judeus dos EUA a Israel simplesmente não tolera qualquer tipo de insinuação sobre a existência de um povo palestino real, exceto no contexto do terrorismo, da violência, da maldade e do fanatismo. Além disso, essa recusa de ver ou muito menos ouvir qualquer coisa relacionada com a existência de um "outro lado", excede de muito o fanatismo anti-árabe que existiria entre os israelenses, que estão, naturalmente, na linha de frente da luta na Palestina. Se julgarmos pelas recentes demonstrações contra a guerra, que reuniu 60.000 pessoas em Tel Aviv, o número crescente de reservistas que se recusam de prestar seu serviço militar nos territórios ocupados, o protesto sustentado por alguns intelectuais e grupos (admitindo que se trata somente de alguns), e algumas das recentes sondagens de opinião que mostram que a maioria dos israelenses deseja a retirada em troca de paz com os palestinos, existe, pelo menos, uma dinâmica de atividade política entre os judeus israelenses. Mas o mesmo não ocorre nos EUA.

Há duas semanas, a revista New York, que tem uma circulação de cerca de um milhão de exemplares, publicou um dossiê titulado "A crise dos judeus norte-americanos", tendo como tema que "em Nova York, assim como em Israel, [trata-se] de uma questão de sobrevivência". Não tentarei resumir os pontos principais desta reivindicação extraordinária, direi apenas que foi pintado um quadro de tal angústia sobre "o que é mais precioso na minha vida, o estado de Israel", conforme declarou um dos famosos nova-iorquinos citados na revista, que se poderia pensar que a existência da mais próspera e poderosa de todas as minorias dos EUA esteja realmente ameaçada. Uma das outras pessoas citadas chegou até a sugerir que os judeus dos EUA estão à beira de um segundo holocausto. Seguramente, conforme afirmou o autor de um dos artigos do dossiê, a maioria dos judeus dos EUA endossa com entusiasmo o que Israel fez na Cisjordânia, e um deles disse, por exemplo, que agora o seu filho está no exército de Israel e que está "armado, é perigoso e matará tantos palestinos quanto possível".

O sentimento de culpa de estar bem acomodado nos EUA pode levar a uma culpa que desempenha um papel importante nesse tipo de pensamento enganoso, mas é, principalmente, o resultado de um extraordinário auto-isolamento na fantasia e no mito que se origina de uma educação e um nacionalismo irrefletidos que são únicos no mundo. Desde que a Intifada começou há quase dois anos, a mídia dos EUA e as principais organizações judaicas têm divulgado todos os tipos de ataque com relação à educação islâmica no mundo árabe, no Paquistão e até mesmo nos EUA. Elas têm acusado as autoridades islâmicas, assim como a Autoridade Palestina de Arafat de ensinar aos jovens o ódio contra a América e Israel, as virtudes dos ataques suicidas, e uma admiração ilimitada pela jihad. Pouco tem sido dito, entretanto, dos resultados do que os judeus americanos têm ensinado sobre o conflito na Palestina: de que a Palestina foi dada aos judeus por Deus, de que era uma região desocupada, de que foi liberada pela Grã-Bretanha, de que os nativos fugiram porque seus dirigentes lhes ordenaram para fugir, de que os palestinos, efetivamente, não existem, exceto recentemente, no papel de terroristas, de que todos os árabes são antisemitas e que querem matar os judeus.

Em nenhum momento de toda essa incitação ao ódio, a realidade do povo palestino existe, e para sermos mais precisos, não é feita qualquer conexão entre a animosidade palestina e a inimizade com relação a Israel, e o que Israel tem feito aos palestinos desde 1948. É como se não contasse nada toda a história de privações, a destruição de uma inteira sociedade, os 35 anos de ocupação da Cisjordânia e de Gaza, sem falar nos massacres, bombardeios, expulsões, desapropriações de terras, matanças, cercos, humilhações, anos de punição e assassinatos coletivos que têm ocorrido por décadas. Isso porque Israel teria sido vitimizado pela raiva, hostilidade e o antisemitismo gratuito dos palestinos. A maioria dos simpatizantes norte-americanos de Israel simplesmente não consegue ver Israel como o autor real de ações específicas feitas em nome do povo judeu pelo estado judeu, e conectar consequentemente aquelas ações aos sentimentos palestinos de raiva e vingança.

