O mundo acadêmico fica calado diante do imperialismo; como nas universidades alemãs durante o apogeu nazista

 

 


John Pilger
www.johnpilger.com

Tradução Imediata

No outro dia, fui a uma conferência sobre o "novo imperialismo", na Universidade de Sussex. Só o fato de que um evento desses tenha acontecido já foi extraordinário. Julian Saurin, que leciona no Instituto de Estudos Africanos e Asiáticos, disse que em dez anos, nunca tinha ficado sabendo de qualquer discussão aberta sobre o imperialismo. Cerca de 80 porcento dos estudos sobre relações internacionais nas mais importantes universidades britânicas trata dos Estados Unidos e da Europa. O resto da humanidade é frequentemente classificado segundo o grau de importância ou utilidade para os "interesses ocidentais", o eufemismo para o poder e o imperialismo ocidentais.

Raramente pronuncia-se o conceito de imperialismo moderno. Trata-se de um tema tabu, descrito como "provocativo" pelos "realistas liberais" que evitaram a conferência de Sussex. O tema do silêncio do mundo acadêmico, levantado pela conferência, é de fundamental importância. Às vezes, as universidades que se orgulham de sua tradição de pensamento independente permanecem caladas. A Alemanha, durante o apogeu dos nazistas e os Estados Unidos no período McCarhty são exemplos bem conhecidos.

O silêncio atual não é tão óbvio, porém é igualmente cúmplice. Por exemplo, uma invasão e ocupação que aniquilou um terço da população, causando a morte de mais pessoas, proporcionalmente, do que as que morreram em Camboja com Pol Pot, provocou um silêncio do mundo universitário que durou quase 24 anos.

Foi Timor Leste, comparado uma vez por Henry Kissinger como "uma marca desconhecida" de refrigerante. Foi ele que enviou armas ilegalmente ao exército invasor do General Suharto. Com exceção do maravilhoso livro de John Taylor, "Indonesia's Forgotten War" (A Guerra Esquecida da Indonésia) (Zed Books) e do trabalho de Peter Carey, Mark Curtis e, mais recentemente, Eric Herring, o maior genocídio da segunda metade do século XX aparentemente não se qualificou para constar de nenhum estudo acadêmico importante, baseado em documentos originais do departamento de relações internacionais de qualquer universidade britânica. Como os massacres que levaram Suharto ao poder nos anos sessenta – nos quais tanto o governo dos EUA quanto o da Inglaterra desempenharam papéis fundamentais, o genocídio de Timor Leste foi maquiado por aqueles que têm como função manter na linha os registros acadêmicos. O trabalho de Noam Chomsky, uma voz solitária sobre Timor Leste, foi considerada demasiadamente "provocativa".

O estudo das relações internacionais posteriores à segunda guerra mundial foi inventado nos EUA, principalmente com o patrocínio daqueles que o conceberam e que têm policiado o poder econômico atual estadunidense: uma rede que inclui as fundações Ford, Carnegie e Rockefeller, a OSS (precursora da CIA) e o Conselho de Relações Exteriores, na realidade um ramo do governo. Assim, nas grandes universidades dos EUA, vozes cultas justificaram a guerra fria e o novo imperialismo dirigido por Washintgon.

Na Inglaterra, com honradas exceções, essa visão "transatlântica" encontrou o seu eco. No presente há variações, conhecidas por seus eufemismos capitalistas. A "terceira via" está na moda, já que a Inglaterra se considera "um bom cidadão internacional". A "intervenção humanitária" é outro favorito. O intervencionismo divide o mundo entre as vítimas que interessam e aquelas que não interessam. Os curdos iraquianos merecem a "proteção" anglo-estadunidense. Na Turquia, os curdos que lutam contra a investida do governo não a merecem. A Turquia é membro da OTAN.

O intervencionista dá por descontada a inferioridade moral da nação-alvo. O Iraque é Saddam Hussein. A Sérbia é Milosevic. Entretanto, Suharto, um assassino serial com sua liga própria, nunca foi demonizado. Pelo contrário, trouxe "estabilidade" à Indonésia. Ultimamente, os proeminentes especialistas da "terceira via" descobriram os horrores impostos em Timor Leste, muito tempo depois que possa surtir qualquer efeito aquilo que estão dizendo. Talvez descobrirão algum dia a fraudulência do bombardeio da NATO nos Balcãs, e a natureza genocida das sanções impostas ao povo do Iraque.

