Ódios antigos acionados pelo medo

 

 


Naomi Klein
Toronto Globe&Mail

24 de abril de 2002

Tradução Imediata

Eu sabia, a partir do que estavam reportando os e-mails, que algo novo estava acontecendo em Washington, na semana passada. A uma demonstração contra o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional associou-se uma marcha contra a guerra, assim como demonstrações contra a ocupação do território palestino pelos israelenses. No fim, todas as marchas se juntaram naquilo que os organizadores descreveram como a maior demonstração de solidariedade pela Palestina na história dos EUA. 75,000 pessoas, segundo estimativa da polícia.

Domingo à noite, eu liguei a televisão na esperança de dar uma olhada nesse protesto histórico. Acabei vendo outra coisa: Jean-Marie Le Pen triunfante, celebrando seu novo status de segundo líder mais popular da França. Desde então, tenho pensado se a nova aliança demonstrada nas ruas pode tratar dessa última ameaça.

Como uma pessoa crítica tanto da ocupação israelense quanto da globalização ditada pelas corporações, parece-me que a convergência que ocorreu em Washington no fim de semana passado precisava acontecer há muito tempo. Apesar dos rótulos fáceis como "antiglobalização", os protestos relacionados com o comércio dos últimos três anos têm sido a respeito de autodeterminação: o direito das pessoas, em qualquer lugar, de decidirem como melhor organizar suas sociedades e economias, quer se trate da introdução da reforma agrária, no Brasil, ou da produção de remédios genéricos para a AIDS, na Índia, ou, efetivamente, resistir a uma força de ocupação na Palestina.

Quando centenas de ativistas antiglobalização começaram a rumar em bando para Ramallah, para agirem como "escudos humanos" entre os tanques israelenses e os palestinos, a teoria que tem sido desenvolvida fora das reuniões de cúpula de comércio foi posta em ação concreta. Trazer de volta esse espírito corajoso para Washinton, onde é feita grande parte da política do Oriente Médio, foi o mais lógico passo sucessivo.

Mas quando vi o Sr. Le Pen transbordando de orgulho na TV, com os braços levantados em triunfo, um pouco do meu entusiasmo foi drenado. Não há qualquer conexão entre o fascismo francês e os manifestantes a favor da "Palestina livre" de Washington (de fato, as únicas pessoas que os seguidores do Sr. Le Pen parecem detestar mais do que os judeus são os árabes). Apesar disso, não pude deixar de pensar sobre os recentes eventos de que participei, onde a violência contra os muçulmanos foi justamente condenada, Ariel Sharon merecidamente condenado, mas nenhuma menção foi feita aos ataques contra as sinagogas, cemitérios e centros comunitários judaicos. Ou sobre o fato de que, cada vez que acesso sites noticiosos de ativistas, tais como Indymedia.org, o qual pratica a "publicação aberta", sou confrontada com uma lista de teorias conspiratórias judaicas sobre 11/9 e trechos dos Protocolos dos Anciãos de Sion.

O movimento antiglobalização não é antisemita; simplesmente não confrontou completamente as implicações de imergir no conflito do Oriente Médio. A maioria das pessoas de esquerda estão simplesmente escolhendo de que parte querem ficar e, no Oriente Médio, onde um lado está sob ocupação e o outro tem os militares dos EUA nas costas, a escolha parece clara. Mas é possível criticar Israel e, ao mesmo tempo, condenar o aumento do antisemitismo.

E é igualmente possível ser a favor da independência da Palestina sem adotar a dicotomia simplista "Pró-Palestina/Anti-Israel", uma imagem refletida das equações do bem-contra-o-mal, tão queridas ao presidente George W. Bush.

Porque levar em conta tais sutilezas enquanto cadáveres estão ainda sendo retirados das ruínas de Jenin? Porque quem estiver interessado em combater o fascismo ao estilo de Le Pen ou a brutalidade ao estilo de Sharon tem que lidar com a realidade do antisemitismo de frente.

O ódio aos judeus é um instrumento político potente nas mãos da direita, na Europa e em Israel. Para o Sr. Le Pen, o antisemitismo é uma dádiva do céu, tendo ajudado a aumentar o apoio que recebe de 10 porcento a 17 porcento, em uma semana.

Para Ariel Sharon, é o medo do antisemitismo, tanto real quanto imaginado, que é a arma. O Sr. Sharon gosta de afirmar que ele se ergue frente aos terroristas para mostrar que não tem medo. Na realidade, suas políticas são impulsionadas pelo medo. Seu grande talento é compreender plenamente a profundidade do medo judaico de um outro holocausto. Ele sabe como traçar paralelos entre as ansiedades judaicas sobre o antisemitismo e os medos americanos com relação ao terrorismo.