No fundo, o problema é que os palestinos não existem como seres humanos, ou seja, como seres humanos com uma história, tradições, sociedade, sofrimentos e ambições como qualquer outro povo. Deveríamos indagar mais porque pensa assim a maioria (sem dúvida, não todos) os judeus simpatizantes de Israel nos EUA. A origem é o conhecimento de que havia um povo indígena na Palestina — todos os líderes sionistas sabiam e falavam disso — mas nunca se admitiu o fato como algo que poderia evitar a colonização. Assim, a prática sionista coletiva seja de negar o fato, ou mais especialmente nos EUA, de mentir a respeito do mesmo, produzindo uma contrarealidade, onde a realidade não pode ser verificada. Durante décadas, foi decretado aos alunos nas escolas que não existiam palestinos quando os pioneiros sionistas chegaram e que, portanto, aquele povo variado que atira pedras e luta contra a ocupação é, simplesmente, um grupo de terroristas que merece a morte.

Em poucas palavras, os palestinos não merecem nada que se assemelhe a uma narrativa ou atualização coletivas, e devem transmutar-se e dissolver-se em imagens essencialmente negativas. Isso é inteiramente resultado de uma educação distorcida, disseminada entre milhões de jovens que crescem sem a consciência de que o povo palestino foi totalmente desumanizado para servir um fim político-ideológico, especialmente para manter um amplo apoio a Israel.

O que é muito surpreendente é que nessa distorção não tenha qualquer peso a noção da coexistência entre os povos. Embora os judeus nos EUA queiram ser reconhecidos como judeus e estadunidenses nos EUA, são totalmente contrários a outorgar uma condição semelhante aos árabes ou aos palestinos, sendo que esses povos têm sido oprimidos por Israel desde o princípio.

Somente depois de viver nos EUA por muitos anos, pode-se ter consciência da profundidade de um problema que transcende, de muito, a política comum. A supressão intelectual dos palestinos, levada a cabo pela educação sionista, produziu um sentido da realidade irrefletido e perigosamente enviesado, segundo o qual tudo o que for feito por Israel, é feito como vítima. Conforme os vários artigos que citei acima, os judeus norte-americanos em crise sofrem, por extensão, o mesmo que quase todos os judeus israelenses de extrema direita: correm perigo e sua sobrevivência está em risco. Isso não tem nada a ver com a realidade, mas com um estado alucinatório que faz pouco caso da história e dos fatos, através de um narcisismo supremo e impensado. Uma declaração de defesa recente do que foi dito por Wolfowitz em seu discurso evitou fazer referência aos palestinos, mas defendeu a política do presidente Bush no Oriente Médio.

Trata-se de uma desumanização em larga escala, que é recrudescida, tenho que dizer, pelos ataques suicidas que desfiguraram e degradaram a luta palestina. Todos os movimentos de libertação da história afirmaram que sua luta é pela vida, não pela morte. Porque a nossa luta teria que ser uma exceção? Quanto antes educarmos nossos inimigos sionistas e mostrarmos que nossa resistência oferece coexistência e paz, tanto menos provável que poderão nos matar a vontade, ou que se referirão a nós exclusivamente como terroristas. Não estou dizendo que Sharon e Netanyahu poderão mudar. Mas digo que há uma base social palestina, sim, palestina, uma israelense e uma estadunidense às quais devemos lembrar, com estratégia e tática, que a força das armas, dos tanques e das bombas humanas não são a solução, mas que produzirão somente mais delírio e distorção, em ambos os lados.