Não há uma conspiração. É o modo como funciona o sistema, assegurando "acesso" e "credibilidade" dentro de uma hierarquia acadêmica cuja lealdade se transformou numa velada ideologia "globalizada", que não é nada além do capitalismo rampante. Sempre desejosos de dar mais crédito e valor ético aos políticos que decidem sobre os projetos do que os próprios interessados se conferem, os "realistas liberais" se asseguram de que o imperialismo ocidental seja interpretado como um gerenciamento da crise, ao invés de tratá-lo como a causa da crise e de sua escalada. Para além da nuvem de ofuscamento e do jargão, constrói-se uma pseudo-sabedoria sensacionalista que vê o terrorismo em grupos, indivíduos e "estados delinquentes", quase nunca em "nossos" governos e indústrias de armamentos, os quais se encontram historicamente entre os maiores abusadores dos direitos humanos do mundo. Defender uma verdade dessas significa arriscar-se a ser despedido como "pouco acadêmico".

Esse reconhecimento de um "nós" letal é o tabu mais duradouro de todos. Não houve debate sobre o fato de se empreender uma ação humanitária contra o envio de aviões de combate britânicos Hawk aos genocidas indonésios. Não se discutiu sobre interceptar os envios de armas britânicas e estadunidenses aos regimes terroristas da Arábia Saudita, Israel, Turquia, Iraque, Irã, Paquistão, Colômbia. Não há discussões quanto a se denunciar os líderes ocidentais por crimes contra a humanidade, a respeito do que temos abundante evidência. Imaginemos só a melhora quase imediata nas condições humanitárias no mundo todo se "nós" parássemos de subscrever o terrorismo.

Esses são tempos difíceis, agora que os EUA elegem seu novo inimigo, a China, enquanto planejam a militarização do espaço. A menos que a nossa experiência, memória e história se transformem em instrumentos de grande poder, precisamos de vozes independentes nos centros para o estudo do imperialismo, não só ecos e silêncio.

Agradeço ao BISA International Relations Working Group e ao Centre for Global Political Economy, University of Sussex.

www.johnpilger.com

www.medialens.org/articles/jp_Academia_is_silent.htm

 

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Academia is silent on imperialism,

as German universities were during the rise of the Nazis

by John Pilger

The other day, I attended a conference at the University of Sussex on the "new imperialism". What was extraordinary was that it took place at all. Julian Saurin, who teaches in the school of African and Asian studies at Sussex, said that, in ten years, he had never known an open discussion on imperialism. About 80 per cent of international relations studies in the great British universities is concerned with the United States and Europe. Most of the rest of humanity is often rated according to its degree of importance or usefulness to "western interests", the euphemism for western power and imperialism.

The concept of modern imperialism seldom speaks its name. It is a taboo subject, described as "provocative" by those "liberal realists" who shunned the Sussex conference. The issue of academic silence this raises is crucial. At times, universities that pride themselves on a free-thinking tradition go silent. Germany during the rise of the Nazis and the United States in the McCarthyite period offer obvious examples.

The silence these days is not as obvious, but no less complicit. For example, an invasion and occupation that wiped out a third of a population, causing the deaths of more people, proportionally, than died in Cambodia under Pol Pot, provoked an academic silence that lasted for most of 24 years.

This was East Timor, which Henry Kissinger once likened to an "obscure brand" of soft drink. It was Kissinger who sent arms illegally to General Suharto's invading troops. Apart from John Taylor's marvellous book, Indonesia's Forgotten War (Zed Books) and the work of Peter Carey, Mark Curtis and, more recently, Eric Herring, the greatest genocide in the second half of the 20th century apparently did not warrant a single substantial academic case study, based on primary sources, originating in the international relations department of a British university. Like the massacres that brought Suharto to power in the 1960s - in which both the US and British governments played critical roles - the genocide in East Timor was airbrushed by those whose job was to keep the scholarly record straight. The work of Noam Chomsky, a lone voice on East Timor, was considered too "provocative".

The study of postwar international relations was invented in the United States, largely with the sponsorship of those who designed and have policed modern American economic power: a network that included the Ford, Carnegie and Rockefeller foundations, the OSS (the forerunner of the CIA) and the Council on Foreign Relations, effectively an arm of government. Thus, in the great US universities, learned voices justified the cold war and the new Washington-led imperialism.

