O Sr.Powell deveria ir ver com os próprios olhos os danos que Israel inflingiu a Jenin

 

 


Robert Fisk
The Independent

14 de junho de 2002

Tradução Imediata

Porque Colin Powell não vai a Jenin? O que aconteceu com a bússola moral do mundo, na verdade com o Estados Unidos, quando o mais famoso ex-general da América, o Secretário de Estado do mais poderoso país da terra, numa missão supostamente desesperada para acabar com o massacre no Oriente Médio, falha em entender o que está ocorrendo a um palmo de seu nariz? O fedor de cadáveres em decomposição está soprando da cidade palestina. O exército de Israel ainda está impedindo a Cruz Vermelha e os jornalistas de verem a evidência dos assassinatos em massa que ocorreram por lá. "Centenas" morreram, inclusive civis, conforme admitido pelos próprios israelenses. Porque, por Deus, o Sr. Powell não pode fazer aquilo que seria decente fazer, e exigir uma explicação para os eventos sinistros e extraordinários que tiveram lugar em Jenin?

Ao invés disso, depois de gracejar com Ariel Sharon, após sua chegada em Jerusalém na sexta-feira, o Sr. Powell está fazendo o jogo, exigindo que Yasser Arafat condene o sangrento bombardeio suicida da sexta em Jerusalém (6 mortos e 65 feridos no total), enquanto é incapaz de articular mais do que uma palavra de "preocupação" com relação ao infinitamente mais terrível total de mortes em Jenin. Será que o Sr. Powell tem medo dos israelenses? Será que ele precisa realmente se rebaixar a esse ponto? Será que ele acha que encontrar Arafat, ou se recusar a encontrá-lo, é mais importante do que a imensa tragédia humanitária e a chacina que se abateu sobre os palestinos? Será que o pedido do Presidente Bush, para que Ariel Sharon retirasse suas tropas da Cisjordânia, terá sido tão brandamente ignorado, de forma tão covarde, tão cínica, permitindo que a charada continue? Porque esse é o fim do jogo, a prova final de que os EUA não são mais moralmente dignos de ser um agente pacificador no Oriente Médio.

Mesmo para alguém que já tenha testemunhado tanta duplicidade no Oriente Médio, é um choque refletir sobre os eventos dos últimos nove dias. Vale só a pena lembrar, como diriam os americanos, "os fatos". Quase duas semanas atrás, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, com a participação e o apoio ativos dos EUA, exigiu um fim imediato à reocupação da Cisjordânia e de Gaza por Israel. O Presidente Bush insistiu que o Sr. Sharon se retirasse seguindo o conselho "dos americanos, amigos de Israel", e como o nosso próprio Sr. Blair se encontrava com o Presidente Bush naquele momento, "dos britânicos, amigos de Israel". "Quando digo retirada, eu estou falando sério", o Sr. Bush repetiu eloquentemente três dias depois. Mas, naturalmente, agora é evidente que não estava falando sério.

Em vez disso, enviou o Sr. Powell em uma "urgente" missão de paz, uma jornada a Israel e à Cisjordânia que levaria ao Secretário de Estado um período inacreditável de oito dias, apenas o tempo suficiente, pensou presumivelmente o Sr. Bush, para permitir que seu "bom amigo", o Sr. Sharon, acabasse com sua mais recente aventura sangrenta na Cisjordânia. Supostamente desavisado de que o chefe do estado-maior de Israel, Shoal Mofaz, disse ao Sr. Sharon que precisava de pelo menos oito dias para "terminar o trabalho" de esmagar os palestinos, o Sr. Powell ficou perambulando pelo Mediterrâneo, matando tempo no Marrocos, na Espanha, no Egito e na Jordânia, antes de, finalmente, desembocar em Israel na sexta de manhã. Se os bombeiros de Washington levassem esse tempo todo para apagar um incêndio, a capital americana teria virado cinzas há muito tempo. Mas naturalmente, o propósito da ociosidade do Sr. Powell era permitir tempo suficiente para que Jenin virasse cinzas. Missão, eu suponho, cumprida.