 

Crisis For American Jews

by Edward Said

Al Ahram

May 17, 2002

A few weeks ago, a vociferous pro-Israel demonstration was held in Washington at roughly the same moment that the siege of Jenin was taking place. All of the speakers were prominent public figures, including several senators, leaders of major Jewish organisations, and other celebrities, each of whom expressed unfailing solidarity with everything Israel was doing. The administration was represented by Paul Wolfowitz, number two at the Department of Defence, an extreme right-wing hawk who has been speaking about "ending" countries like Iraq ever since last September. Also known as a rigorous hard- line supporter of Israel, in his speech he did what everyone else did -- celebrated Israel and expressed total unconditional support for it -- but unexpectedly referred in passing to "the sufferings of the Palestinians." Because of that phrase, he was booed so loudly and so long that he was unable to continue his speech, leaving the platform in a kind of disgrace.

The moral of this incident is that public American Jewish support for Israel today simply does not tolerate any allowance for the existence of an actual Palestinian people, except in the context of terrorism, violence, evil and fanaticism. Moreover, this refusal to see, much less hear anything about, the existence of "another side" far exceeds the fanaticism of anti-Arab sentiment among Israelis, who are of course on the front line of the struggle in Palestine. To judge by the recent antiwar demonstration of 60,000 people in Tel Aviv, the increasing number of military reservists who refuse service in the occupied territories, the sustained protest of (admitted only a few) intellectuals and groups, and some of the polls that show a majority of Israelis willing to withdraw in return for peace with the Palestinians, there is at least a dynamic of political activity among Israeli Jews. But not so in the United States.

Two weeks ago the weekly magazine New York, which has a circulation of about a million copies, ran a dossier entitled "Crisis for American Jews," the theme being that "in New York, as in Israel, [it is] an issue of survival." I won't try to summarise the main points of this extraordinary claim except to say that it painted such a picture of anguish about "what is most precious in my life, the state of Israel," according to one of the prominent New Yorkers quoted in the magazine, that you would think that the existence of this most prosperous and powerful of all minorities in the United States was actually being threatened. One of the other people quoted even went as far as to suggest that American Jews are on the brink of a second holocaust. Certainly, as the author of one of the articles said, most American Jews support what Israel did on the West Bank, enthusiastically; one American Jew said, for instance, that his son is now in the Israeli army and that he is "armed, dangerous and killing as many Palestinians as possible."

Guilt at being well-off in America plays a role in this kind of delusional thinking, but mostly it is the result of an extraordinary self-isolation in fantasy and myth that comes from education and unreflective nationalism of a kind unique in the world. Ever since the Intifada broke out almost two years ago, the American media and the major Jewish organisations have been running all kinds of attacks on Islamic education in the Arab world, Pakistan and even in the US. These have accused Islamic authorities, as well as Arafat's Palestinian Authority, of teaching youngsters hatred of America and Israel, the virtues of suicide bombing, unlimited praise for jihad. Little has been said, however, of the results of what American Jews have been taught about the conflict in Palestine: that it was given to Jews by God, that it was empty, that it was liberated from Britain, that the natives ran away because their leaders told them to, that in effect the Palestinians don't exist except recently as terrorists, that all Arabs are anti-Semitic and want to kill Jews.

Nowhere in all this incitement to hatred does the reality of a Palestinian people exist, and more to the point, there is no connection made between Palestinian animosity and enmity towards Israel and what Israel has been doing to Palestinians since 1948. It's as if an entire history of dispossession, the destruction of a society, the 35 year old occupation of the West Bank and Gaza, to say nothing of massacres, bombardments, expulsions, land expropriations, killings, sieges, humiliations, years of collective punishment and assassinations that have gone on for decades were as nothing, since Israel has been victimised by Palestinian rage, hostility and gratuitous anti-semitism. It simply does not occur to most American supporters of Israel to see Israel as the actual author of specific actions done in the name of the Jewish people by the Jewish state, and to connect in consequence those actions to Palestinian feelings of anger and revenge.

