O bioterror da América

 

 


George Monbiot
The Guardian

6 de abril de 2002

Tradução Imediata

Prezado Presidente Bush,

Ao comemorar as vítimas dos ataques a Nova York e Washington na semana passada, o senhor conclamou que as disputas fossem "resolvidas dentro dos limites da razão". O senhor insistiu que "cada nação na nossa coalizão deve levar a sério a ameaça crescente" representada pelas armas químicas e biológicas. O senhor nos garantiu que, quanto a essa questão, "não há margem para erro, e não há oportunidade para se aprender com os erros cometidos… a falta de ação não é uma opção". Esses são sentimentos que a maioria da humanidade compartilha. Embora muitos de nós acreditamos que atacar o Iraque intensificaria, ao invés de reduzir a possibilidade de que armas de destruição de massa sejam usadas, poucos questionariam o fato de que os agentes químicos e biológicos apresentam um grave perigo ao mundo.

Dessa forma, nós que nos encontramos em outras nações e que temos seguido a questão estamos um tanto perplexos. Porque o senhor, que clama querer construir "um mundo pacífico, depois da guerra ao terror", tem feito tudo o que pode fazer para minar os esforços de controle dessas armas letais? Porque os congressistas do seu partido tem repetidamente sabotado as tentativas de garantir que os agentes biológicos e químicos sejam eliminados?

Em dezembro, os seus negociadores rasgaram em pedaços o Tratado de Armas Biológicas (Biological Weapons Convention). O tratado de 1972, como é de seu conhecimento, era impossível de implementar. Embora o tratado banisse o desenvolvimento e a produção de armas biológicas, ele não continha nenhum mecanismo para garantir que suas regras fossem cumpridas. Portanto, por seis anos, 144 signatários desenvolveram um "protocolo de verificação", o qual permitiria que as Nações Unidas examinassem instalações suspeitas de produção de armas biológicas. Em julho, o seu governo recusou assinar o protocolo Em dezembro, o senhor deliberadamente apressou as negociações, insistindo, no último minuto, que a resolução fosse rescrita. Um representante europeu, referindo-se aos empenhos que a sua delegação tinha manifestado antes da reunião, observou: "Eles são mentirosos. Em décadas de negociações multilaterais, nunca presenciamos um comportamento tão insultante". Suas ações tornaram inútil o tratado, deixando o mundo desprotegido frente ao tipo de armas que o senhor diz querer eliminar.

Há quatro anos, os membros republicanos do Congresso, juntamente com o governo Clinton, votaram em infligir dano semelhante ao Tratado de Armas Químicas. Esse tratado já possuía os meios de forçar as nações a abrirem seus laboratórios à inspeção, que é o determinante fundamental de um controle de armas eficaz. Mas em 1998, o seu partido decidiu que os EUA não deveriam estar sujeitos a essas provisões. Aprovando uma legislação que bania a remoção de amostras químicas dos EUA pelos inspetores internacionais de armas; limitando o número de laboratórios que os EUA precisavam declarar e permitindo ao presidente dos EUA de recusar "inspeções desafiadoras" de suas fábricas químicas, os congressistas republicanos eficazmente impediram a aplicação do tratado em todo o mundo. Sob o seu mandato, até mesmo as verificações de rotina foram pervertidas, visto que são os funcionários do governo que dizem aos inspetores quais são as partes de uma instalação que podem ser visitadas e que partes não, exatamente como Saddam Hussein fez no Iraque. Outros países também se usaram da sua intransigência como pretexto para minar o tratado.

Os EUA também se recusaram a pagar tanto o dinheiro necessário para a inspetoria de armas químicas, como os fundos requeridos para a remoção e a invalidação de amplos arsenais de ogivas carregadas com agentes asfixiantes na Sibéria ocidental, alguns dos quais se encontram em armazéns cuja única segurança consiste em cadeados para bicicleta trancando as portas. Foi o seu próprio senador, Pat Roberts, quem argumentou que os fundos prometidos não deveriam ser soltados, com base no fato de que essas armas "representam mais uma ameaça ambiental à Russia do que uma ameaça de segurança aos EUA". Apesar disso, a segurança nos depósitos está tão relaxada que ninguém nem sabe quantas ogivas se encontram por lá. O senhor não deveria se surpreender de saber que muitos de nós têm se perguntado porque as intenções que o senhor professa divergem tanto de suas políticas. O senhor também não deveria ficar surpreso ao descobrir que alguns de nós suspeitamos de que os EUA devam ter alguns segredos letais próprios, que o seu governo espera proteger do conhecimento público.