Enquanto a soldadesca indisciplinada de Israel continuava a esconder seus feitos do mundo externo, prevenindo que a Cruz Vermelha, os auxiliares de socorro, as ambulâncias e os jornalistas entrassem nas ruínas de Jenin, o Sr. Powell estava ociosamente sentado em Israel, pedindo um "máximo autocontrole" de um exército que ainda não acabou de encher as sepulturas coletivas de Jenin. Que ele tivesse que considerar uma visita a Yasser Arafat, o grotesco, corrupto e velho homem de Ramallah como a questão do "ou vai ou racha" desse processo para a paz, mostra apenas como se tornou distorcida a moralidade do Sr. Powell.

Os conselheiros do Sr, Arafat (sem dar qualquer crédito ao potencial "presidente-mártir" da Autoridade Palestina com relação a isso) astuciosamente anunciaram que é o Sr. Powell que deveria condenar as matanças de Jenin, já que era esperado que o Sr. Arafat condenasse a maligna explosão suicida em Jerusalém, da sexta-feira. E, embora o Sr. Arafat tenha proferido as palavras relevantes de contrição e condenação ontem à tarde, isso não faz nenhuma diferença.

Durante toda a semana passada, enquanto os soldados do Sr. Sharon corriam soltos por Jenin, o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, fazia o papel do homem de ponta do Sr. Sharon em Washington. Quando Israel anunciou que seu exército tinha se retirado de três minúsculos vilarejos da Cisjordânia, tão minúsculos que ninguém nunca tinha ouvido falar neles antes, o Sr. Fleischer anunciou que "se tratava de um primeiro passo na direção certa". Então, na sexta de manhã, quando até mesmo os mais estúpidos observadores tinham compreendido que algo de terrivelmente errado tinha acontecido em Jenin, o Sr. Fleischer nos dizia que Sharon era "um homem de paz''. Por quanto tempo ainda, todo mundo se pergunta, essa conversa fiada pode continuar?

Naturalmente, os palestinos, ou seja quem for que estiver dirigindo a campanha sepulcral e horripilante das explosões suicidas, porque certamente não pode ser o absurdo Sr. Arafat, está buscando a jugular. As brigadas Al Aqsa ou Hamas ou a Jihad islâmica certamente pretendem garantir que a cruel operação do Sr. Sharon fracasse (a reocupação efetuada por Israel, afinal de contas, deveria prevenir esses diabólicos crimes palestinos) e garantir que o Sr. Powell parecesse impotente. Eles parecem estar certos de terem alcançado ambos os objetivos. A Autoridade Palestina, para todas as intenções e propósitos, por enquanto cessou de existir. Essa era, seguramente, uma das intenções do Sr. Sharon. E a fraqueza do Sr. Powell, sua falta de fibra, sua covardia agora provavelmente detonarão uma guerra israelense-palestina ainda mais terrível do que essa que estamos testemunhando até agora.

Mas façamos uma pausa para uma breve incursão no passado; em setembro de 1982, quando Ariel Sharon queria "erradicar a rede de terror" nos campos de refugiados de Sabra e Chatila em Beirute. Antes de enviar os aliados da milícia falangista assassina de Israel no campos, o Sr. Sharon disse ao mundo que os palestinos tinham assassinado o líder falangista, Bashir Gemayel. Isso era uma grande mentira, mas a Falange acreditou nele. E está emergindo a evidência, em Beirute, de que muito tempo depois que os americanos solicitaram que Israel retirasse os assassinos do campo, o exército israelense, comandado pelo então Ministro da Defesa Sharon, entregaram mais de 1.000 sobreviventes àqueles mesmos assassinos, para serem dizimados nas duas semanas seguintes. É sobretudo por isso que o Sr. Sharon está tão preocupado com as tentativas de indiciá-lo por crimes de guerra em Bruxelas.

Será que o Sr. Powell não deu uma espiada nos arquivos do Departamento de Estado para o ano de 1982? Será que ele não leu o que o Sr. Sharon declarou naquela época, a mesma vociferação sobre "redes de terror" e "erradicação do terror" que emprega hoje? Um léxico que o próprio Sr. Powell está usando entusiasticamente no presente? Será que ele esqueceu que o comitê Kahan de Israel julgou o Sr. Sharon "pessoalmente responsável" pelo massacre de mais de 1.700 civis? Será que o Sr. Powell pensa realmente que Jenin, se bem de que em menor escala, seja muito diferente? Mesmo se ignorarmos todas as reivindicações dos palestinos de massacre da população civil, as execuções extrajudiciárias e a destruição no atacado de milhares de habitações, o que será que ele acha que os israelenses estavam fazendo em Jenin? Porque ele não vai para ver com os próprios olhos?