In this country, with honourable exceptions, this "transatlantic" view found its echo. There are current variations, known by their imperialist euphemisms. A "third way" for Britain as "a good international citizen" is fashionable. "Humanitarian intervention" is another favourite. The interventionist divides the world into worthy and unworthy victims. The Iraqi Kurds are worthy of Anglo-America "protection". In Turkey, the Kurds struggling against an onslaught from the regime are unworthy. Turkey is a member of Nato.

The interventionist assumes the moral inferiority of the target nation. Iraq is Saddam Hussein. Serbia is Milosevic. However, Suharto, a mass murderer in a league of his own, was never demonised. On the contrary, he brought "stability" to Indonesia. Lately, prominent "third way" experts have discovered the horrors imposed on East Timor, long after what they say can have any effect. Perhaps they will one day discover the fraudulence of Nato's bombing campaign in the Balkans, and the genocidal nature of sanctions imposed on the Iraqi people.

There is no conspiracy. It is the way the system works, ensuring "access" and "credibility" in an academic hierarchy whose loyalty has shifted to a veiled "globalised" ideology that is really rampant capitalism. Always eager to credit more ethical intent to government policy-makers than the policy-makers themselves, the "liberal realists" ensure that western imperialism is interpreted as crisis management, rather than the cause of the crisis and its escalation. Behind the fog of obfuscation and jargon, this is essentially a tabloid scholarship that sees terrorism in groups, individuals and "rogue states", almost never in "our" governments and arms industries, which historically are among the world's greatest abusers of human rights. To state such a truth is to risk being dismissed as unscholarly.

This recognition of a lethal "us" is the most enduring taboo. There was no debate on whether to take humanitarian action against the delivery of British Hawk fighter aircraft to the genocidists in Indonesia. There was no debate on intercepting shipments of American and British weapons to terrorist regimes in Saudi Arabia, Israel, Turkey, Iraq, Iran, Pakistan, Colombia. There is no debate about whether western leaders ought to be indicted for crimes against humanity, for which there is abundant prima facie evidence. Just imagine the almost immediate improvement in humanitarian conditions around the world if "we" stopped under- writing terrorism.

With America ordaining its new enemy, China, while planning to militarise space, these are dangerous times. Unless our experience, memory and history are to be shaped as instruments of great power, we need independent voices in centres for the study of imperialism, not echoes and silence.

With thanks to BISA International Relations Working Group and the Centre for Global Political Economy, University of Sussex

www.johnpilger.com

 

 

25 de abril del 2002

 

El medio académico calla frente al imperialismo, igual que las universidades alemanas durante el apogeo de los nazis

John Pilger

Traducido para Rebelión por Tatiana de la O

El otro día fui a una conferencia sobre "nuevo imperialismo" en la Universidad de Sussex. El solo hecho de que tuviese lugar ya era extraordinario. Julian Saurin, que da clases en la Escuela de Estudios Africanos y Asiáticos de Sussex, dijo que en diez años nunca había sabido de ninguna discusión abierta sobre el imperialismo. Alrededor del ochenta por ciento de los estudios sobre relaciones internacionales de las universidades británicas más importantes tratan sobre Estados Unidos y Europa. El resto de la humanidad se valora a menudo de acuerdo a este grado de importancia o utilidad para los "intereses occidentales", el eufemismo para el poder occidental y el imperialismo.

El concepto de imperialismo es pronunciado raramente. Es un tema tabú, descrito como "provocativo" por los "realistas liberales" que evitaron la conferencia de Sussex. El tema del silencio académico que esto plantea es crucial. A veces, universidades que se enorgullecen de su tradición de pensamiento independiente se llaman a silencio. La Alemania durante el apogeo de los nazis y Estados Unidos en el periodo de McCarthy son ejemplos conocidos.

El silencio de la actualidad no es tan obvio pero es igual de cómplice. Por ejemplo, una invasión y ocupación que aniquiló a un tercio de la población, causando las muertes de más personas, proporcionalmente, que las que murieron en Camboya con Pol Pot, provocó un silencio académico que duró casi 24 años.