The problem at bottom is that as human beings the Palestinians do not exist, that is, as human beings with history, traditions, society, sufferings and ambitions like all other people. Why this should be so for most but by no means all American Jewish supporters of Israel is something worth looking into. It goes back to the knowledge that there was an indigenous people in Palestine -- all the Zionist leaders knew it and spoke about it -- but the fact as a fact that might prevent colonisation could never be admitted. Hence the collective Zionist practice of either denying the fact or, more specially in the US where the realities are not so available for actual verification, lying about it by producing a counter-reality. For decades it has been decreed to schoolchildren there were no Palestinians when the Zionist pioneers arrived and so those miscellaneous people who throw stones and fight occupation are simply a collection of terrorists who deserve killing. Palestinians, in short, do not deserve anything like a narrative or collective actuality, and so they must be transmuted and dissolved into essentially negative images. This is entirely the result of a distorted education, doled out to millions of youngsters who grow up without any awareness at all that the Palestinian people have been totally dehumanised to serve a political- ideological end, namely to keep support high for Israel.

What is so astonishing is that notions of co- existence between peoples play no part in this kind of distortion. Whereas American Jews want to be recognised as Jews and Americans in America, they are unwilling to accord a similar status as Arabs and Palestinians to another people that has been oppressed by Israel since the beginning.

Only if one were to live in the US for years would one be aware of the depth of the problem which far transcends ordinary politics. The intellectual suppression of the Palestinians that has occurred because of Zionist education has produced an unreflecting, dangerously skewed sense of reality in which whatever Israel does it does as a victim: according to the various articles I have mentioned above, American Jews in crisis by extension therefore feel the same thing as the most right-wing of Israeli Jews, that they are at risk and their survival is at stake. This has nothing to do with reality obviously enough, but rather with a kind of hallucinatory state that overrides history and facts with a supremely unthinking narcissism. A recent defence of what Wolfowitz said in his speech didn't even refer to the Palestinians he was referring to, but defended President Bush's Middle East policy.

This is de-humanisation on a vast scale, and it is made even worse, one has to say, by the suicide bombings that have so disfigured and debased the Palestinian struggle. All liberation movements in history have affirmed that their struggle is about life, not about death. Why should ours be an exception? The sooner we educate our Zionist enemies and show that our resistance offers co-existence and peace, the less likely will they be able to kill us at will, and never refer to us except as terrorists. I am not saying that Sharon and Netanyahu can be changed. I am saying that there is a Palestinian, yes a Palestinian constituency, as well as an Israeli and American one that needs to be reminded by strategy and tactics that force of arms and tanks and human bombs and bulldozers are not a solution, but only create more delusion and distortion, on both sides.

PALESTINA EN LUCHA

18 de mayo del 2002

 

La crisis de los judíos estadunidenses

Edward W. Said

La Jornada

Hace pocas semanas, más o menos en los momentos en que ocurría el sitio de Jenin, se llevó a cabo en Washington una vociferante manifestación pro israelí. Todos los oradores eran prominentes figuras públicas, incluidos varios senadores, los líderes de las principales organizaciones judías y otras celebridades. Cada una de estas personas expresó sin reservas su solidaridad hacia cualquier cosa que hiciera Israel.

En representación del gobierno estuvo Paul Wolfowitz, el número dos en el Departamento de Defensa, un halcón de extrema derecha que desde septiembre ha estado insistiendo en "terminar" con países como Irak. En su discurso, hizo lo que todo el resto -celebró a Israel y le expresó su apoyo total e incondicional- pero sorpresivamente se refirió, de pasada, a "los sufrimientos de los palestinos". Debido a esta frase, lo abuchearon tan fuerte y tanto tiempo que le fue imposible continuar su alocución y abandonó el estrado en una suerte de desgracia.