Sim, a campanha suicida dos palestinos é imoral, imperdoável e insuportável. Um dia, os árabes que nunca olham para o espelho quando se trata de seus próprios crimes, terão que reconhecer a pura crueldade de suas táticas. E eles ainda não fizeram isso. Mas visto que os israelenses nunca tentaram confrontar a imoralidade de se matar uma criança que atira pedras nos dias do começo da intifada, ou o mal de seus insolentes esquadrões da morte, que saiam matando os palestinos de suas listas de "mais procurados", juntamente com os grupos habituais de mulheres e crianças que estavam no caminho, será que deveríamos estranhar aquele fato?

Nos anais de guerra, o conflito do Oriente Médio alcançou um novo apogeu, mas a história do envolvimento dos Estados Unidos no Oriente Médio nunca mais será a mesma. Graças ao Sr. Powell, ao Presidente Bush e ao Sr. Sharon, a credibilidade da América partiu-se em pedaços. Israel, pelo que parece, efetivamente comanda a política dos EUA na região. O Secretário de Estado recita segundo a cartilha de Israel. Portanto, quando, ó quando, será que os europeus vão juntar toda a sua coragem e se tornarem os agentes pacificadores no Oriente Médio?

Mr Powell Must See For Himself What Israel Inflicted On Jenin

by Robert Fisk

The Independent

April 14, 2002

Why doesn't Colin Powell go to Jenin? What has happened to the world's moral compass indeed to the United States when America's most famous ex-general, the Secretary of State of the most powerful country on earth, on a supposedly desperate mission to stop the bloodshed in the Middle East, fails to grasp what is taking place in front of his nose? The stench of decaying corpses is wafting out of the Palestinian city. The Israeli army is still keeping the Red Cross and journalists from seeing the evidence of the mass killings that have taken place there. "Hundreds'' on Israel's own admission have died, including civilians. Why, for God's sake, can't Mr Powell do the decent thing and demand an explanation for the extraordinary, sinister events that have taken place in Jenin?

Instead, after joshing with Ariel Sharon after his arrival in Jerusalem on Friday, Mr Powell is playing games, demanding that Yasser Arafat condemn Friday's bloody suicide bombing in Jerusalem (total, six dead and 65 wounded) while failing to utter more than a word of "concern'' for the infinitely more terrible death toll in Jenin. Is Mr Powell frightened of the Israelis? Does he really have to debase himself in this way? Does he think that meeting Arafat, or refusing to do so, takes precedence over the enormous humanitarian tragedy and slaughter that has overwhelmed the Palestinians? Is President Bush whose demand that Ariel Sharon withdraw his troops from the West Bank has been blandly ignored so gutless, so cynical, as to allow this charade to continue? For this is the endgame, the very final proof that the United States is no longer morally worthy of being a Middle East peacemaker.

Even for one who has witnessed so much duplicity in the Middle East, it is a shock to reflect on the events of the past nine days. Let's just remember, as the Americans would say, "the facts". Almost two weeks ago, the United Nations Security Council, with the active participation and support of the United States, demanded an immediate end to Israel's reoccupation of the West Bank and Gaza. President Bush insisted that Mr Sharon should follow the advice of "Israel's American friends'' and because our own Mr Blair was with the President at the time of "Israel's British friends", and withdraw. "When I say withdraw, I mean it," Mr Bush snapped three days later. But of course, it's now clear that he meant nothing of the kind.

Instead, he sent Mr Powell off on his "urgent" mission of peace, a journey to Israel and the West Bank that would take the Secretary of State an incredible eight days just enough time, Mr Bush presumably thought, to allow his "good friend'' Mr Sharon to finish his latest bloody adventure in the West Bank. Supposedly unaware that Israel's chief of staff, Shoal Mofaz, had told Mr Sharon that he needed at least eight weeks to "finish the job'' of crushing the Palestinians, Mr Powell wandered off around the Mediterranean, dawdling in Morocco, Spain, Egypt and Jordan before finally washing up in Israel on Friday morning. If Washington firefighters took that long to reach a blaze, the American capital would long ago have turned to ashes. But of course, the purpose of Mr Powell's idleness was to allow enough time for Jenin to be turned to ashes. Mission, I suppose, accomplished.