E ele é um especialista em carrear tudo isso para seus propósitos políticos. O medo primário e familiar do qual o Sr, Sharon saca é aquele que lhe permite reivindicar que todas as ações agressivas são ações defensivas, é o medo de que os vizinhos de Israel querem atirar os judeus no mar. O medo secundário que o Sr. Sharon manipula é o medo entre os judeus da diáspora, de que eles, eventualmente, serão levados a procurar abrigo seguro em Israel. Esse medo leva milhões de judeus no mundo todo, muitos dos quais estão enojados pela agressão israelense, a ficarem calados e enviarem seus cheques, o sinal pago para um abrigo futuro.

A equação é simples: quanto mais medo tiverem os judeus, mais poderoso o Sr. Sharon será. Eleito com uma plataforma de "paz através de segurança", sua administração mal podia esconder seu contentamento com a ascendência do Sr. Le Pen, conclamando imediatamente os judeus franceses a fazerem suas malas e virem à terra prometida.

Para o Sr. Sharon, o medo judaico é uma garantia de que o seu poder não é passível de controle, garantindo-lhe a impunidade necessária para executar o impensável: enviar tropas ao ministério da educação da Autoridade Palestina para roubar e destruir registros, enterrar crianças ainda vivas em suas casas, impedir ambulâncias de socorrerem os moribundos. Os judeus fora de Israel atualmente se encontram numa situação apertada: as ações do país que lhes deveria garantir a sua segurança futura está tornando suas vidas menos seguras agora. O Sr. Sharon está deliberadamente apagando as distinções entre os termos "judeu" e "israelense", reivindicando que está lutando não pelo território israelense, mas pela sobrevivência do povo judaico. E quando o antisemitismo aumenta, pelo menos em parte como resultado de suas ações, é ainda ele, o Sr. Sharon, que está posicionado para coletar os dividendos políticos.

E o esquema funciona. A maioria dos judeus estão tão assustados que agora estão dispostos a fazer qualquer coisa para defender as políticas israelenses. Assim, na sinagoga do meu bairro, onde a humilde fachada acaba de ser danificada por um incêndio suspeito, o sinal da porta não diz: "Obrigado por nada, Sharon". Diz: "Dê seu apoio a Israel…. Agora mais do que nunca".

Existe uma saída. Nada irá erradicar o antisemitismo, mas os judeus dentro e fora de Israel poderão estar um pouco mais seguros se houvesse uma campanha para distinguir entre as diversas posições judaicas e as ações do estado de Israel. É aí que um movimento internacional pode ter um papel fundamental. Já agora estão sendo feitas alianças entre ativistas antiglobalização e "refuseniks" israelenses, ou seja, soldados que se recusam a servir seu dever compulsório nos territórios ocupados. E as imagens mais poderosas dos protestos de sábado eram os rabinos caminhando lado a lado com os palestinos.

Mas é necessário fazer mais. É fácil para os ativistas a favor da justiça social dizerem que como os judeus já têm defensores tão poderosos em Washington e Jerusalém, o antisemitismo é uma batalha na qual eles não precisam se envolver.

Esse é um erro fatal.

É justamente por ser usado pelos semelhantes ao Sr. Sharon, que a luta contra o antisemitismo precisa ser reivindicada.

Quando o antisemitismo não for mais tratado como um problema judaico, a ser lidado por Israel e pelo lobby sionista, o Sr. Sharon será roubado de sua arma mais eficaz na indefensável e cada vez mais brutal ocupação. E, como bônus, onde quer que diminua o ódio aos judeus, os semelhantes a Jean-Marie Le Pen encolherão juntamente com ele.

Naomi Klein é a autora de No Logo.

Publicado na quarta-feira, 24 de abril de 2002 no Toronto Globe & Mail

Old Hates Fueled By Fear

by Naomi Klein

April 24, 2002

I knew from e-mail reports that something new was going on in Washington last weekend. A demonstration against the World Bank and International Monetary Fund was joined by an antiwar march, as well as a demonstration against the Israeli occupation of Palestinian territory. In the end, all the marches joined together in what organizers described as the largest Palestinian solidarity demonstration in U.S. history, 75,000 people by police estimates.

On Sunday night, I turned on my television in the hope of catching a glimpse of this historic protest. I saw something else, instead: triumphant Jean-Marie Le Pen celebrating his newfound status as the second-most popular political leader in France. Ever since, I've been wondering whether the new alliance displayed on the streets can also deal with this latest threat.

As a critic both of the Israeli occupation and of corporate-dictated globalization, it seems to me that the convergence that took place in Washington last weekend was long overdue. Despite easy labels like "antiglobalization," the trade-related protests of the past three years have all been about self-determination: the right of people everywhere to decide how best to organize their societies and economies, whether that means introducing land reform in Brazil, or producing generic AIDS drugs in India, or, indeed, resisting an occupying force in Palestine.

When hundreds of globalization activists began flocking to Ramallah to act as "human shields" between Israeli tanks and Palestinians, the theory that has been developing outside trade summits was put into concrete action. Bringing that courageous spirit back to Washington, where so much Middle Eastern policy is made, was the next logical step.