Em setembro do anos passado, o The New York Times reportou que "o Pentágono construiu uma fábrica de germes que poderia produzir uma quantidade de micróbios letais suficiente para dizimar inteiras cidades." O objetivo da fábrica seria a defesa: os seus funcionários queriam saber com que facilidade os terroristas poderiam fazer o mesmo. Contudo, ela foi construída sem a supervisão do Congresso e sem uma declaração ao Tratado de Armas Biológicas, em direta contravenção ao direito internacional. Poderíamos, talvez, concordar que se os EUA tivessem descoberto uma fábrica secreta como essa numa nação pobre, então o governo daquele país, caso sobrevivesse à sua reação inicial, teria sem dúvida muitas explicações a fornecer.

Mas o que é ainda mais preocupante é a recente descoberta que o seu governo tem planejado testar ogivas contendo micróbios vivos em grandes câmaras de aerosol no Edgewood Chemical Biological Center, do Exército EUA, em Maryland. Os especialistas desse setor dizem que a escala desses experimentos sugere que eles não são defensivos, mas concebidos para ajudar a desenvolver novas armas biológicas.

É evidente também que alguns elementos do seu programa de defesa atual infringem ambos os tratados que o seu governo e partido tem sabotado. O fungo criado pela engenharia genética, desenvolvido para pulverização aérea na Colômbia, qualifica-se simplesmente como arma biológica não-letal. E como os seus alvos estratégicos naquele país vão além da eliminação de drogas, estendendo-se à eliminação das forças rebeldes de esquerda, os pulverizantes químicos que o senhor tem usado nas regiões que eles controlam têm sido empregados como armas, como o "agente laranja" no Vietnã. Os seus laboratórios militares têm desenvolvido uma nova gama de "bactérias devoradoras de materiais" produzidas pela engenharia genética e concebidas para destruir pistas de aterrissagem, as máquinas e o revestimento anti-radar dos caças-bombardeiros. Apesar de não afetarem diretamente os seres humanos, como o senhor pode negar que essas são armas biológicas?

O seu governo também se recusou de destruir seus estoques de varíola, e insistiu em desenvolver novas e mais letais variedades de antrax. O senhor diz que isso é para propósitos meramente defensivos: estudar como eles poderiam ser usados por forças inimigas, ou para desenvolver novos tipos de vacinas. Mas a Federação de Cientistas Americanos adverte que parte dessa nova pesquisa financiada pelo senhor poderia ser categorizada como "uso dual": poderia levar tão facilmente ao ataque como à defesa. Mesmo se nós aceitássemos as garantias do seu governo de que esses programas são exclusivamente destinados à defesa, é óbvio que eles estão gerando exatamente os mesmos tipos de perigos que pretendem confrontar. Os ataques de antrax de outubro parecem ter sido lançados por um cientista de um de seus próprios laboratórios de guerra biológica, usando uma variedade desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa do Exército dos EUA.

Sr. Presidente, o senhor diz que quer salvar o mundo das armas químicas e biológicas. Com ou sem a ajuda se seus próprios líderes, o senhor parece preparado para ir à guerra em busca desse objetivo. Contudo, seguramente o primeiro passo para se lidar com as armas de destruição de massa é a destruição em massa das armas, não? E, seguramente, a sua campanha para a paz mundial seria mais convincente se o senhor respeitasse os tratados concebidos justamente para destruí-las?

Atenciosamente,

George Monbiot

America's Bioterror

If President Bush is serious about waging war against weapons of mass destruction, he should start at home.

by George Monbiot

The Guardian

April 06, 2002

TERROR WAR WATCH

Dear President Bush,

In commemorating the victims of the attacks on New York and Washington last week, you called for disputes to be "settled within the bounds of reason." You insisted that "every nation in our coalition must take seriously the growing threat" of biological and chemical weapons. You assured us that on this issue "there is no margin for error, and no chance to learn from mistakes ... inaction is not an option." These are sentiments with which most of the world's people would agree. While many of us believe that attacking Iraq would enhance rather than reduce the possibility that weapons of mass destruction will be used, few would dispute that chemical and biological agents present a grave danger to the world.

So those of us in other nations who have followed this issue are puzzled. Why should you, who claim to want to build "a peaceful world beyond the war on terror", have done all you can to undermine efforts to control these deadly weapons? Why should the congressmen in your party have repeatedly sabotaged attempts to ensure that biological and chemical agents are eliminated?