La moraleja de este incidente es que el respaldo público de los judíos estadunidenses hacia Israel simplemente no tolera nada que insinúe la existencia de un pueblo palestino real, excepto en el contexto del terrorismo, la violencia, la maldad y el fanatismo. Es más, esta renuencia a ver, ya no se diga a escuchar nada relacionado con la existencia del "otro lado", excede con mucho el fanatismo antiárabe que pudiera hallarse entre israelíes, quienes por supuesto están en primera línea en la lucha en Palestina.

Si juzgáramos a partir de la manifestación contra la guerra que reunió a 60 mil personas en Tel Aviv, del número creciente de reservistas que se niegan a hacer su servicio militar en los territorios ocupados, de la protesta sostenida de algunos intelectuales y grupos (admitimos que sólo unos cuantos), o de algunas encuestas que muestran que la mayoría de los israelíes desean retirarse a cambio de una paz con los palestinos, existe, por lo menos, una dinámica de actividad política entre los judíos israelíes. No ocurre así en Estados Unidos.

Hace 15 días, la revista semanal New York -que cuenta con una circulación de cerca de un millón de copias- publicó un portafolio titulado "La crisis de los judíos estadunidenses", cuyo meollo era que "en Nueva York, como en Israel, de lo que se trata es de sobrevivir". No intento resumir los puntos principales de este extraño alegato, pero dibujaba una situación de tal angustia "por aquello que es lo más preciado en mi vida: el Estado de Israel", como dijera uno de los prominentes neoyorquinos citados en la revista, que estaría uno tentado a pensar que la existencia de la más próspera y poderosa minoría en Estados Unidos está realmente amenazada. Otro de los citados llegó a sugerir que los judíos estadunidenses estaban al borde de un segundo holocausto. Ciertamente, como dijo uno de los autores de los textos del portafolio, la mayoría de los judíos estadunidenses apoya con entusiasmo lo que Israel hizo en la Franja Occidental; uno de ellos, por ejemplo, dijo que su hijo estaba en el ejército is-raelí y que de hecho estaba "armado, es peligroso y matará a tantos palestinos como pueda".

Sentirse bien acomodado en Estados Unidos puede conducir a una culpa que juega un papel importante en esta clase de pensamiento engañoso, pero éste es más el producto de un extraordinario autoaislamiento en la fantasía y los mitos surgidos de la educación y de un nacionalismo irreflexivo, único en el mundo.

Desde el estallido de la intifada hace casi dos años, los medios estadunidenses y las principales organizaciones judías han emprendido toda suerte de ataques contra la educación islámica en el mundo árabe, en Paquistán e incluso en Estados Unidos. Han acusado a las autoridades islámicas y a la Autoridad Nacional Palestina de Yasser Arafat de inculcarle a los jóvenes un odio hacia Estados Unidos e Israel, las virtudes de los bombazos suicidas y una desmedida admiración por la Jihad. Sin embargo, poco se dice de lo que se inculca a los judíos estadunidenses en torno al conflicto en Palestina: que esta tierra les fue otorgada a los judíos por Dios, que estaba vacía, que fue liberada de los británicos, que los nativos huyeron porque sus dirigentes les dijeron que se fueran, y que, en efecto, los palestinos no existen salvo recientemente, como terroristas; que todos los árabes son antisemitas y pretenden asesinar a los judíos.

En ningún resquicio de esta incitación al odio cabe la realidad de que el pueblo palestino exista, y siendo más precisos no se tiende conexión alguna entre la animosidad o la enemistad palestinas hacia Israel y lo que Israel le ha hecho a los palestinos desde 1948. Es como si no contara para nada toda la historia de desposesión, la destrucción de una sociedad, los 35 años de ocupación de las Franjas Occidental y de Gaza, por no hablar de las matanzas, los bombardeos, las expulsiones, las expropiaciones de tierra, las humillaciones, el estado de sitio, los años de castigo y asesinatos colectivos, ocurridos por décadas. ¿Por qué? Porque Israel es la víctima de la rabia, la hostilidad y el antisemitismo gratuito de los palestinos. La mayoría de los simpatizantes estadunidenses de Israel no ve a Israel como el autor real de acciones específicas perpetradas en nombre del pueblo judío por el Estado judío, y no establece la conexión entre estas acciones y los sentimientos de rabia y venganza de los palestinos.