But when I saw Mr. Le Pen beaming on TV, arms raised in triumph, some of my enthusiasm drained away. There is no connection whatsoever between French fascism and the "free Palestine" marchers in Washington (indeed, the only people Mr. Le Pen's supporters seem to dislike more than Jews are Arabs). And yet, I couldn't help thinking about all the recent events I've been to where anti-Muslim violence was rightly condemned, Ariel Sharon deservedly blasted, but no mention was made of attacks on Jewish synagogues, cemeteries and community centers. Or about the fact that every time I log onto activist news sites such as Indymedia.org, which practice"open publishing," I'm confronted with a string of Jewish conspiracy theories about 9-11 and excerpts from the Protocols of the Elders of Zion.

The globalization movement isn't anti-Semitic, it just hasn't fully confronted the implications of diving into the Middle East conflict. Most people on the left are simply choosing sides and in the Middle East, where one side is under occupation and the other has the U.S. military behind it, the choice seems clear. But it is possible to criticize Israel while forcefully condemning the rise of anti-Semitism.

And it is equally possible to be pro-Palestinian independence without adopting a simplistic "pro-Palestinian/anti-Israel" dichotomy, a mirror image of the good-versus-evil equations so beloved by President George W. Bush.

Why bother with such subtleties while bodies are still being pulled out of the rubble in Jenin? Because anyone interested in fighting Le Pen-style fascism or Sharon-style brutality has to deal with the reality of anti-Semitism head-on.

The hatred of Jews is a potent political tool in the hands of the right in Europe and in Israel. For Mr. Le Pen, anti-Semitism is a windfall, helping spike his support from 10 per cent to 17 per cent in a week.

For Ariel Sharon, it is the fear of anti-Semitism, both real and imagined, that is the weapon. Mr. Sharon likes to say that he stands up to terrorists to show he is not afraid. In fact, his policies are driven by fear. His great talent is that he fully understands the depths of Jewish fear of another Holocaust. He knows how to draw parallels between Jewish anxieties about anti-Semitism and American fears of terrorism.

And he is an expert at harnessing all of it for his political ends. The primary, and familiar, fear that Mr. Sharon draws on, the one that allows him to claim all aggressive actions as defensive ones, is the fear that Israel's neighbors want to drive the Jews into the sea. The secondary fear Mr. Sharon manipulates is the fear among Jews in the Diaspora that they will eventually be driven to seek safe haven in Israel. This fear leads millions of Jews around the world, many of them sickened by Israeli aggression, to shut up and send their checks, a down payment on future sanctuary.

The equation is simple: The more fearful Jews are, the more powerful Mr. Sharon is. Elected on a platform of "peace through security," his administration could barely hide its delight at Mr. Le Pen's ascendancy, immediately calling on French Jews to pack their bags and come to the promised land.

For Mr. Sharon, Jewish fear is a guarantee that his power will go unchecked, granting him the impunity needed to do the unthinkable: send troops into the Palestinian Authority's education ministry to steal and destroy records; bury children alive in their homes; block ambulances from getting to the dying.<p>Jews outside Israel now find themselves in a tightening vise: The actions of the country that was supposed to ensure their future safety are making them less safe right now. Mr. Sharon is deliberately erasing distinctions between the terms "Jew" and "Israeli," claiming he is fighting not for Israeli territory but for the survival of the Jewish people. And when anti-Semitism rises at least partly as a result of his actions, it is Mr. Sharon who is positioned once again to collect the political dividends.

And it works. Most Jews are so frightened that they are now willing to do anything to defend Israeli policies. So at my neighborhood synagogue, where the humble façade was just badly scarred by a suspicious fire, the sign on the door doesn't say, "Thanks for nothing, Sharon." It says, "Support Israel . . . Now more than ever."

There is a way out. Nothing is going to erase anti-Semitism, but Jews outside and inside Israel might be a little safer if there was a campaign to distinguish between diverse Jewish positions and the actions of the Israeli state. This is where an international movement can play a crucial role. Already, alliances are being made between globalization activists and Israeli "refuseniks," soldiers who refuse to serve their mandatory duty in the occupied territories. And the most powerful images from Saturday's protests were rabbis walking alongside Palestinians.

But more needs to be done. It's easy for social-justice activists to tell themselves that since Jews already have such powerful defenders in Washington and Jerusalem, anti-Semitism is one battle they don't need to fight.

This is a deadly error.

It is precisely because anti-Semitism is used by the likes of Mr. Sharon that the fight against it must be reclaimed.

When anti-Semitism is no longer treated as Jewish business, to be taken care of by Israel and the Zionist lobby, Mr. Sharon is robbed of his most effective weapon in the indefensible and increasingly brutal occupation. And as a bonus, whenever hatred of Jews diminishes, the likes of Jean-Marie Le Pen shrink right down with it.

Naomi Klein is author of No Logo.

Published on Wednesday, April 24, 2002 in the Toronto Globe & Mail

 

Envie um comentário sobre este artigo