In December, your negotiators tore the Biological Weapons Convention to shreds. The 1972 convention, as you know, was impossible to implement. While the treaty banned the development and production of bio-weapons, it contained no mechanism for ensuring that its rules were enforced. So for six years, the 144 signatories had been developing a "verification protocol", which would permit the United Nations to examine suspected bio-weapons facilities. In July, your government refused to sign the protocol. In December, you deliberately scuttled the negotiations by insisting, at the last minute, that the resolution be re-written. One European delegate, referring to the commitments your delegation had made before the meeting, observed, "They are liars. In decades of multilateral negotiations, we've never experienced this kind of insulting behavior." Your actions have rendered the convention useless, leaving the world unprotected from the very weapons you say you want to eliminate.

Four years ago, Republican members of Congress, working alongside the Clinton government, voted to inflict similar damage to the Chemical Weapons Convention. This treaty already possessed the means to force nations to open their laboratories to inspection, which is the key determinant of effective weapons control. But in 1998, your party decided that the United States should not be subject to these provisions. By passing legislation banning the removal of chemical samples from the US by international weapons inspectors; limiting the number of laboratories which the US needs to declare and permitting the United States president to refuse "challenge inspections" of its chemical plants, Republican congressmen effectively hobbled the convention worldwide. Under your presidency, even routine verification has been vitiated, as government officials have told the inspectors which parts of a site they can and cannot visit, just as Saddam Hussein has done in Iraq. Other countries have used your intransigence as an excuse for undermining the convention themselves.

The United States has also withheld both the money required by the chemicals weapons inspectorate, and the funds needed to remove and disable the vast arsenal of warheads loaded with nerve agents in western Siberia, some of which are lying in warehouses secured only by bicycle padlocks on the doors. It was your own senator Pat Roberts who argued that the promised funding should not be issued, on the grounds that these weapons "pose more of an environmental threat to Russia than a security threat to the United States." Yet security at the dumps is so lax that no one even knows how many warheads they contain.

You should not be surprised to learn that many of us have been wondering why your professed intentions and your policies diverge so widely. Nor should you be surprised to discover that some of us suspect that the US might have some deadly secrets of its own, which your government hopes to shield from public view.

In September last year, the New York Times reported that "the Pentagon has built a germ factory that could make enough lethal microbes to wipe out entire cities." The factory's purpose was defensive: your employees wanted to see how easy it would be for terrorists to do the same thing. But it was constructed without either Congressional oversight or a declaration to the Biological Weapons Convention, in direct contravention of international law. We could, perhaps, agree that if the US had discovered a similar undisclosed plant in a poor nation, then that country's government, if it survived your initial response, would have a good deal of explaining to do.

But of still more concern is the recent discovery that your government has been planning to test warheads containing live microbes in large aerosol chambers at the US Army's Edgewood Chemical Biological Center in Maryland. Experts in this field say that the scale of the experiments suggests that they are not defensive, but designed to help develop new biological weapons.

It is also clear that some elements of your existing defence programme contravene both of the treaties your government and your party have sabotaged. The genetically engineered fungus you have developed for aerial spraying in Colombia plainly qualifies as a non-lethal biological weapon. And, because your strategic aims in that country extend beyond the simple eradication of drugs to the elimination of the leftwing rebel forces, the chemical sprays you have been using in the regions they control have also clearly been deployed as weapons, much as Agent Orange was in Vietnam. Your military laboratories have been developing a new range of genetically engineered "materials-eating bacteria", designed to destroy runways, engines and the radar-blocking coatings of warplanes. Though they do not directly affect humans, you would be hard-put to deny that these are biological weapons.

Your government has also refused to destroy its stocks of smallpox, and has insisted on developing new and more lethal varieties of anthrax. You say that this is purely for defensive purposes: to study how they might be used by enemy forces, or to develop new kinds of vaccine. But the Federation of American Scientists warns that some of the new research you are funding could be categorised as "dual use": it could lead just as easily to attack as to defence. Even if we were to accept your government's assurances that these programmes are solely defensive in nature, it is surely plain that they are generating the very hazards they claim to be confronting. The anthrax attacks in October appear to have been launched by a scientist from within your own biological warfare laboratories, making use of a strain developed by the US Army's Medical Research Institute.

Mr President, you say you want to save the world from biological and chemical weapons. With or without the help of our own leaders, you seem prepared to go to war in pursuit of that aim. But surely the first step towards dealing with weapons of mass destruction is the mass destruction of weapons? And surely your campaign for world peace would be more convincing if you respected the conventions designed to destroy them?

Yours Sincerely,

George Monbiot

Envie um comentário sobre este artigo