En el fondo, el problema es que los palestinos no existen como seres humanos, es decir, como seres humanos con historia, tradiciones, sociedad, sufrimientos y ambiciones como los demás pueblos. Habría que indagar más en torno a por qué piensan así casi todos (sin duda no todos) los judíos simpatizantes de Israel en Estados Unidos. Todo se remonta a saber que sí había un pueblo indígena en Palestina -todos los líderes sionistas lo sabían y hablaban de él- pero nunca se admitirá el hecho si es uno que pueda evitar la colonización. De aquí que la práctica sionista colectiva sea negar el hecho o mentir acerca de éste produciendo una contrarrealidad, especialmente en Estados Unidos, donde las realidades no están disponibles para ser verificadas. Por décadas se ha decretado que, para los niños en edad escolar, no había palestinos cuando arribaron los pioneros sionistas, por lo que esos pobladores variados que arrojan piedras y luchan contra la ocupación son tan sólo grupos de terroristas que merecen la muerte.

En resumen, los palestinos no merecen nada que semeje una narrativa o actualización colectivas, y deben transmutar y disolverse en imágenes esencialmente negativas. Esto es totalmente el producto de una educación distorsionada, diseminada entre millones de jóvenes que crecen sin conciencia alguna de que se deshumanizó a los palestinos en aras de propósitos político-ideológicos, en especial el de mantener un amplio respaldo hacia Israel.

Lo sorprendente es que en esta distorsión no pese para nada la noción de la coexistencia entre pueblos. Aunque los judíos estadunidenses anhelan ser reconocidos como judíos y estadunidenses en Estados Unidos, son totalmente reticentes a otorgar un estatus semejante a los árabes o a los palestinos, siendo que Israel los ha tenido oprimidos desde el principio.

Sólo después de vivir en Estados Unidos por años, puede uno hacer conciencia de la profundidad de un problema que trasciende, con mucho, la política ordinaria. La supresión intelectual de los palestinos, llevada a cabo por la educación sionista, ha producido un sentido de la realidad irreflexivo y peligrosamente sesgado por el cual todo lo que haga Israel lo hace como víctima.

Según los varios artículos que he citado, los judíos estadunidenses en crisis sufren, por extensión, lo mismo que casi todos los judíos israelíes de extrema derecha: que corren peligro y que su sobrevivencia está en riesgo. Esto no tiene nada que ver con la realidad, pero sí con un estado alucinatorio que desecha la historia y los hechos mediante un narcisismo supremo y nada pensante. Un alegato reciente en defensa de lo dicho por Wolfowitz en su discurso evitó hacer referencia a los palestinos de los que él hablaba, pero defendió la política del presidente Bush en Medio Oriente.

Se trata de una deshumanización a vasta escala, y la recrudecen, tengo que decirlo, los bombazos suicidas que desfiguran y restan sustento a la lucha palestina.

Todos los movimientos de liberación en la historia han afirmado que su lucha es por la vida, no por la muerte. ¿Por qué tendría que ser la excepción nuestra lucha? Mientras más pronto eduquemos a nuestros enemigos sionistas y les mostremos que nuestra resistencia ofrece coexistencia y paz, menos probable será que puedan matarnos a voluntad, o que se refieran a nosotros únicamente como terroristas. No estoy diciendo que Sharon y Netanyahu puedan cambiar. Digo que hay una base social palestina, sí, palestina, y otras más israelíes y estadunidenses a las que debemos recordarles -con estrategia y táctica- que la fuerza de las armas y los tanques y las bombas humanas no son la solución. Producirán únicamente más engaño y distorsión, de ambos lados.

© Edward W. Said

Traducción: Ramón Vera Herrera

Envie um comentário sobre este artigo