Fue Timor Oriental, comparada una vez por Kissinger con una "marca desconocida" de refresco. Él fue quien envió armas ilegalmente al ejército invasor del General Suharto. Exceptuando el maravilloso libro de John Taylor Indonesia's Forgotten War (La guerra olvidada de Indonesia) y el trabajo de Peter Carey, Mark Curtis y más recientemente Eric Herring, el mayor genocida de la segunda mitad del siglo XX no justificó al parecer ni un estudio académico importante basado en documentos originales, del departamento de relaciones internacionales de ninguna universidad británica. Como las masacres que condujeron a Suharto al poder en los sesenta, en las que tanto Estados Unidos como Inglaterra cumplieron roles importantes, el genocidio de Timor Oriental fue maquillado por quienes tienen como trabajo mantener en vereda el historial de investigación. El trabajo de Noam Chomsky, una voz solitaria sobre Timor Oriental, se consideró demasiado "provocativo".

El estudio de las relaciones internacionales posteriores a la guerra se inventó en Estados Unidos, mayormente con el patrocinio de aquellos que diseñaron y custodian el poder económico estadounidense: una red que incluye las fundaciones Ford, Carnegie y Rockefeller, la OSS (precursora de la CIA) y el Consejo de Relaciones Exteriores, en efecto una rama del gobierno. Así, en las grandes universidades estadounidenses voces cultas justificaron la guerra fría y el nuevo imperialismo dirigido por Washington.

En Inglaterra, con honrosas excepciones, esta visión "transatlántica" ha encontrado su eco. En estos momentos hay variaciones, conocidas por sus eufemismos imperialistas. La "tercera vía" está de moda, ya que Inglaterra es "un buen ciudadano internacional". "Intervención humanitaria" es otro favorito. El intervencionismo divide el mundo entre víctimas que importan y víctimas que no. Los kurdos iraquíes merecen la "protección" anglo estadounidense. En Turquía, los kurdos que pelean contra la embestida del gobierno no la merecen. Turquía es miembro de la OTAN.

El intervencionista da por supuesta la inferioridad moral de la nación rival. Irak es Sadam Husein. Serbia es Milosevic. Pero Suharto, un asesino serial con una liga propia, nunca fue demonizado. Por el contrario, trajo "estabilidad" a Indonesia. Últimamente los prominentes expertos de la "tercera vía" descubrieron los horrores impuestos en Timor Oriental, mucho tiempo después de que lo que digan pueda tener algún efecto. Quizás algún día descubrirán la fraudulencia del bombardeo de la OTAN sobre los Balcanes, y la naturaleza genocida de las sanciones impuestas al pueblo iraquí.

No hay una conspiración. Es el modo en que funciona el sistema, asegurando "acceso" y "credibilidad" en una jerarquía académica cuya lealtad se ha transformado en una velada ideología "globalizada" que no es sino capitalismo rampante. Siempre deseosos de dar más crédito a los creadores políticos de proyectos que a los técnicos en sí, los "realistas liberales" se aseguran que el imperialismo occidental sea interpretado como una crisis de dirigencia más que como la causa de la crisis y su escalada. Más allá de la niebla de obnubilación y lenguaje técnico, yace una sapiencia en sensacionalismo que ve el terrorismo en grupos, individuos y "estados delincuentes", casi nunca en "nuestro" gobierno o industrias de armamento, que se encuentran históricamente entre los mayores abusadores de los derechos humanos del mundo. Defender esta verdad es arriesgarse a ser despedido por "poco académico".

Este reconocimiento de un "nosotros" que mata es el tabú más perdurable de todos. No hubo discusión sobre emprender o no una acción humanitaria contra el envío de aviones británicos de combate Hawk a los genocidas indonesios. No se discutió sobre interceptar los envíos de armas británicas y estadounidenses a los regímenes terroristas de Arabia Saudita, Israel, Turquía, Irak, Irán, Pakistán, Colombia. No existe el debate sobre si debemos o no enjuiciar a los líderes occidentales por crímenes contra la humanidad, de lo que tenemos abundante evidencia de refuerzo. Imaginemos la mejora inmediata de las condiciones humanitarias que se dará en el mundo si "nosotros" dejamos de suscribir el terrorismo.

Estos son tiempos difíciles, ahora que EE.UU. elige a su nuevo enemigo, China, mientras planea militarizar el espacio. A menos que nuestra experiencia, memoria e historia se transformen en instrumentos de gran poder, necesitamos voces independientes en los centros para el estudio del imperialismo, no sólo ecos y silencio.

Agradezco al BISA International Relations Working Group y al Centre for Global Political Economy de la Universidad de Sussex.

www.johnpilger.com

www.medialens.org/articles/jp_Academia_is_silent.htm

 

Envie um comentário sobre este artigo