As Israel's indisciplined soldiery yesterday continued to hide their deeds from the outside world by preventing the Red Cross, aid workers, ambulances and journalists from entering the rubble of Jenin, Mr Powell was sitting idly by in Israel, calling for the "utmost restraint'' from an army that has not yet finished filling the mass graves of Jenin. That he should see a visit to Yasser Arafat the grotesque, corrupt old man of Ramallah as the make-or-break issue of his "peacemaking" shows just how skewed Mr Powell's morality has become. Mr Arafat's advisers (let's not give any credit to the would-be "martyr-chairman" of the Palestinian Authority for this) shrewdly announced that it is for Mr Powell to condemn the killings in Jenin, for Mr Arafat could be expected to condemn the vicious suicide bombing in Jerusalem on Friday. And even though Mr Arafat mouthed the relevant words of contrition and condemnation yesterday afternoon, it makes little difference.

All last week, while Mr Sharon's soldiers were running amok in Jenin, White House spokesman Ari Fleischer was playing the role of Mr Sharon's point man in Washington. When Israel announced that its army was pulling out of three tiny West Bank villages so tiny that no one had ever heard of them before Mr Fleischer announced that this was "a step in the right direction''. Then by Friday morning, when even the most dimwitted observer had grasped that something was terribly wrong in Jenin, Mr Fleischer was telling us that Sharon was "a man of peace''. How much longer, one wonders, could this nonsense continue?

Of course, the Palestinians or whoever directs the sepulchral, nightmarish campaign of suicide bombing, for it surely cannot be the preposterous Mr Arafat are going for the jugular. The Al Aqsa Brigades or Hamas or Islamic Jihad clearly intend to ensure that Mr Sharon's ruthless operation fails (the Israeli reoccupation, after all, was supposed to be preventing these wicked Palestinian crimes) and to ensure that Mr Powell is made to look impotent. They seem certain to accomplish both goals. The Palestinian Authority, to all intents and purposes, has for now ceased to exist. That was surely one of Mr Sharon's intentions. And Mr Powell's weakness, his failure of nerve, his cowardice, are now likely to set off an Israeli-Palestinian war even more terrible than what we have witnessed so far.

But let's pause for a quick journey down memory lane; to September 1982, when Ariel Sharon was "rooting out the network of terror" in the Sabra and Chatila refugee camps in Beirut. Before sending Israel's murderous Phalangist militia allies into the camps, Mr Sharon told the world that the Palestinians had assassinated the Phalangist leader, Bashir Gemayel. This was totally untrue, but the Phalange believed him. And evidence is now emerging in Beirut that, long after the Americans had called for Israel to withdraw the killers from the camp, the Israeli army, commanded by then Defence Minister Sharon, handed more than 1,000 survivors over to those same murderers to be slaughtered over the following two weeks. This, primarily, is why Mr Sharon is so worried by the attempts to indict him for war crimes in Brussels.

Hasn't Mr Powell glanced through the State Department archives for 1982? Hasn't he read what Mr Sharon said back then, the same ranting about "terror networks" and "rooting out terror" that he employs today? A lexicon which Mr Powell himself is now enthusiastically using? Has he forgotten that the Israeli Kahan commission held Mr Sharon "personally responsible'' for the massacre of those 1,700 civilians? Does Mr Powell really think that Jenin, albeit on a smaller scale, is much different? Even if we dismiss all the Palestinian claims of civilian butchery, extrajudicial executions and the wholesale destruction of thousands of homes, what on earth does he think the Israelis are hiding in Jenin? Why doesn't he go and look?

Yes, the Palestinians' suicide campaign is immoral, unforgivable, insupportable. One day, the Arabs never ones to look in the mirror when it comes to their own crimes will have to acknowledge the sheer cruelty of their tactics. They have not done this so far. But since the Israelis never attempted to confront the immorality of shooting to death child stone-throwers in the early days of the intifada or the evil of their reckless death squads who went around murdering Palestinians on their wanted list, along with the usual clutch of women and kids who got in the way, is this any wonder?

In the annals of war, the conflict in the Middle East has reached a new apogee, but the story of the United States' involvement in the Middle East will never be the same again. Thanks to Mr Powell, President Bush and Mr Sharon, America's credibility has been shattered. Israel, it turns out, does indeed run US policy in the region. The Secretary of State sings from the Israeli songbook. So when, oh when, will the Europeans screw their courage to the sticking-place and become the peacemakers of the Middle East?

Envie um comentário sobre este artigo